Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Truques na programação, receita de sucesso

CASA DOS ARTISTAS

Nelson Hoineff (*)

A Casa dos Artistas acabou. Dela, o que ficou não foi o namoro da Bárbara com o Supla, nem as lágrimas da Mari, e muito menos o intelecto do Frota. O que a Casa dos Artistas exibiu não foi a intimidade de seus participantes debaixo dos edredons, mas a evidência de que televisão aberta é programação e contra-programação, não importa o nível em que se desenvolva o seu conteúdo.

Programação, em televisão, é antes de tudo um processo dinâmico e criativo, não necessariamente intelectualizado. Há anos a TV brasileira não reconhece isso; em decorrência deixa de trafegar tanto por um caminho quanto pelo outro. Sua programação carece do dinamismo e da criatividade tanto quanto da qualidade intrínseca do seu conteúdo.

O que o fenômeno Casa dos Artistas ajudou a mostrar não foi necessariamente o baixo nível da televisão brasileira, nem o voyeurismo latente em todas as camadas da população, muito menos o sentimento anti-Globo da mídia em geral, que explorou até onde pôde os altos índices de audiência do programa. O que de mais importante ele mostrou foi o fato de que o simples reconhecimento das características inerentes à arquitetura da programação é capaz de gerar bons resultados.

Na TV brasileira, diretores de programação tornaram-se burocratas contando minutagem, o dia todo, em suas pranchetas. Mas num sistema de empacotamento de conteúdo em emissoras, como é o vigente, a programação não se mede pelo tamanho do break. Ela deve ser vista, pelo contrário, como um dos mais ativos componentes da linguagem do próprio veículo. É licito admitir que, neste sistema, o desenho da programação colabore muito mais para o estabelecimento de uma linguagem eminentemente televisiva do que a sintaxe da teledramaturgia, por exemplo, ou a própria estrutura narrativa de cada um dos programas tomados isoladamente.

Mar de imobilismo

Direção de programação não deveria ser confundida com o preenchimento de tabelas. Num modelo competitivo, ela tem que ser associada ao rápido entendimento da demanda do público e à capacidade de atendê-la, levando em conta o confronto com as outras ofertas. Isto depende tanto de sensibilidade quanto de cultura televisiva. Queiram ou não, é parte da natureza da televisão aberta.

O SBT simplesmente atendeu circunstancialmente a essa exigência. Aplicou a exceção, que deveria ser a regra. Baseou-se na observação empírica que qualquer diretor de programação, que atuasse como tal, deveria fazer: há uma forte demanda do espectador pelo voyeurismo e existem no mundo fórmulas que a estão suprindo com sucesso.

Como quase tudo em televisão aberta, essa demanda é efêmera, por isso não há tempo a perder. O SBT foi rápido (mesmo passando ao largo da legislação) e confrontou uma idéia mais nova ? do Big Brother ? com outra igualmente efêmera ? do Survivor. O resultado não poderia ter sido diferente.

Qualquer observador com um mínimo de bom senso duvida que a Globo vá agora pagar o mico de produzir de fato o Big Brother brasileiro, por cujos direitos pagou bem caro e cuja produção, desde outubro, afundou num mar de imobilismo e falta de ousadia.

Casa dos Artistas prestou este grande serviço à TV. Não o de colocar as tragédias completas de Shakespeare no ar; mas de lembrar que é a programação ? da qual existem poucos traços no país ? que ainda rege o desempenho da indústria da televisão.

(*) Jornalista e diretor de TV