Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Títulos enganosos

Carlos Henrique Knapp

 

C

omendo ou não pipocas, o espectador de televisão ouve passivamente o noticiário inteiro que lhe é lido pelos apresentadores. O leitor de jornais impressos, pelo contrário, passa os olhos pelos títulos e só se detém nas matérias que lhe interessam. Supõe-se, por isso, que os leitores de jornal constituam um público de mais qualidade. Eles tomam a iniciativa, que começa com a compra do jornal, e têm uma atitude seletiva em relação aos assuntos tratados pelo jornal.

Parece por isso paradoxal afirmar que o espectador de televisão (assim como o ouvinte de rádio) é mais bem informado do que o leitor de jornal. Lendo apenas os títulos das matérias que não lhe interessam especialmente, o leitor recebe freqüentemente uma comunicação equivocada, que tende a falsificar seu registro dos fatos. São os títulos construídos para chamar atenção e despertar interesse, que não contam toda a verdade ou a distorcem. Não me refiro aos escandalosos tablóides ingleses, mas aos respeitáveis matutinos nacionais.

Um título aberto em quatro colunas de um jornal de 28 de agosto diz, por exemplo, que Reservas caem mais de US$ 7 bi. O leitor particularmente interessado na crise financeira registra a informação e passa adiante. Não lê, no texto da matéria, que “o resultado negativo para este mês já era previsto, antes mesmo do agravamento da crise internacional. Este mês houve uma concentração de vencimentos de títulos da chamada 63 Caipira…” e que “O governo já esperava que boa parte desses títulos (mais de 70%) seria resgatada, porque as regras determinadas pelo Banco Central não estimulavam a permanência desse investidor….”

Outro exemplo, da mesma edição do mesmo jornal. Um título de oito colunas informa que “bancos só pagaram 7% dos recursos do Proer”. O leitor desavisado registra que os bancos estão dando calote no governo e que, talvez, a oposição tenha razão ao criticar esse socorro prestado aos bancos falidos. No entanto, a matéria resume uma palestra feita no TCU pelo diretor de Fiscalização do Banco Central, que justifica a existência do Proer: a restituição dos empréstimos do Proer está ligada à venda dos ativos dos bancos liquidados, um processo retardado pela própria Justiça. O texto cita o referido diretor do Banco Central: “O governo não poderia usar o dinheiro do Proer para saúde, educação e outras áreas. A origem dos recursos do Proer são depósitos compulsórios dos bancos, e não as receitas fiscais”.

Tomei propositadamente como exemplos títulos que não têm a intenção visível de fazer carga contra a política do governo. Existem incontáveis outros, repletos de veneno e malícia intencional. Seu objetivo é sempre o leitor que lê muito título e pouco texto.

Enquanto isso, na televisão não há títulos. As notícias são apresentadas linearmente e é menor a possibilidade de que o espectador fique com uma impressão e o fato ser outro.

Marinheiro russo toma submarino e é morto, diz o título de uma nota de jornal. Entrando diretamente no assunto, William Bonner leria para nós que “um marinheiro russo de 19 anos, que servia num submarino nuclear perto do Ártico, foi morto no fim da noite de ontem por um comando especial, depois de ter matado pelo menos oito membros da tripulação…”. Desse modo, a TV Globo nos teria informado melhor do que o Estadão.

A televisão abrevia a informação, é verdade. Ela pode omitir informações inteiras ou ignorar detalhes essenciais. Mas isso é outra história. A informação geral dada ao espectador, insisto, é mais fiel do que a informação geral apreendida pelo leitor comum de jornais.

Essa é a conseqüência da deformação que os títulos produzem. Às vezes o resultado é engraçado: Homem é preso em flagrante por fazer sexo com cadáver no interior (Folha, 27/12/95). Se o homem fizesse sexo com o cadáver na capital, deixaria de ser preso?

Se você não está redigindo um anúncio imobiliário, nem sempre é fácil escrever títulos interessantes porém honestos. Como devo intitular esta matéria? A tentação seria dizer algo como “a TV informa melhor do que o jornal”, mas isso seria cair no próprio pecado que acuso.

Título em inglês é lead. E mislead significa despistar, levar a engano e erro. Se esta matéria estivesse sendo escrita em inglês, teríamos um bom título em Misleading leads. E seria matéria publicável em jornais ingleses e americanos, porque títulos enganosos não são privilégio nosso. Títulos enganosos… aí está um, suficientemente honesto e apropriado. Não tem verbo, não forma sentença nem fecha um conceito. A fórmula para conceber títulos que não despistem pode ser essa, mas a circulação do jornal que a adotar pode cair.