Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Tudo vai bem no reino dos negócios

A NOVELA JB-GAZETA

Fred Ghedini (*)

Nota oficial do presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo sobre o anúncio de primeira página publicado no Jornal do Brasil de quinta-feira, 4/12/03, dada no sítio do sindicato <www.sjsp.org.br> no dia seguinte; título e intertítulos da redação do OI


Em um anúncio de primeira página no Jornal do Brasil de ontem [4/12], o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil ? leia-se Nelson Tanure e Luiz Fernando Levy, respectivamente ?, comunicaram ao Brasil e ao mundo que vai tudo bem no reino dos seus negócios, “a despeito do reprovável comportamento do presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo”.

Ora, há coisas que são mesmo lamentáveis neste nosso Brasil. Veja-se o caso de alguém que há anos lesa os direitos dos trabalhadores, como ocorre com Luiz Fernando Ferreira Levy, que desconta dinheiro dos seus empregados e não recolhe aos cofres públicos, entre outros crimes. Em vez de ter seu comportamento reprovado, tal senhor continua sendo prestigiado como “Presidente do Conselho Editorial, como guardião da marca e de seu projeto de jornal”, neste contrato de licenciamento de uso da marca Gazeta Mercantil. De nossa parte, para pessoas que cometem tais agressões às leis e aos direitos de terceiros, esperamos que haja um local mais apropriado do que a Presidência do Conselho Editorial do “quinto maior jornal econômico do Ocidente” (conforme diz o anúncio).

Quanto ao licenciamento da marca, como esta encontra-se retida pela Justiça do Trabalho em garantia ao pagamento de 8 a 10 salários de jornalistas, administrativos e publicitários da Gazeta Mercantil entre 2001 e 2002, além do Fundo de Garantia não depositado e outros direitos, vamos acompanhar os próximos desenvolvimentos para saber o que acontecerá.
Sobre o senhor Nelson Tanure, conheço-o pouco. Em todas as vezes que estivemos juntos ? umas três ou quatro, eu sempre no meu papel de representante dos interesses dos jornalistas, buscando garantir que os trabalhadores recebessem o que lhes é de direito ? o tratamento foi respeitoso.

Salários atrasados

Sei que ele não preza a CLT. Declarou isso em todas as ocasiões em que estivemos juntos. E não é apenas uma questão declaratória. Nelson Tanure contratou a quase totalidade dos jornalistas do Jornal do Brasil como pessoas jurídicas, numa clara afronta à legislação trabalhista e fiscal. Mas, para isso, há a Justiça e a ela recorreremos, neste e em outros casos em que houver a agressão aos direitos dos trabalhadores.

No que diz respeito às negociações para a aquisição da Gazeta Mercantil, o problema que percebo é o seguinte: na tentativa de fechar um negócio mais favorável aos seus interesses, o empresário coloca na alça da mira justamente os direitos dos empregados. Todas as tentativas são feitas no sentido de reduzir os valores pagos. Um exemplo: foram “demitidos” os mais de 600 empregados da Gazeta Mercantil, numa combinação entre as duas empresas. Desses, cerca de 180 administrativos não seriam aproveitados na empresa de Tanure. Quanto aos que seriam reaproveitados, haveria uma negociação envolvendo o chamado “passivão”, que inclui os salários atrasados e o Fundo de Garantia, entre outras verbas. Mas, quanto aos demais trabalhadores, deveriam procurar seus direitos na Justiça do Trabalho.

Não é à toa que o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, no julgamento do último dia 26, tornou nulas as demissões, pois para se demitir um empregado ? qualquer patrão sabe disso ?, devem ser pagas as verbas rescisórias. Agora, o Tribunal também concedeu três meses de estabilidade para os empregados.

É tempo mais do que suficiente para que se resolva esse imbróglio de tal forma que Tanure tenha a Gazeta Mercantil e que os trabalhadores continuem fazendo o jornal e tocando suas vidas. Basta que sejam pagos os seus direitos. Pode-se discutir um parcelamento para os atrasados, evidentemente, desde que seja algo razoável. Mas, os salários atuais, esses têm que ser pagos (hoje, acaba de vencer o de novembro, além do já vencido de outubro e da primeira parcela do 13?).

Obrigação de honra

A empresa, numa manobra para tentar descaracterizar o vínculo da sucessão, diz que está pagando “adiantado” o salário de dezembro. Besteira. Os trabalhadores estão em prédio alugado pelo JB, recebendo com cheques do JB e os contratos entre as duas empresas já são de conhecimento público. E o TRT-SP mandou pagar os salários de outubro em diante, as parcelas do acordo feito em 11 de setembro (o “passivinho”) e está penhorando todos os bens das empresas envolvidas, bem como de seus sócios, para garantir tais pagamentos. A quem vai se pretender enganar?

Boa parte de toda essa confusão que envolve hoje a Gazeta Mercantil poderia ter sido resolvida caso, em 2001, o então presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto, não tivesse suspendido a estabilidade dada aos trabalhadores pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Aquela decisão prejudicou demais os trabalhadores da Gazeta Mercantil quando, em 2001, permitiu que a empresa demitisse os grevistas com requintes de crueldade (demissões por justa causa, depois revertidas para demissões normais). Foi um episódio típico em que a vítima paga no lugar do criminoso. Agora, o ex-ministro trabalha para Nelson Tanure.

Depois de tantos percalços, em meio ao desespero que é trabalhar e não receber, a sentença do TRT-SP sobre o dissídio de greve no último dia 26 reforçou a confiança dos empregados da Gazeta Mercantil na Justiça do Trabalho. E os trabalhadores estão confiantes que os atuais ministros do TST não vão permitir que o poder econômico faça dos trabalhadores as vítimas pois o movimento de estado de greve que ocorre na Gazeta Mercantil, com assembléias quase que diariamente, nada mais é do que a justa luta para receber aqueles direitos líquidos e certos que todo empregador é obrigado a honrar. Como o salário.
Por tudo o que aconteceu, por ter agido sempre para preservar o interesse dos trabalhadores da Gazeta Mercantil, por não ter em momento algum destratado o senhor Nelson Tanure ou seus prepostos nas negociações, ou descumprido qualquer compromisso assumido, não vejo em quê meu comportamento possa ser tido como “reprovável”. Certamente teremos tal esclarecimento por parte do senhor Nelson Tanure, publicado em igual espaço e destaque ocupado pelo anúncio do Jornal do Brasil de 4 de dezembro. São Paulo, 5 de dezembro de 2003.


(*) Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo