Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

TV é o que se vende

Rosemary Bars (*)

 

Q

uem não passou uma tarde em casa, ou por estar com uma gripe danada ou por não ter com quem deixar os filhos pequenos, e acabou ligando a televisão para se distrair um pouco? Que decepção… Quem quer ver tevê à tarde tem antes que olhar o saldo bancário. Caso contrário pode se sentir um verdadeiro "ET", completamente fora do mundo criado pela mídia eletrônica.

Não há um só programa que possa ser traduzido por diversão. Todos eles fazem algum tipo de promoção. Vendem de tudo um pouco: remédios para emagrecer (claro, todos naturais); cremes para reduzir celulite; comprimido para evitar câncer de próstata (também sem contra-indicação ? a não ser o preço); uma fórmula revolucionária para evitar queda de cabelo; outra para fortalecer os ossos (não são os do Barão, não); há desfile de moda e, junto, os endereços da butique, do figurinista, da costureira…

Tudo isso sem contar os tais slogans "ligue já, não perca essa oportunidade", com o tom de voz apelativo de quem apresenta o programa, suplicando para que a compra seja feita.

A conclusão imediata que se pode tirar desse panorama é que o consumidor brasileiro está perdido. Se ele comprar tudo o que a tevê quer que ele compre, adeus supermercado, feira, escola, livros, cinema… A não ser que seja dono de uma gorda conta bancária, perfil de quem provavelmente não assiste tevê à tarde, mas realmente se diverte no clube ou passeando em lugares agradáveis. Ou então, paga uma assinatura de tevê a cabo e pode se libertar do fantasma que assombra a caixa mágica que emite som e imagem com a concessão do governo federal.

Parece até bruxaria, se analisarmos o poder de sedução que os programas criam para envolver o telespectador. Mas quem é ele? A princípio, donas de casa e adolescentes. Talvez nesse universo estejam ainda alguns das centenas de desempregados que, cansados de bater de porta em porta, ligam a tevê. Devem ficar mais cansados e aborrecidos…

Esse cenário institucionalizado pela televisão brasileira vem ao encontro da discussão sobre a qualidade dos programas produzidos, que, na visão de muitos, atravessou a fronteira do mal e fere os princípios da moral e dos bons costumes. Não pretendo entrar nesse debate, mas dizer que qualidade também pode ser traduzida por bom senso.

Não é possível que não exista outra fonte a ser explorada pelos produtores de tevê! Está existindo, na minha opinião, uma confusão entre propaganda e programação normal. A imagem do apresentador camufla a imagem do vendedor. Um vendedor de luxo.

Não descarto a necessidade de encontrar receita para custear todas as despesas com a produção de um determinado programa, mas será que é preciso apelar para o "ligue já" o tempo todo? Será que o espaço deixado para as propagandas não pode ser melhor explorado pelo profissional? Será que os programas da tarde não podem levar um pouco mais de distração para quem está em casa, sozinho?

No embate para conseguir liderar os cálculos do Ibope entrou em cena o vale tudo (sem querer plagiar a Globo). Vide Silvio Santos, que sacou sua arma antes de qualquer um e colocou no ar uma nova Fantasia, com mulheres exibindo corpos, fazendo mil sinais com as mãos, com as sobrancelhas, com a boca, mexendo o cabelo…

Neste mundo, o desejo de ganhar um dinheirinho atrai centenas de pessoas, que ligam… ligam… ligam… O feeling do idealizador dessa ilha paradisíaca (que não é Fernando de Noronha) é a surpresa do momento: o telespectador não tem que gastar R$ 3,00 com a ligação, como ocorre nos demais canais. Em compensação, corre o risco de ser mal interpretado por um conhecido quando erra a pergunta, que tem uma resposta idiota. São as "charadas do Silvio", menos espertas do que o "Charada do Batman".

O jeito é o telespectador/consumidor ficar em estado de alerta, ler um livro ou uma revista. Como? Não tem dinheiro para comprar livro? Bom, então não ligue a tevê…

 

(*) Jornalista e mestranda em Comunicação Social na Umesp (Universidade Metodista de São Paulo).