Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

TVs universitárias no ar: para que servem?

TELEJORNALISMO


A televisão e a comunidade acadêmica sempre tiveram uma relação considerada, pelo menos, "delicada". Uma convivência difícil entre a realidade da produção do principal meio de comunicação de massa do país e a reflexão crítica dessa mesma prática televisiva.

Unidas pela lei federal de 95 que criou as tvs a cabo, essas duas poderosas instituições nacionais deram origem às TVs universitárias brasileiras. No ar desde 97, continuam a ser mais uma "promessa", entre tantas outras, de uma alternativa criativa e inteligente para a nossa televisão. As justificativas para um desempenho tão limitado estão sempre ligadas à falta de recursos e de apoio institucional além das restrições legais para uma comercialização publicitária mais efetiva. Afinal, a mesma lei que instituiu essas televisões comunitárias não teria garantido a sua necessária viabilidade técnica e econômica. Tantos as concessionárias de TVs a cabo, que não foram obrigadas a garantir os recursos operacionais e financeiros para essas televisões comunitárias, quanto as próprias instituições de ensino superior, que também não estariam apoiando de uma forma adequada, seriam igualmente responsáveis pelo não cumprimento dessa "promessa". Uma promessa tão importante para inúmeros professores e principalmente estudantes que lutaram durante tanto tempo por um veículo poderoso para a democratização dos meios de comunicação em nosso país. Uma expectativa enorme de se unir o espírito crítico das universidades ao poderio comunicacional da televisão.

No entanto, apesar de um discurso elaborado, o verdadeiro resultado dessa luta é hoje, uma grande vitrine de marketing institucional, interesses pessoais e um desfile incessante de muita, muita "bobagem". Falta de recursos não pode ser, eternamente, a justificativa comum para uma televisão tão conservadora, repetidora de modelos estabelecidos, não experimental e, principalmente, tão pouco criativa. Apesar dos seus inúmeros defeitos e qualidades, é a velha MTV que continua sendo um verdadeiro celeiro de novos talentos e de idéias para a televisão. Ao contrário da experiência universitária, a MTV é uma televisão que conhece e define bem os seus objetivos e o seu público-alvo. Por outro lado, a maioria dos programas das televisões universitárias insiste numa participação secundária dos seus principais interessados: os professores e estudantes que, em contrapartida, recusam o papel de "meros figurantes".

Mas, antes de tudo, devemos pensar sobre algumas questões importantes. O que são mesmo essas televisões universitárias? Para quem são produzidos tantos programas, por tantas instituições, durante quase 5 anos? Quem assiste a esses programas? A comunidade universitária teria um acesso livre e democrático a essas televisões? Ou será que são meramente televisões institucionais dirigidas e voltadas para os interesses das reitorias de instituições tanto públicas como privadas? Quem produz essa programação? Quais os verdadeiros objetivos e critérios para uma participação múltipla e efetiva nesses canais? Quanto custa às universidades brasileiras a criação de mais essa opção na programação televisiva? Em verdade, poderíamos resumir tantas perguntas a uma só questão: "Afinal, para que servem as televisões universitárias?" Ou será que, infelizmente, só cabe mesmo à comunidade acadêmica o papel de criticar e demandar mais qualidade da televisão brasileira, ao invés de tentar mudar essa realidade e produzir regularmente uma boa programação televisiva dentro de um quadro econômico e político adverso?

Antes de tudo, podemos tentar conduzir uma simples pesquisa de recepção em TV baseada no exemplo de um grande e persistente jornalista, Millôr Fernandes. Ele também resolveu ler e "resistir", com muito humor, a uma obra completa do nosso presidente FHC, conforme relato em artigo recente publicado no Jornal do Brasil. Dessa forma, por que não tentar assistir a um dia inteiro de programação de uma televisão universitária para avaliar o seu conteúdo? Assim como Millôr conseguiu "resistir" a tantas páginas, poderíamos tentar "assistir" a todos os programas de um dia inteiro de um canal universitário. Não é uma tarefa fácil, diria mesmo, quase impossível! E o resultado é altamente previsível. É tudo muito, muito chato! Principalmente, para quem, apesar de conviver há muitos anos com as idiossincrasias e peculiaridades do meio universitário, também produza, pesquise e, valha-me Deus, confesse que ainda gosta de televisão! Somente mesmo por dever profissional de um observador da imprensa ou pesquisador de televisão.

Por outro lado, imagine o mesmo "desafio" para um simples jovem estudante, ainda curioso e esperançoso, buscando entre tantas opções de programas televisivos, alternativas diferenciadas e criativas à mesmice habitual! Ao encontrar a maioria das TVs universitárias ele veria uma programação ainda muito próxima dos primórdios do próprio meio, ou seja, um "quase rádio" com poucas imagens estáticas, enquadramentos formais, muita gente falando, falando, falando… O pior de tudo, é muita gente falando como se a televisão ainda não tivesse sido inventada. Longos discursos, com uma linguagem visual incompatível com as características do meio e com pouquíssimos recursos de imagem e ilustração gráfica. Numa época de zapping frenético, e de linguagens cinematográficas digitais que transitam entre dogmas, MTV e internet, as televisões universitárias, no entanto, parecem preferir uma "volta bem comportada ao passado". Uma arqueologia saudosista do próprio meio onde o verdadeiro objetivo é falar para si próprio. Não importa que ninguém esteja assistindo ou entendendo. O importante é fazer televisão! Uma televisão que nega suas próprias características. Tudo parece ser sempre tão ensaiado e, previsível. Tudo é pré-gravado, nada jamais pode ser improvisado ou "ao vivo". Não por falta de recursos técnicos ou econômicos. Alguns orçamentos de núcleos de produção televisiva de instituições públicas e privadas são verdadeiramente milionários para padrões de projetos universitários. Mas em verdade, uma televisão pré-gravada pode ser pouco "criativa" mas é sempre mais segura e controlável. Para os produtores e controladores das TVs universitárias, o risco de incomodar não pode ser jamais maior do que o risco de ser "percebida".

Por outro lado, o espaço das televisões universitárias, tão arduamente conquistado, não seria o lugar apropriado para uma crítica política e social, por mais sutil e tímida que fosse? E o que aconteceria se essa crítica se voltasse às próprias instituições de ensino e às políticas educacionais vigentes? Em realidade, o que temos assistido é uma televisão universitária que não só não critica mas que, infelizmente também não ensina, não pesquisa e não experimenta, mas que sem dúvida custa caro e se auto promove bastante.

É também compreensível que, para surpresa de tantos profissionais e professores de Jornalismo, ainda não haja lugar para um verdadeiro telejornalismo nas televisões universitárias. Afinal, qual deveria ser o tipo e o papel do telejornalismo dentro dessas TVs universitárias? Seria mais um mau exemplo, tão comum em nosso país, de jornalismo chapa-branca? Já se imaginou o perigo de tentar pautar um verdadeiro telejornal, responsável e participante, dentro de uma televisão universitária? Uma televisão que congrega no mesmo espaço comum diversas instituições tão diferenciadas, com interesses, objetivos e prioridades totalmente incompatíveis. TVs universitárias que incluem até mesmo instituições participantes que não são sequer "universidades"?

Assim como tantas outras televisões públicas e comunitárias, as televisões universitárias seguem sendo mais uma "promessa". Principalmente, pela falta de uma estratégia realista dos seus verdadeiros objetivos. Não são laboratórios, projetos experimentais ou de pesquisa e imitam mal o modelo vigente. Certamente não possuem uma proposta educacional voltada para a atividade dos professores e alunos em sala de aula ou em pesquisa. Não são críticas de nada porque não têm uma identidade ou uma estratégia política comum. Até mesmo, enquanto proposta institucional das reitorias e dos seus núcleos independentes de produção, apoiados, muitas vezes, por equipamentos caros e sofisticados e por profissionais contratados a peso de ouro no mercado profissional, continuam sendo, simplesmente, mais um recurso de "marketing educacional" ou "mera aventura televisiva".

O convívio de instituições públicas e privadas no mesmo espaço das televisões universitárias pode ser uma bela idéia, mas como tantas outras "utopias comunicacionais" pode também se tornar uma grande frustração. O verdadeiro caminho para a melhoria do projeto das televisões universitárias passa hoje, pelo fortalecimento das próprias televisões dentro das universidades. Experimentar novas linguagens e pesquisar novas técnicas significa ousar e até mesmo a possibilidade de errar mas procurando sempre criar e inovar, uma função primordial da instituição universitária!

A busca de uma identidade comum para as televisões universitárias que ainda congregam instituições tão diferenciadas se tornou uma verdadeira "camisa de força" que restringe qualquer exercício de criatividade e inovação. Após quase cinco anos no ar e muitos, muitos milhões de preciosos dólares gastos pelas universidades, a falta de uma proposta clara e de uma programação experimental e criativa, garantem às TVs universitárias uma participação social e política insignificantes no cenário nacional.

Enquanto não conseguirmos definir, verdadeiramente, o que são e para que servem, as televisões universitárias brasileiras correm o risco de continuar ignoradas pelo grande público, pela crítica especializada e pelo mercado profissional. Uma janela fechada para o mundo. Mas, o que é ainda pior, as TVs universitárias correm o risco de continuar ignoradas pelo seu maior acervo e principal público-alvo: os próprios estudantes e professores.

(*) Jornalista de televisão, coordenador do curso de Comunicação Social da Unicarioca e professor de Telejornalismo da Uerj

    
    
                     

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