Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um antivírus brasileiro

IMPRENSA

Cláudio Weber Abramo

A julgar apenas pelo que se observa na vida pública, o Brasil já deveria ter passado desta para melhor há tempos. Isso pode acontecer de várias formas a um país, como o desaparecimento físico por catástrofes naturais, a dissolução e subdivisão, a absorção por outros. No nosso caso, o que já se tentou fazer por aqui justificaria vaticínios combinando esses três destinos: uma parte submersa e o resto dividido entre Bolívia, Colômbia e Paraguai. Deixo a Argentina de lado porque já teria sido, antes, incorporada ao Chile.

O que mantém as nações íntegras é um conjunto de estruturas institucionais e para-institucionais. Entre estas últimas está, naturalmente, a imprensa. No Brasil, as instituições cambaleiam, entrechocam-se, funcionam de forma antitética com o que se deveria esperar, sendo o mais comum que trabalhem valentemente contra os interesses da coletividade (a não serem confundidos com "os interesses nacionais", conjunto de abstrações que vive quase exclusivamente no discurso).

Veja-se, por exemplo, o funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Creio que existe pouca coisa mais grotesca do que deputados e senadores, muitos semi-alfabetizados, tomarem a palavra para discursar sobre diferentes temas e, apenas de forma ocasional, dirigirem ao depoente, com alguma espécie de coerência e inteligibilidade, uma ou outra inquirição. Imitando a imprensa, deputados e senadores jamais fazem a segunda pergunta. Salta-se de imediato a um novo assunto. Numa CPI, vê-se muito bem como funciona a mente brasileira – um caos.

Entre as estruturas para-institucionais, a imprensa é possivelmente a mais importante. E como se comporta a imprensa brasileira? A resposta, todos conhecemos: a imprensa média não noticia direito, erra todo o tempo, distorce, simplifica, age em benefício político e econômico de alguns e em detrimento explícito de outros. Na grande imprensa isso é menos aparente (mas às vezes aparece), mas na imprensa regional parece ser muito mais a regra do que a exceção.

Matérias de qualidade

Como é, então, que não sumimos do mapa? Como é que o sujeito dos fundões do Brasil, cuja informação vem exclusivamente do Jornal Nacional, da Rede Globo, apreende alguma coisa e, pelas insondáveis vias indiretas da política, transmite suas expectativas àqueles que o representam nos parlamentos e palácios? Há algo a mais operando por aí. Um antivírus, talvez, um organismozinho que aparece na hora certa e impede o pior.

Tome-se, por exemplo, Collor de Mello. Collor foi, efetivamente, impedido, perdeu o cargo. Contudo, não porque tivesse havido provas contra ele. Não porque se tivessem conseguido depoimentos ou evidências materiais de ladroagem. Num outro país, ele teria sido absolvido das acusações. No Brasil, felizmente, foi condenado. Mas por quê, precisamente? Neste caso, aquele sujeito dos cafundós, que só vê o Jornal Nacional, sequer tinha informação sobre o que acontecia. O antivírus, de novo.

Outro exemplo, este menos conhecido. Durante um bom período de tempo, o Ministério da Administração e Reforma do Estado, hoje extinto, foi dirigido por Luis Carlos Bresser Pereira. Bresser tentou todo o tempo aplicar à administração federal parte da doutrina do New Public Management, a qual, no frigir dos ovos, confere ao funcionário público poderes discricionários muito amplos – um perigo extraordinário, no Brasil. A imprensa sequer acompanhou os lances. Apesar disso, Bresser virou, mexeu, tentou, apresentou propostas de alteração de leis e nada conseguiu. Por que isso? Dada a inércia geral, o esperado seria que suas reformas fossem implantadas e que, como conseqüência, Brasília tivesse sido engolida pela hiléia amazônica. Não aconteceu assim. Mais uma vez o antivírus?

No que tange a imprensa em si, o antivírus brasileiro mostra-se a cada vez que, entre a cobertura exaustiva do acidente de ultraleve de um cantor e perorações sobre o buzanfã de coristas e socialites, aparecem matérias de grande qualidade. Como, por exemplo, a série sobre o Judiciário que deu a Chico Otávio, Rubens Valente e Vannildo Mendes, de O Globo, o grande prêmio Cláudio Abramo de Jornalismo de 2000, promovido pela revista Jornal dos Jornais.

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