Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um crítico para os críticos

Nahum Sirotsky

 

F

isicamente muito distante, acho que leio o OBSERVATÓRIO antes de todos aí. Levo a vantagem do horário. No momento, por exemplo, estou quatro horas na frente. Leio jornais brasileiros, revistas etc. pela net, enquanto quase todos ainda não acordaram. Leio o OBSERVATÓRIO com atenção tanto por razões profissionais como pessoais. Alberto Dines e eu temos uma amizade de décadas. Tornei-me seu fã quando, antes dos 20 anos de idade, fez uma matéria de capa para a revista Visão, então, um quinzenário de qualidade, sobre o Rio Grande do Sul. Não creio que se tenha repetido em qualidade o que ele fez então.

Além do mais, estou na profissão por paixão. Para se ficar rico o caminho é bem outro. O OBSERVATÓRIO presta admirável serviço. É fundamental que o jornalista não se considere acima do bem e do mal por causa de uma carteirinha de identidade. É essencial que ele seja o primeiro a ter consciência de que deve permanecer estudante a vida inteira, empenhado em aguçar a curiosidade e a tentar satisfazê-la, nunca esquecendo que jamais poderá ser inteiramente satisfeita. Todo e qualquer fato tem inúmeras dimensões. Até hoje não conheci ninguém capaz de vê-las todas ao mesmo tempo, chegar à verdade verdadeira e transmiti-la como é. O velho e sábio ditado popular que diz que “quem conta um conto aumenta um ponto” sintetiza a inevitabilidade da participação do observador no observado. Até em física se descobriu que é assim: que na hora em que se vê o que se viu já não é mais.

A tendência do veículo de se colocar como dono da verdade, e de o profissional considerar que tem esse poder e abusar dele é mais que natural. Poder corrompe mesmo. Então, bater na tecla de que jornalismo é serviço publico é um serviço ao publico e ao profissional. O OBSERVATÓRIO faz isto muito bem. Não existem muitos veículos desse tipo no mundo.

Mas, com a vantagem da distância, faço uma descoberta que encaminho para discussão e consideração. Somos um veículo que está se colocando acima dos demais sem que sejamos submetidos a critica. É necessário, no meu modo de ver, que o próprio OBSERVATÓRIO seja submetido a uma critica que, por definição, e em vista da missão do veiculo – de ser crítica de veículos -, tem de ser a mais rigorosa possível.

Não é questão de se bater no peito em inúteis mea culpas, mas de enfatizar a obrigação de que deve se aperfeiçoar cada vez mais nas técnicas e linguagens compatíveis com o que se propõe e com a media que utiliza. Autocritica não é tarefa fácil, porém, é essencial para se minimizar riscos de ser espelho do que se analisa, de transformar a livre expressão num desperdício da liberdade, de se ignorar que toda a media exige sua própria linguagem em constante atualização.

Sei dos objetivos do Dines. E da paixão dele pela profissão. Do desejo dos colegas de que sua prática seja realização. E os veículos correspondam a essas e outras expectativas.

E daí resultam perigosas frustrações, pois o que se imagina é imaginado e não existe nem existirá jamais num contexto em que participam outros muitos indivíduos e fatores. Nenhum de nós é a única voz na floresta.

Mas, voltando, diria que é mesmo fundamental que se faça a crítica do crítico, na substância como na forma, e que essa crítica seja divulgada junto com o OBSERVATÓRIO, para que fique bem demonstrada a preocupação em ser profissional e “fair”, palavra cujo equivalente em português não conheço, o mais próximo seria “justo e razoável”.

“Fair” na crítica aos outros, assegurada pela vigilância a que nos submetemos. Realismo possível quanto à qualidade do nosso trabalho. Por exemplo – e confesso que não tenho as respostas -, sinto que o OBSERVATÓRIO ou está muito longo ou o que se escreve é no estilo do impresso, ou talvez seja questão de paginação e melhor distribuição das matérias. E que contém muitas críticas sem a sugestão de alternativas. Falta um esforço consciente de se chegar a uma linguagem compatível com a media, com a net. E completo com um “talvez” para tais observações.

Porém, não para a proposta de que comecemos a crítica dentro de casa, do OBSERVATÓRIO, da qualidade do trabalho profissional de cada um de nós nos veículos onde trabalhemos e no que escrevemos no OBSERVATÓRIO. Está na hora de assumir a absoluta necessidade de sermos cada vez melhores pela critica de outros ou autocrítica.

 


Alberto Dines

 

N

a minha opinião, a estrutura do O.I. dispensa o ombudsman – argh, vamos falar em ouvidor? -, porque o O.I. foi concebido na rede para ficar aberto a todos. Se os jornais publicassem todas as críticas que recebem não precisariam de ouvidores (ombudsman, argh!). O OBSERVATÓRIO publica todas as críticas que recebe. Submeter uma estrutura concebida para ser plural e pluralista (pelo menos é o que desejamos) ao escrutínio de alguém, singular, não faz muito sentido. E quem seria esse alguém – Deus?

O que o O.I. precisa sim, e muito, é aumentar a massa crítica dos críticos. Quanto mais gente meter a colher no mingau, mais saboroso ficará. Acho que estamos no bom caminho: o número de observadores aumenta a cada edição. Temos dentro do O.I. o princípio de “checks & balances” – poder & contra-poder – embutido na democracia representativa. Por sermos abertos e interativos.

O debate está aberto.

 


Marinilda Carvalho

 

D

iante do convite de Alberto Dines, me apresento ao debate.

A grande sacada do artigo de Nahum Sirotsky não é a certeza sobre a necessidade do ombudsman – argh, vamos chamar de ouvidor? :-))). É a dúvida sobre o formato do O.I..

Diz ele: “Por exemplo – e confesso que não tenho as respostas -, sinto que o OBSERVATÓRIO ou está muito longo ou o que se escreve é no estilo do impresso, ou talvez seja questão de paginação e melhor distribuição das matérias.”

Vou especular sobre as possíveis respostas. Em paginação e distribuição de matérias, não creio que haja reparos. Dado o volume de material, é um milagre que a diagramação deste site seja tão movimentada, mantendo um tipo de sobriedade que podemos chamar de chique.

Mas o “muito longo” tem tudo a ver. Sentenças, parágrafos, artigos, tudo é muito longo. Escrevemos demais, no “estilo do impresso”, como diz Nahum.

Por mais que esta mídia enjaulada numa tela brilhante seja nova, sabe-se que textos curtos são os mais recomendáveis – devido a razões de conforto visual, de economia do tempo de conexão e da conta telefônica. E principalmente como estratégia para prender a atenção do leitor. Pesquisas demonstram que (xi, olha a pesquisite!), com raras exceções, o internauta perde o interesse pela leitura a partir da terceira tela.

Sim, porque nesta mídia não se julga o tamanho do texto pelo número de laudas – mas de telas! Três telas são o limite da atenção. A partir daí o leitor já começa a teclar Page Down (ou Página Abaixo) para ver onde está o final. Querem testar????

Outra observação: a leitura em tela pede movimento na estrutura do texto. Assim, frases curtas e parágrafos pequenos (o estilo da Folha seria perfeito – se valesse apenas para a web!!!!) permitem que os olhos “respirem”.

E mais: se na mídia impressa pontos de exclamação, por exemplo, são deploráveis, na tela do computador quebram a monotonia, e sacodem a atenção do leitor. Vale o mesmo para os sinais que transmitem emoção – os emoticons -, como :-))) ou :-(((, perfeitamente usáveis nos textos da Internet (bem, não vejo Chomsky ou Eco aplicando carinhas sorridentes e tristonhas em seus textos para a web… mas diz-se que a facilidade de traduzir as emoções pelos sinais do teclado é que tem mantido milhões de seres humanos presos à tela do computador. Não sou eu que vou negar!).

Portanto, dou razão ao Nahum. Com uma ressalva: temos de considerar que este site é o do O.I.: leitores e colaboradores do OBSERVATÓRIO, no mínimo, gostam de ler. E muito! Estou sabendo até que muitos leitores ainda têm o hábito de salvar em disco e imprimir os textos para lê-los em papel!!!! >:-))) O que posso dizer? Boa leitura?

Bem, esta é minha opinião sobre a opinião do Nahum. Tenho outras. Mas preciso terminar, porque já estou na terceira tela!!!

 


Alfredo Leão (*)

 

O

Brasil poderia ser dividido por adjetivos. Corruptos, ladrões, sacripantas, ignorantes, analfabetos, semi-analfabetos, débeis mentais e honestos. Por que de vir por último? É exatamente assim a relação natural. Uma avalanche em números monstruosos contra poucos, tire-se desses poucos os que não fazem porque a religião não permite e peça aos convictos que levantem a mão. Este seria um quadro absolutamente fiel à realidade que os mandantes deste Brasil nos impuseram. Com a mão lá em cima, luminosa, Aloysio Biondi.

E Caros Amigos reconheceu. Deu o valor devido a um jornalista que em qualquer país sério do planeta seria louvado aos céus. Uma imprensa que mantém à margem um homem como Biondi é, incontestavelmente, uma via de acesso à informação canhestra. Somos amigos e, por isto, suspeito sou mas não sou burro. Acompanho amiúde a carreira deste velho lobo. A coerência do seu trabalho só pode se pautar pela verdade, pela pesquisa, pelas horas e horas de labuta em cima de jornais.

Inteligente e culto, ele é brilhante nas análises de textos jornalísticos. Das pilhas, literalmente, de folhas standard amareladas que coleciona por onde anda, vêm as idéias dos que escrevem, as tritura, mói devagar naquele jeitão de sessentão, até lembra um pouco o Verissimo, e solta a voz de barítono, algum comentário auspicioso, com certeza, riso certo. Por isto também é muito bom conviver com o Biondi, todos os colegas falam, todos enriquecem, aprendem a pinçar o que há de importante num texto, a fazer um lead corretamente, a ler as entrelinhas. A maioria das revistas desta nação comandada por sílabas deveria copiar a Caros Amigos. Os nossos baluartes estão envelhecendo, nós com eles. E não se querem homenagens idiotas, apenas reconhecimento ao trabalho de um sujeito ético, honesto, trabalhador, cumpridor dos deveres, e o seu espaço restituído. Um homem que foi diretor de Visão mantendo-se incólume em pleno regime de exceção merece respeito, tem o que contar aos jovens cidadãos brasileiros sobre a realidade econômica e política de todos nós, os pagadores de promessas – dos outros.

Um homem que sabe o diáfano limite entre a verdade e a vida e tem respeito pelo seu bem maior: a sua profissão, o seu nome, diz com todas as letras “O Brasil já quebrou em maio”. Explica em bom português (um dos temas da matéria é o economês) que “de julho a setembro, o governo (brasileiro) tinha de rolar 105 bilhões da dívida interna. E da dívida externa também você sabia mais ou menos quanto tinha de rolar, de 40 a 50”. Não é fala do Lula, ninguém do PT. É de um estudioso em economia, um profissional que carrega um currículo exemplar e é colunista do jornal Folha de S. Paulo, tido por muitos como o melhor do país. É uma denúncia por demais grave. Ninguém apura. Ninguém joga o baixinho desaforado contra a parede e o faz contar os segredos e publica, porque se entrar naquela “seria um desastre para o país” significa apenas compactuar com a miséria, a pobreza, as mortes de milhões de pessoas anualmente, semanalmente, diariamente. Nos interiores deste Nordeste tão duro quanto a dor de uma mãe à frente do cadáver do filho, o número de crianças mortas antes de completar 1 ano de vida não passa de dados estatísticos, ninguém faz nada.

Quando Biondi berra, seus ecos entrecortados por lâminas afiadas de censura prévia (do leitor) chegam aos ouvidos de poucos soando como alarme: mais gente morrerá nos meses futuros, mais analfabetos sairão de faculdades de ponta de rua, mais canalhas são produzidos a cada instante. A ética se esvai num ralo sujo qualquer. Já não nos toca a dor, lembra-me os grandes sociólogos da escola da Frankfurt, a naturalização da violência.

É-me inexplicável a cortina de fumaça tornando invisível uma realidade tão nítida. Ouvi há pouco em tom de troça: “Saiu na Gazeta de Alagoas que Maceió tem oito ratos por habitantes”. “Então”, continuou, “tem alguma casa por aí com 16, porque lá na minha não tem nenhum”. É um resumo triste. O ser humano sempre foi exclusivista, principalmente no tocante a bens materiais, mas anda de forma tal que não dá para segurar. A continuar assim é melhor arrumar uma forma de genocídio, mandar matar legalmente, para exterminar alguns milhões de cidadãos que morrem lentamente a cada dia.

É uma crueldade, ouça-me, preste atenção no som desta palavra, crueldade. A ignorância que mata impera no Nordeste, no Norte, no Centro-Oeste brasileiros em maior proporção. Quando um jornalista de economia bem-intencionado, que não tem jabá na vida pregressa, fica fora do mercado, sua voz é, mesmo temporariamente, retirada dos veículos de comunicação, perde-se a oportunidade de ouvir, ver, enxergar as causas condutoras a tudo que faz de qualquer javali menos troglodita uma chorosa donzela ao descobrir que jamais será deflorada por homens tão bonitos quanto os apolos das novelas das 6, das 7, das 7 e 15, das 8, das 8 e 30, das 9, fora os casos especiais, você decide entre uma besteira e outra (por que não fazem um plebiscito virtual sobre a aprovação à atuação do presidente Fernando Henrique Cardoso? “Porque as urnas falaram por todos nós”. Cascata das grossas, todos sabemos sobre voto de cabresto, compra de votos, deixa pra lá), e as sessões de cinema que mais parecem carnificinas.

Poucos Biondis existem, é mais um dos animais condenados à extinção. Não é necessário uma relação maniqueísta para entender a importância de tal figura. Somente calcular a importância de termos o contraponto, sabermos o outro lado, termos acesso a outras versões. Deixar só o governo, os empresários corruptos e os indignos aos cargos que ocupam brincarem não vale a pena, torna-se um jogo chato, só eles ganham, o tempo todo. Vamos brincar juntos. Tem duzentos canalhas no mercado, deixa uma fatia para os que pretendem fazer alguma coisa séria inclusive para os filhos dos canalhas, que tal?

(*) Jornalista