Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um encontro para ser esquecido

PATRIOTISMO COM O PIRES NA MÃO

Alberto Dines

O governo vangloriou-se do seu novo feito midiático: reuniu 32 grandes empresários dos meios de comunicação de todo o país e deles obteve a promessa de apoio total às reformas da Previdência e tributária.

Vanglória, vã glória: melhor se ficasse calado.

Quando um governo convoca a mídia é ruim para o governo. E quando ela comparece em bloco aos palácios do governo é péssimo para a mídia. Na luta pela boa imagem as duas partes ficaram muito mal.

Por muito menos ? quando Bush telefonou aos responsáveis pelas cadeias de TV durante a invasão do Afeganistão ? os observadores da imprensa espalharam pelos quatro cantos do mundo que a mídia americana fora cooptada para a empreitada patriótica.

A situação aqui torna-se ainda mais constrangedora quando se sabe que os guichês do governo continuam fechados e não se ignora a desesperadora situação financeira da totalidade das empresas de mídia no Brasil.

Como se sabe, a mídia está empenhada nas duas reformas há alguns anos por inúmeras razões ? inclusive o bom senso ?, mas, sobretudo, porque a mídia sempre esteve pendurada na Previdência. Raras são as empresas jornalísticas que pagam o FGTS recolhido dos empregados e a quota dos empregadores. As mais "independentes" em geral são as mais inadimplentes.

Este encontro entre o Poder Executivo e o Quarto Poder, teoricamente fiscalizador, tem o pernicioso efeito do tapinha nas costas: lembra cupinchada. Mesmo que o momento crucial em que nos encontramos exija uma parceria em todas as esferas e níveis, a imprensa tem um compromisso de isenção e eqüidistância.

É preciso não esquecer que existem setores da sociedade que discordam com veemência dos termos da proposta de reforma da Previdência. O beija-mão ocorrido em Brasília, na segunda-feira (5/5), pode ser entendido como um compromisso para isolar os descontentes. E uma imprensa que se preza, com um mínimo de auto-estima, não tem o direito de engajar-se numa cruzada e preterir seus opositores. A anunciada Era do Debate e da Negociação exige da imprensa uma disposição verdadeira para o contraditório ? o oposto do que pediu o presidente da República.

Apesar de saudado como marco da nova era de entendimento entre governo e mídia este foi um encontro para ser esquecido.