Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um ilustre desconhecido para o jornalista

RELAÇÕES PÚBLICAS

Boanerges Lopes (*)

A consolidação das atividades de assessoria de imprensa e de comunicação no Brasil é inquestionável. Nos últimos cinco anos, 23 dos maiores grupos empresariais aumentaram em até 70% seus investimentos na área de comunicação, segundo a revista Exame. Os dados do Guia Exame 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar mostram que, as organizações têm grande preocupação em manter um canal permanente de informação com seu pessoal. Um dos quesitos do ranking era "Clareza e abertura na comunicação interna". Apenas quatro entre as listadas não obtiveram a maior pontuação nesse item, as cinco estrelas.

O segmento de assessoria, em expansão, apresenta-se hoje como um dos principais blocos de referência para o exercício das práticas jornalísticas, ao lado dos meios impressos, da TV e à frente do rádio. Segundo o professor Gaudêncio Torquato, avançamos muito nas últimas décadas com o crescimento dos negócios, a abertura do universo de locução e com o fenômeno da globalização. Dados consolidados dão conta de que o faturamento das 10 maiores empresas de assessoria atingiu em 2001 o patamar de 500 milhões de reais, o triplo de 1997. Já há duas brasileiras entre as 12 maiores empresas do mundo no ramo. A Casa Branca ? sede oficial do governo americano ? gasta por ano 3,5 bilhões de dólares com estratégias de comunicação, sendo que 1,5 bilhão de dólares destinados ao relacionamento com os meios.

Imagem institucional

Apesar de perspectivas bem interessantes, ainda existem divergências por parte de alguns estudiosos do segmento de assessoria envolvendo suas origens e seu desenvolvimento. Também se sucedem problemas na utilização equivocada de determinadas ferramentas, que acabam superpostas por falta de conhecimento ou por procedimentos incorretos de alguns profissionais. Pesquisa denominada "Papel e atuação de jornalistas e relações-públicas em uma organização, segundo jornalistas", deixa claro que ainda existe muita desinformação por parte dos jornalistas sobre as atividades de relações públicas nas organizações. Realizada pelo jornalista Jorge Duarte e pela relações públicas Márcia Duarte, com 262 profissionais de imprensa em quatro capitais brasileiras, a partir de respostas prestadas em concursos públicos para núcleos de assessoria em estruturas governamentais federais, a pesquisa conclui que, para o jornalista, o relações públicas é um ilustre desconhecido.

O estudo demonstra que na opinião do jornalista o relações-públicas assume a tarefa vaga de "cuidar da imagem" e para isso utilizaria, particularmente, a promoção de eventos, entre outras ações não claramente especificadas, mas que permitem a visualização (e não visibilidade) da instituição. Trata-se de uma imagem externa, para "ser vista", para garantir a "boa aparência" e obter a "boa aceitação" da sociedade, do público consumidor, dos demais públicos de interesse.

Segundo Jorge Duarte, fica nítida a preocupação dos jornalistas em diferenciar o papel dos dois profissionais, enfatizando-se que jornalistas "cuidam da informação" e os relações-públicas "cuidam dos relacionamentos". Na opinião do autor da pesquisa, há convicção entre os jornalistas de que o papel do relações-públicas está mais vinculado à questão da criação e manutenção de uma imagem institucional, embora eles não saibam definir com maior rigor e precisão as tarefas do RP e suas formas de operacionalização.

Atribuições e responsabilidades

"Embora não fique claro como isto é feito, o relações-públicas é considerado ponte, elo entre a empresa e seus públicos, exceto a mídia. É quem realiza ações objetivando a interação da empresa com seus vários públicos, promovendo o ?bom relacionamento?, a harmonia, a mobilização e a cooperação entre todos, em prol da defesa dos interesses da instituição", destaca Duarte.

Na concepção dos autores fica evidente um outro problema na pesquisa: os textos não permitem identificar o reconhecimento de que a natureza do trabalho desenvolvido nas assessorias é diferente daquela adotada tradicionalmente pelo "jornalismo das redações", na qual neutralidade e independência são conceitos-chave. Ao revelar suas posições, os profissionais esboçam tentativas de explicar como o jornalista pode manter seu compromisso de servir ao público, de primar pela verdade e pela objetividade da informação, estando ao mesmo tempo servindo aos interesses de uma instituição à qual está subordinado e por cuja imagem é responsável. Mas não são muito bem-sucedidos pois, paradoxalmente, defendem o papel de compromisso com a informação, mas a partir e conforme as diretrizes da empresa e sua necessidade de manter uma imagem positiva. Fica claro para os pesquisadores, neste caso, um impasse não-resolvido e uma certa dificuldade em estabelecer sua própria identidade, resultado da crença no jornalismo autônomo, imparcial e crítico, mas submetido, pelas novas circunstâncias profissionais, à dependência e à parcialidade, características de seu agir nas organizações não-jornalísticas.

A ocupação desordenada das assessorias de comunicação nos últimos anos, uma legislação ultrapassada e de certa forma aberta a "interpretações dúbias", além de um processo de formação que ainda engatinha nas escolas de Comunicação estão entre outros fatores que provocam tantas confusões nos profissionais atuantes e naqueles que almejam ocupar espaços nas estruturas organizacionais. É preciso que se superem estes obstáculos para que tenhamos o reconhecimento definitivo de que cada uma das áreas que compõem a estrutura de comunicação das empresas reúne suas respectivas atribuições e responsabilidades e que administradas adequadamente evitam serviços improdutivos e desrespeito ético e técnico. E podem contribuir para que o empresariado de médio e pequeno porte ? base econômica do país ? e as autoridades governamentais se conscientizem da importância da comunicação em seus empreendimentos.

(*) Jornalista e professor da UFAL, autor de O que é assessoria de imprensa