Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um jornalista esquecido

GEORGE ORWELL

Sebastião Jorge (*)

O mundo parece assustado pela dimensão da mentira e da violência que cresce de modo preocupante. Não é para menos. George W. Bush e Tony Blair são acusados de mentir, movidos pelo interesse em atacar o Iraque. O primeiro, desprezando as críticas, cuida de uma reeleição; o segundo, questionado sobre a guerra, sofre ameaças de perder o poder. O terrorismo e a possível presença de armas químicas, em determinados países, vêm provocando uma paranóia inusitada. A violência nas cidades e no campo também preocupa.

O mundo anda louco e não é de hoje. Na visão de George Orwell a loucura decorre dos contrários, pela falta de coerência no pensar e agir. Através dessa perspectiva, olhava os pacifistas adorando Hitler, os socialistas vestindo a camisa de nacionalistas.

Tais interpretações levaram-no a ter uma visão pessimista do mundo. Havia nele revoltas e desilusões nos anos que antecederam o lançamento do seu mais famoso livro, 1984, uma obra-prima. Concluído em 1948, o título obedeceu a uma troca dos dois últimos dígitos. Por muito pouco seria conhecido como: O último homem livre da Europa. Insatisfeito com o rumo dos acontecimentos naquela década, marcada pelo totalitarismo, registrou tais impressões nas suas obras.

O escritor inglês George Orwell, de origem hindu (Bengala, 1903-Londres, 1950), cujo nome verdadeiro é Eric Arthur Blair, revolucionou o mundo com as idéias. Defendeu com unhas e dentes as posições políticas nas quais acreditava. Essa máquina humana de pensar teve uma atuação marcante no jornalismo. Por onde passou deixou o rastro de um jornalista preocupado com os desmandos de governos autocráticos.

Na revista Adelphi escreveu sobre as condições econômicas e sociais dos colhedores de lúpulo. No Le Monde denunciou a censura na Inglaterra, o que contrariava a tradição deste país, na luta pela liberdade de imprensa, empreendida pelos pioneiros da filosofia libertária. Foi repórter nos seguintes periódicos: The New Statesman and Nation, New English Weekly, Tribune e Horizon. Credenciado como correspondente na guerra civil da Espanha, resolveu engajar-se nas fileiras contra as tropas de Franco. Terminou levando um tiro na garganta. A atuação rendeu-lhe a publicação de um livro-reportagem intitulado Lutando na Espanha. Depois se tornou comentarista na BBC de Londres.

Outro Big Brother

Como fruto da experiência no jornalismo, Orwell publicou vários livros. Em Dias na Birmânia, observou o problema do relacionamento entre brancos e a população nativa. Em Keep the aspidistra flyng o jornalista se insurge contra o dinheiro, a sociedade mercantil, a neurose do lucro, a adoração do “bezerro de ouro”. No livro A caminho de Wigan Píer, usou os recursos do bom e saudável jornalismo investigativo e levantou dados para falar dos problemas do desemprego e das injustiças sociais entre os trabalhadores.

Antes de se ocupar com 1984, lançou outra obra, de grande repercussão: A revolução dos bichos, uma contundente crítica ao regime totalitário implantado em vários países da Europa. Neste romance, Orwell imagina uma sociedade dirigida por animais, cujos líderes são os porcos (os ditadores), os quais, livres da escravidão, voltam aos antigos donos e traem os outros bichos, para depois explorá-los. Uma paródia com muitas significações.

Em 1984 ele dá prosseguimento àquelas idéias, no entanto, com um peso de crítica maior, em particular, ao comunismo russo. Surge o Grande Irmão, aquele Big Brother que nós conhecemos só da televisão. O personagem de Orwell é perigoso pela onipotência e tirania. Os meios para anular o homem são mesquinhos, como a traição e o terror. Procura tirar do cidadão a liberdade, a privacidade e o direito de pensar. Em síntese, todos perdem a identidade. Espionados 24 horas por dia, através de câmeras, transformam-se em robots. A ordem vem do Grande Irmão (o Estado todo poderoso), cuja figura, pela descrição, tem semelhança com Stálin. A obra alcançou um sucesso nunca visto. Foram vendidos no mundo mais de 10 milhões de exemplares. No Brasil, 300 mil. Convenhamos, um livro como esse tem valor.

George Orwell ou Eric Arthur Blair teve uma vida conturbada, por envolver-se em episódios graves e outros risíveis. Entregou-se à vadiagem, cultivou verduras e lavou pratos para ganhar dinheiro. Mas teve uma boa educação, estudou numa das melhores escolas da Inglaterra, a Eton. O último mês de junho registrou o seu centenário de nascimento.

A mídia, na qual atuou e para a qual contribuiu à construção de uma sociedade melhor ? embora alguns não vejam assim ?, esqueceu-o. O Big Brother dos brasileiros é outro. Aquele que todos se lembram é diferente, mas com aspectos igualmente negativos. O Big Brother que chegou até nós, veio da Holanda e foi apresentado por Pedro Bial, na rede Globo e pelo Sílvio Santos, no SBT. Só teve uma utilidade, mostrar a desinibição de casais embaixo do edredom. Uma pena.

(*) Jornalista, professor universitário e escritor