Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um não à censura

QUALIDADE NA TV

LAÇOS DE FAMÍLIA

"Um não à censura", copyright O Globo, 17/11/00

"Mais de cem pessoas se reuniram ontem no Planetário da Gávea, num protesto contra a censura imposta à novela ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’. Durante a manifestação, organizada pela Associação de Roteiristas de Televisão e Outros Veículos (ARTV), foi feito um abaixo-assinado que será encaminhado ao ministro da Justiça, José Gregori, ao Congresso Nacional e ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Indignados, artistas, diretores, autores e parlamentares classificaram como arbitrária a decisão do Juizado da Infância e da Juventude de proibir a participação de menores na novela e exigir que ela seja exibida às 21h.

Textos assinados por Antonio Abujamra, pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio de Janeiro e pelo carnavalesco Joãosinho Trinta, lembrando o período em que vigorou a censura no Brasil durante a ditadura, foram lidos pelo ator Paulo José e pelo escritor Geraldo Carneiro.

– Já vivi momentos como esse quando a censura existia e os capítulos das novelas tinham leitura prévia. Foi uma luta árdua. Essa novela não vale a pena ver de novo – disse a autora Glória Perez.

Cenas do casamento foram regravadas.

Geraldo Carneiro contou que o episódio ocorrido em ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’ precipitou uma questão que já estava sendo discutida pela categoria sobre a Portaria 796 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, que trata da classificação indicativa dos espetáculos públicos e da programação das emissoras de rádio e TV.

– Essa regras são uma censura prévia do Ministério da Justiça a qualquer obra. A avaliação do que deve ou não ir ao ar não deve depender exclusivamente de cada juiz, como no caso do Siro Darlan – avaliou o escritor.

A atriz Betty Faria fez um apelo:

– Quero pedir a todos os juízes e órgãos competentes que virem o foco para as imoralidades que acontecem no nosso país. Vejo crianças empunhando metralhadoras e jovens se matando. Temos que cuidar de problemas como esses. Censura à cultura é ridículo!

O diretor Roberto Talma disse que o telespectador deve ter a capacidade de escolher a programação:

– O público tem que ter a liberdade de ligar ou desligar a TV e ver e ouvir o que quer ou não.

Herval Rossano, também diretor da Rede Globo, disse que a decisão é inconstitucional.

– Sinto-me envergonhado por ter que explicar lá fora o que está acontecendo. É uma situação triste e melancólica – disse ele, responsável pelo projeto de co-produção de novelas da Globo com a Telemundo.

Ontem foram regravadas as cenas da cerimônia de casamento de Edu (Reynaldo Gianecchini) e Camila (Carolina Dieckmann) em uma capela no Projac. Tatiana Vallim, de 19 anos, substituiu Estela (Júlia Almeida) no altar, como madrinha.

– Temos certeza de que a situação voltará ao normal até segunda-feira. Estou reescrevendo as cenas que serão gravadas de hoje (ontem) até sábado. Nelas, dou um jeito de pôr o Bruninho (vivido pelos gêmeos Natan e André) sendo representado por um boneco. Meu advogado está estudando uma forma de eu entrar com uma ação na Justiça, como pai – disse Manoel Carlos.

Para o diretor-geral da novela, Ricardo Waddington, o pior é a questão moral e ética:

– Tivemos que regravar algumas cenas e cortar as em que as crianças apareciam. O custo maior disso tudo não é o dinheiro, e sim o trabalho redobrado das pessoas. Não fiquei com medo de ser preso, não posso ser considerado um criminoso. Tenho uma filha de 15 anos que está estudando teatro. Se depender de mim, ela faz novela."

"‘Não se pode falar em censura’", copyright O Globo, 17/11/00

"O juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Siro Darlan, defende a liminar que impediu o trabalho de menores na novela ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’, da TV Globo, dizendo que a Justiça cumpriu a lei que impede a participação de crianças e adolescentes em cenas de sexo, violência ou relacionadas ao uso de drogas. O juiz afirma, no entanto, que a permissão pode ser dada se o juizado considerar o espetáculo respeitoso com os menores.

Por que o Juizado impediu que menores participem da novela ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’?

SIRO DARLAN: O que houve foi uma sanção à emissora por causa de um abuso. Houve a intervenção do Ministério Público, que citou cenas de violência e de sexo com participação de crianças (a diretora do Departamento Jurídico da TV Globo, Simone Lahorgue, disse desconhecer a existência de cenas de sexo e violência com participação de crianças na programação), o que é proibido; falta de alvará para que elas trabalhassem; e inadequação do horário.

O senhor não havia baixado uma portaria dispensando a necessidade de alvará?

DARLAN: A portaria, revogada no dia 1º de março, dispensava o alvará desde que crianças não participassem de cenas com conotação sexual e violência. Havia autorização tácita para que as crianças participassem. Até que houve o abuso (Simone Lahorgue lembrou que o pedido do Ministério Público se referiu ao fato de a emissora não ter alvará e não à participação em cenas de sexo ou violência).

Em um caso desses, não poderia haver uma advertência anterior?

DARLAN: Há oito meses, chamei o Departamento Jurídico da Globo e disse que precisávamos conversar com diretores de novelas porque estavam ocorrendo abusos. O diretor jurídico disse que ia marcar (a diretora do Departamento Jurídico da TV Globo negou ter sido procurada pelo juiz). Como não houve diálogo para evitar a medida, o MP, à minha revelia, entrou com processo e foi dada a liminar pelo juiz Leonardo de Castro.

A medida provocou entre os artistas o temor da volta da censura a manifestações de opinião e artísticas.

DARLAN: Essa medida do Ministério Público veio a reboque de diversas manifestações da sociedade. Não se pode falar em censura porque ela ocorreu num tempo em que não tínhamos o Congresso Nacional, vivíamos uma ditadura, não tínhamos legislação prevendo sanções contra abusos e a Constituição garantindo o amplo direito de comunicação, ressalvando as restrições legais. Não sou censor, sou juiz de menores.

Por que pedir as fitas da novela antes de elas serem exibidas?

DARLAN: Quero saber se depois de 27 de outubro, dia em que a Globo foi citada, ela descumpriu a decisão judicial. Se a Globo quiser colocar todas as cenas do mundo em sua novela, tira a criança e faz isso.

Este tipo de ação não impediria a dramaturgia de tratar de assuntos polêmicos e reais?

DARLAN: Existe vida real com crianças preservadas, respeitadas.

Mas há também crianças pedindo esmola no sinal.

DARLAN: Não aceito este argumento porque estou indo tirar crianças da rua e aplicando sanção aos pais.

A dramaturgia tem também caráter educativo. Com estas restrições não haveria filmes que alertassem para o uso de drogas entre adolescentes.

DARLAN: Cada caso ter que ser estudado em separado e não falo em hipótese. Mas o filme ‘Central do Brasil’, por exemplo, mostra uma criança sofrida, que foi vendida para o comércio de órgãos, que sofreu violências e nós demos o alvará."

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