Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um surto de dementia praecox

THE NEW YORK TIMES

Alexandre J. Eisenberg (*)

Thomas Friedman e todo o New York Times piraram de vez! Perderam completamente o senso de realidade. O tom e o conteúdo do texto abaixo (NYT de domingo, 17/11) me fazem lembrar os discursos megalomaníacos do maravilhoso O grande ditador, de Charles Chaplin. Só que neste caso a psicopatologia é real!! Friedman, o porta-voz do NYT, está sofrendo gravemente de "dementia praecox", e a não-percepção disto por parte de tantos americanos, aliada à sua passividade política e à passividade (ou "atividade demente") do jornal diante da condição mental de Friedman, me fazem lembrar o psiquismo do povo alemão antes da Segunda Guerra Mundial, tão bem percebido e magistralmente analisado por Carl Jung em alguns de seus textos. A Alemanha detinha grande poder de guerra na época, e Hitler se acreditava absolutamente superior e invencível. Tinha a certeza de que a "cura do mundo" estaria em sua "germanização"…

Hoje, não mais em dimensão continental, mas em dimensão planetária, são os EUA que se acreditam superiores e invencíveis (especialmente após o desmantelamento da União Soviética), e revelam cada vez mais a sua certeza de que o "americanismo" é a cura para os males do mundo. Assim, a doença que a "América" pareceu curar 58 anos atrás ? com direito a doses exageradas de antibióticos (as bombas atômicas no Japão) ? parece tê-la contaminado, após vários sintomas crescentes e um longo período de incubação.

Há no entanto algumas diferenças fundamentais: enquanto a demência hitleriana agia como objetos cortantes a ferirem corpos, a demência atual dos EUA age como um câncer cujas metástases se alastram pelo mundo afora, gradualmente substituindo os linfócitos do comércio e da indústria pelos linfomas da especulação; transformando os tecidos bem-irrigados do livre comércio na gangrena das sobretaxas e da pobreza pré-programada; e o mais sutil e nefasto dos sintomas: transformando o significado do termo democracia de modo a torná-lo aos poucos sinônimo de totalitarismo. As quimio e radioterapias são tratamentos tão rudimentares quanto a eletroconvulsoterapia da psiquiatria. Nenhum dos dois combate o processo da doença. Assim como o processo do câncer é autônomo, residindo nisto a sua quase incurabilidade, o processo do mercado autônomo gera desequilíbrios-metástase quase incuráveis.

É difícil prever quem curará a psicose americana. Mas o segredo da ciência está na consciência. Para lidar com um paciente psicótico o médico não pode embarcar em sua psicose, ou seja, nem sintonizar-se com as suas alucinações, nem contrapor-se ao conteúdo delas. É necessário estar neutro, vê-las de fora, ainda que se identifique com algumas delas (afinal, são humanas). Assim, ajuda-se o paciente a manter-se minimamente conectado à realidade externa…

Não temos armas mas temos cérebros. Teremos que usar nossos cérebros para tentar curar a psicose americana. Fazê-los ver que seu poder não é ilimitado, pois isso não existe. E que, portanto, podem perder uma guerra mundial, assim como a Alemanha perdeu. Mas, desta vez, quem seria o médico, se os poucos disponíveis já se contaminaram? Quem viver os próximos 50 anos certamente assistirá a um dos momentos mais extremos da condição humana ? a conseqüência maior da psicologia de massas.

(*) Músico (flautista e compositor), doutorando em Composição na Universidade de Indiana (EUA), com financiamento da Capes


O Novo Clube da OTAN

Thomas l. Friedman

Se você quiser ter uma idéia do quanto as forças armadas dos Estados Unidos estão à frente de seus aliados, dos inimigos então nem se fala, leiam o fascinante artigo de Mark Bowden na edição de novembro de The Atlantic Monthly, sobre os combates aéreos dos EUA no Afeganistão. Há uma cena que resume tudo. Envolve um caça americano F-15, com ordens para destruir um comboio de caminhões do Talibã. O co-piloto-artilheiro é uma mulher. O Sr. Bowden, que teve acesso às comunicações entre os pilotos, descreve como a artilheira localiza o comboio e, com seu sistema de orientação a laser, envia uma bomba de 227 quilos sobre o caminhão-líder.

Enquanto o comboio é vaporizado, o piloto do F-15 grita para os talibãs ? como se eles pudessem ouvi-lo, a 6 mil metros de altitude ? "Vocês acabam de ser mortos por uma garota!" Eu estava pensando sobre essa cena enquanto acompanhava os preparativos da cúpula da Otan, em Praga, que ampliará a aliança de 19 para 26 países, incluindo Letônia, Lituânia, Estônia, Bulgária, Eslováquia, Eslovênia e Romênia. Imagino quantas pilotos femininas de F-15 a Letônia tem. Na verdade, imagino quantas a Dinamarca ou a Espanha têm. Suspeito que o número é zero. E esta é a razão principal para que eu não discorde mais da expansão da Otan. Porque, como já vimos na guerra afegã, a maioria dos países da Otan ficou tão atrás dos EUA em gastos e modernização de suas defesas que realmente não podem mais lutar ombro a ombro conosco. Então, fazer o que, convidemos todos para o clube.

"Agora é o Clube da Otan", disse Michael Mandelbaum, autor do recente livro As idéias que conquistaram o mundo. "E a finalidade principal do Clube da Otan parece ser agir como uma espécie de grupo de apoio e de kaffeeklatsch para as recém-admitidas democracias da Europa Oriental e Central, que sofreram sob o domínio autoritário durante toda a Guerra Fria." Realmente, vejo a Otan agora como uma espécie de "Autocráticos Anônimos", um clube onde todas essas nações anteriormente autocráticas da Europa Oriental e Central podem compartilhar seus problemas de democracias novatas e usar uma o ombro da outra. Certo, está mais para Carnegie do que para Clausewitz, o que significa que o Clube da Otan não será mais uma força militar séria, mas não se preocupem, nosso Pentágono sabe disso há tempos, razão pela qual jamais cogitou em usar a Otan na Guerra do Afeganistão, nem o fará no Iraque.

Mas há uma outra razão para não se afligir: a velha Otan foi substituída como aliança militar não pela Otan ampliada, mas por uma Otan totalmente diferente. A "nova Otan" é composta por três aliados anglófonos de mentes afinadas, América, Grâ-Bretanha e Austrália, e a França como parceiro da paz, dependendo da guerra. O que estes quatro principais países têm em comum é que são potêecirc;ncias marítimas, com tradição de lutar no exterior, habilidade para transportar tropas mundo afora e forças especiais móveis que têm "atitude". É o que você precisa para cuidar das ameaças de hoje. E também, como observa um oficial europeu, esses quatro países jogam rúgbi, ou futebol americano ? jogos violentos em que o sucesso depende de se ferir a outra equipe. Este deveria ser um pré-requisito para entrar para a nova Otan, que de agora em diante deveria se chamar Nations Allied to Stop Tyrants (Nações Aliadas para Parar Tiranos) ou Nasty [em português, sujo, asqueroso, porco].

Se você conversar com marinheiros da 5? Frota americana, no Golfo Pérsico, eles dirão que os contrabandistas de petróleo e os piratas de lá sabem todos quando é o turno de patrulha da Marinha australiana, porque os aussies têm postura rigorosa, e os bandidos sabem disso. O mesmo com os franceses. O francês pode deixar você louco, especialmente nas coisas desimportantes. Mas quando são importantes eles se destacam. Diz um oficial americano: "Os franceses são amigos mal-humorados, e suas tropas têm com certeza atitude."

Embora os países do Clube da Otan nunca possam realmente lutar ombro a ombro com a Nasty, eles podem ajudar, dependendo da guerra. Cada um deles tem determinadas habilidades específicas, seja uma unidade de combate a armas químicas da Alemanha, seja uma força de paz da Polônia, seja um grupo antiminas da Espanha. Eles são agora um Disque-Aliado, cumprindo tarefas específicas que a Nasty não tem tempo ou energia para cumprir.

De fato, antevejo que, depois desta rodada de expansão, quando você ligar para o quartel-general da Otan em Bruxelas uma gravação responderá: "Alô, você ligou para a Otan. Tecle 1 se você quer ajuda para consolidar sua democracia. Tecle 2 se precisa do grupo antiminas; tecle 3 se preferir a unidade antiquímicos. Se seu caso é uma guerra de verdade permaneça por favor na linha, e uma telefonista que fala inglês o ajudará. (NYT, 17/11/02)