Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma análise estrutural

JORNAL NACIONAL

Marcelo Salles (*)


"Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante após um dia de trabalho." General-presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985)


Sempre me perguntei por que o brasileiro, em geral, tem-se mostrado um povo distante de manifestações, reivindicações e protestos públicos. Em comparação a outros povos, a verdade é que preferimos pagar a conta a esquentar a cabeça. Apenas para ficar com um exemplo: quando os donos do poder, em todo o mundo ocidental, surgiram com a idéia de flexibilizar as leis trabalhistas (eufemismo para aumentar seus lucros), greves gerais foram organizadas na Grécia, na Itália, na Espanha e outros países. Não no Brasil. Aqui, os meios de comunicação ? mais organizados que o povo ? mentem descaradamente e, assim, mantêm a massa sob controle.

Depois que a mídia virou sócia do poder, na década de 1960, as respostas que procurava ficaram mais evidentes. Certo de que não há possibilidade de existir uma sociedade verdadeiramente democrática enquanto prevalecer este monopólio das comunicações que envergonha e fragiliza toda a sociedade brasileira, tive o cuidado de analisar a estrutura do Jornal Nacional, o meio de informação de maior penetração entre os brasileiros.

Devo ressaltar que ainda se trata de um estudo em fase embrionária, visto que a análise comparativa se dá apenas acerca dos programas veiculados nos dias 2/9 e 8/09, terça-feira e segunda-feira, respectivamente. No entanto, pretendo deter-me numa pesquisa mais detalhada sobre o assunto, traçando um perfil geral do noticiário e um específico de cada bloco e de cada dia da semana, porque acredito que nenhuma das notícias é escolhida por acaso.

Neste breve experimento, observei principalmente a carga de tensão oferecida ao telespectador em cada matéria. Notei que nos primeiros blocos 100% das notícias são altamente carregadas de nervosismo, e a intenção parece ser chocar o telespectador ? talvez para que ele continue assistindo ou para obter resultados bem menos nobres, como veremos mais adiante. Como indicativos de uma notícia com alta carga de tensão, estabeleci três características principais: a gravidade da voz do apresentador; o semblante tenso do apresentador e as cores quentes que ilustram o fundo do cenário enquanto o apresentador lê o texto. Além, é claro, da natureza da notícia (ex.: um crime hediondo sempre vai ser motivo de tensão).

No segundo bloco, há uma queda vertiginosa do nervosismo: o índice de tensão caiu para 40% no dia 2/9 e 20% no dia 8/9. No terceiro bloco, a tendência é invertida: 83% das matérias apareciam com altos índices de tensão no dia 2 e 90% no dia 3.

Quem pensou que o processo se inverteria novamente acertou. As notícias tensas no quarto bloco constituíram 50% no primeiro dia analisado e 40% no segundo. De fato, parece não existir linearidade de um bloco para o outro, com exceção do penúltimo para o último. Neste caso, o índice de tensão vai a zero e geralmente as matérias sobre esporte predominam, sendo anunciadas com largos sorrisos por parte dos apresentadores.

Primeiro passo

Como pude observar, existe um padrão entre os blocos: 100% no primeiro e 0% no último. A variação ? muito pequena ? acontece entre o segundo e o penúltimo bloco.

Mas o que isso tudo tem a ver com o estado de inércia em que se encontra a maior parte da população?

Para responder a esta inquietante pergunta, tive que recorrer à psicologia. Segundo os estudos de Freud, o medo paralisa. Neste ponto, fiquei ainda mais confuso. Ora, se o medo paralisa, então por que não acentuar, bloco a bloco, o nível de tensão das notícias? Prosseguindo os estudos, agora auxiliado por uma psicóloga, descobri que a frustração leva à agressão. Só então consegui entender a razão pela qual o JN é organizado desta maneira, com uma curva de tensão que muito se assemelha ao movimento de uma gangorra.

Para que o indivíduo não reaja às muitas medidas que são tomadas contra ele, além da escolha tendenciosa e da manipulação das notícias, notei que este telejornal organiza muito cuidadosamente a maneira como apresenta os acontecimentos do Brasil e do mundo para seu telespectador. Ele busca um equilíbrio perfeito entre a disseminação do medo e a prevenção da agressão, que só pode acontecer se o indivíduo for estimulado/desestimulado na dose certa.

Reafirmo que este estudo está longe de ser conclusivo, necessitando de maiores cuidados. Mas creio que a estrutura dos telejornais brasileiros pode constituir uma valiosa arma para aqueles que lucram com o imobilismo e a resignação da população.

O leitor pode ajudar nesta pesquisa. Assista a um telejornal qualquer e anote todas as notícias. Além de prestar atenção nas três características descritas acima, anote o tempo de duração, quais imagens foram apresentadas, se houve participação do repórter ou se apenas uma locução em off e todas as outras informações que julgar necessárias, além das impressões e sensações ? muito importante ? durante todo o noticiário.

Creio que identificar um sistema seja o primeiro passo para não mais ser enganado por ele.

(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense