Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma eleição presidencial sem reportagem

Victor Gentilli

 

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aqui a 30 anos, quando os historiadores forem estudar a campanha presidencial de 1998, os jornais e telejornais vão se evidenciar como muito pouco úteis para a compreensão do que efetivamente ocorreu neste segundo semestre de 1998. Uma eleição presidencial, pela primeira vez com reeleição e sem desincompatibilização, acompanhada de uma crise econômica que surpreendeu os brasileiros, já estimulados pela inércia do equilíbrio de preços provocada pelo Plano Real.

Potencialmente, nada mais estimulante e desafiador para a prática de um jornalismo de qualidade, intérprete desta realidade rica e fornecedor de elementos decisivos para um dos momentos máximos do exercício da cidadania: o uso consciente da prerrogativa do direito ao voto.

Na quarta-feira, 30 de setembro, O Estado de S. Paulo publica mais uma sondagem do Ibope sobre a campanha eleitoral. Desta vez, sobre os motivos que levam o eleitor a definir seu voto. (Ver remissão no final.) Em primeiro lugar, conversa com amigos e conhecidos, em segundo lugar, o noticiário de TV, em terceiro lugar, os debates na TV e em quarto o noticiário dos jornais.

A Propaganda Eleitoral Gratuita está lá atrás.

Ora, como ninguém conversa com amigos, parentes e conhecidos sobre nada, o noticiário dos telejornais e jornais impressos é que abastece o cidadão na definição do voto, particularmente numa eleição onde o candidato oficial e a grande imprensa uniram-se para evitar todo debate e os jornais praticaram um jornalismo anódino, insosso e inodoro.

Fernando Henrique tinha programa de governo, argumentos e fatos para enfrentar os jornalistas, os adversários e a opinião pública sem riscos maiores para sua recandidatura. Se a grande imprensa e o presidente-candidato evitaram debates e exposições que gerassem polêmica, fizeram uma opção clara pela desinformação da sociedade. Foi mais uma opção para calar as oposições (Lula e Ciro Gomes) do que efetivamente pelo medo de uma derrota.

Não se pretendia a unanimidade, mas o silêncio. Daí o fato de termos a eleição mais morna e sem graça desde 1945.

À sucessão presidencial agregou-se a crise econômica. O que seria esperado? Jornalismo, grandes matérias, reportagens especiais. Que os jornais explicassem a crise, mostrassem as diversas interpretações do fenômeno, as propostas e os problemas de cada candidatura.

Esta campanha foi atípica por vários motivos. Primeiro, a reeleição, não prevista quando da primeira eleição de Fernando Henrique em 1994, poderia transformar este pleito de 1998 num plebiscito do governo, suas propostas, o Plano Real e suas conseqüências. Mas a ausência de desincompatibilização levou os jornais a cobrirem o governo e a campanha eleitoral como duas coisas distintas. E descontextualizadas uma em relação à outra.

Se a opção era o silêncio programático, os jornais evitaram abrir discussão sobre os programas de cada candidato. Mostrar vantagens, desvantagens, interesses, etc.

Mas o que faltou mesmo foi jornalismo.

Como tivemos apenas o jornalismo declaratório, o silêncio de Fernando Henrique gerou o silêncio dos jornais e telejornais. Uma sucessão presidencial é suficiente para que a sociedade levante questões, dúvidas e perguntas (como bem observou Marina Colassanti no OBSERVATÓRIO na TV).

Aos candidatos, seus partidos e coligações, cabia produzir propostas; aos jornais e jornalistas é que cabia produzir as respostas às indagações geradas na sociedade.

Os telejornais

O Jornal Nacional fez muito menos do que a obrigação. Quando cobria o processo sucessório, o fazia sem destaque, o mais limitado e sintético possível. A pesquisa encomendada pela Rede Globo em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo simplesmente foi ignorada pelo Jornal Nacional, no dia 24 de setembro: o resultado indicava dois pontos positivos para Lula e dois pontos negativos para Fernando Henrique em relação à sondagem anterior. O Estado deu, sem destaque. Mas chegou a ouvir o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, anunciando que se a tendência continuasse e se acentuasse um pouco, haveria segundo turno.

A Rede Globo comprar um pacote de pesquisas do Ibope, com exclusividade, e não divulgar é um fato que, na melhor das hipóteses, ostenta e dá visibilidade às escolhas do jornal do grupo.

Não fosse a desastrada e evidente intenção de atingir Lula no episódio da compra do apartamento de cobertura em São Bernardo do Campo, o Jornal da Band cobriu relativamente bem. No final de setembro, publica reportagens especiais sobre as desapropriações em São Bernardo do Campo. Atinge forte Roberto Teixeira, o compadre de Lula, mas em nenhum momento o jornal vincula o lobista ao candidato. Por desnecessário.

O histriônico Boris Casoy tratou corretamente a campanha e a crise. Entre as ponderações e apresentações didáticas de Salete Lemos e a tentação fascista de Bóris, o Jornal da Record tratou a sucessão presidencial com um equilíbrio burocrático.

O SBT não fez nada, não tem mais jornalismo.

A Manchete, apesar da crise, fez a cobertura televisiva mais densa. Quem suportou o Horário Eleitoral viu no jornal da Manchete um noticiário correto e comentado. Os veteranos Carlos Chagas e Villas-Boas Corrêa desequilibraram a cobertura no Jornal da Manchete.

Mas, de um modo geral, a sucessão foi ignorada pelos telejornais. Pela importância, merecia muito mais.

Os jornais

Apenas o oficial e o fatual foi coberto pelos jornais diários. Limitaram-se a noticiar os fatos, eventos, ocorrências produzidos pelos candidatos, partidos ou coligações. Até mesmo os bastidores do governo, com grupos e propostas antagônicas, precisavam ser vistos com lupa pelos leitores mais atentos. Seria muito imaginar que os telespectadores tivessem acesso a tanta sofisticação na sua informação política.

Este ano, foi tudo mais simples. Pedir matérias de profundidade na cobertura de uma campanha presidencial é pedir muito? Quem acompanhou as campanhas de 89 e 94 viu reportagens sobre os candidatos e os temas impertinentes, perfis dos candidatos, dos vices e das esposas. Jornalistas ocupavam-se de apurar fatos e ocorrências dos candidatos. Não se fez nada excepcional nas coberturas anteriores, mas esta exagerou na superficialidade.

Na campanha de 1994, os jornalistas Gilberto Dimenstein e Josias de Souza publicaram um livro, A História Real, sobre os bastidores daquela campanha. O livro foi sendo produzido durante a cobertura jornalística e muitas fontes admitiram fornecer informações se elas somente fossem publicadas após o resultado eleitoral. O próprio jornal, na época, abriu (e fechou rapidamente) um debate sobre o significado ético desta novidade jornalística.

Desconhecemos se a Folha ou outro jornal prepara algo semelhante. Mas pelo material produzido, há fortes indícios de que não há nada neste sentido.

A Folha fez um caderno especial. Carimbou percentagem de intenção de voto de candidato na imagem a perpetuar a situação em relação às sondagens passadas. E fez um jornalismo burocrático onde apenas pesquisas, marqueteiros e coordenadores de programa falaram. Todas as matérias pareciam feitas pelo telefone.

Nenhuma reportagem, nem na Folha nem em nenhum outro jornal.

Os marqueteiros venceram. Confrontos entre marqueteiros e políticos geravam notas e matérias, a estratégia eleitoral rendia análises, mas as questões substantivas que davam trabalho, exigiam raciocínio, mas respondiam às perguntas dos cidadãos ficaram de fora.

A velha crise do Jornal do Brasil e a nova crise do Estado resultaram num jornalismo chocho e sem informação de qualidade. Apesar do oficialismo, O Globo talvez tenha produzido a cobertura mais consistente.

A Gazeta Mercantil produziu com discrição e elegância a menos volumosa e mais densa cobertura da campanha.

Na essência, entre a catástrofe e a euforia, faltou jornalismo.

Quando Ciro Gomes e Lula deram uma entrevista conjunta eles produziram um fato político único e grave. Até o Jornal Nacional se rendeu e deu a coletiva. Mas nenhum jornal ousou oferecer uma manchete à oposição. Um único dia que fosse.

 


 

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assunto eleições/pesquisas freqüenta as páginas do OBSERVATÓRIO desde o número 4, de 20/8/96, quando o matemático Geraldo Coen. colaborador do O.I., escreveu o tópico “Erro à margem da margem de erro”. Mostrava, indignado, como a Folha de S. Paulo tinha apresentado como vantagem de Celso Pitta em relação a Luíza Erundina uma diferença que, no próprio texto da reportagem, era considerada dentro da margem de erro. Na mesma edição era reproduzido do Estadão texto do jornalista Luiz Weis chamado “O império das pesquisas”. Águas passadas. Pitta foi eleito, é prefeito de São Paulo, seu inventor disputará agora o segundo turno para governador.

A questão das pesquisas eleitorais foi abordada por Alberto Dines em 5/10/96, no texto “Pesquisas, prévias e a esparrela dos percentuais”. O assunto sempre reaparece nas páginas do O.I., vindo diretamente… da vida. No número 35, de 5/12/97, o professor de estatística Antonio Fernando Beraldo, da Universidade Federal de Juiz de Fora, produziu um dossiê intitulado “O número-notícia”.

O leitor interessado em recuperar esse material pode usar o mecanismo de Busca que se encontra na primeira página do OBSERVATÓRIO. As palavras “eleições” e “pesquisas” suscitam relatórios extensos, que podem ser refinados mediante o acionamento do botão “Ordenado por… assunto”. Bom proveito.

 

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