Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma experiência encerrada sem pé de página par

COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE ENSINO (1985-2002)

Victor Gentilli

Com o término dos mandatos de dois anos conferidos em portaria ministerial dia 16 de junho de 2000, encerra-se uma das ricas, interessantes e ousadas iniciativas de gestão do ensino superior no Brasil: as comissões de especialistas de ensino.

Encerra-se sem debates, sem polêmicas, sem avaliações, sem uma única linha na imprensa. As comissões de especialistas tinham várias funções: estabeleciam padrões de qualidade para a área, designavam as comissões de verificação in loco nas escolas, homologavam ou não os pareceres para reconhecimento, renovação de reconhecimento e autorização de cursos de instituições sem autonomia (faculdades isoladas e faculdades integradas).

A experiência começou ainda no início da década de 1970, com as Comissões do Ensino Médico e a de Ensino de Engenharia.

Mas foi com o governo Sarney, em 1985, já encerrada a ditadura militar, que foram criadas as comissões de especialistas, como órgão auxiliar da SESu. No governo Itamar Franco, em 1994, sob o comando do primeiro ministro da Educação não-pefelista, Murílio Hingel, com o fechamento e a extinção do Conselho Federal de Educação, o poder das comissões cresceu significativamente.

A área de Comunicação Social teve a sua primeira Comissão de Especialistas criada em 1985, tendo como presidente o professor José Marques de Melo. A professora Sidinéia Gomes Freitas presidiu a Comissão de Comunicação Social por um período em torno de sete anos, comandando o trabalho de produção das diretrizes curriculares para a área em parceria com as entidades do setor.

A criação pela SESu da Comissão de Especialistas do Ensino de Jornalismo, em 1999, deflagrou uma conflagração na área, como se a comissão tivesse o poder de dissolver o campo da comunicação como um campo comum de conhecimento. A Comissão de Jornalismo apenas daria continuidade a uma política de governo, que permanece, entendendo que os cursos devem organizar-se conforme os padrões internacionais de formação profissional. Pouco antes disso, os cursos de Jornalismo passaram a ser avaliados pelo Exame Nacional de Cursos (Provão) e, portanto, submetidos à Avaliação das Condições de Oferta. O Provão sempre foi responsabilidade do Inep. Hoje, o Inep também opera as atividades de Avaliação das Condições de Ensino, com um instrumento único tanto para reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos como para a avaliação geral dos cursos, que se fará de quatro em quatro anos. Assim, os cursos de Jornalismo foram avaliados em outubro e novembro de 1999 e o serão novamente em 2003. O Conselho Nacional de Educação não homologou a decisão da SESu de criar a Comissão de Jornalismo, mas os padrões de qualidade por ela produzidos continuaram vigorando até serem substituídos em 2001.

Mas a criação da Comissão de Jornalismo e a polêmica dela decorrente mostra a importância que as comissões alcançaram. Posição absolutamente incompatível com a desimportância que o fim das comissões vem sendo tratada nos jornais.

Esta última comissão iniciou seus trabalhos sob a presidência do professor José Salvador Faro, que teve o mérito de pacificar e produzir um entendimento a partir da constatação de que as diversas demandas vindas dos diversos setores não eram antagônicas ou contraditórias. Podiam, portanto, ser contempladas sem conflitos. Foi ainda sob o comando do professor Salvador Faro que foram produzidos os novos padrões de qualidade para a área, específicos para autorização ou reconhecimento de cursos e específicos também para cada uma das profissões (chamadas de habilitações) da área. Tais documentos ainda estão acessíveis no sítio do MEC, embora os padrões para reconhecimento de cursos não tenham validade para os pedidos posteriores a outubro do ano passado.

As comissões serão substituídas por um conjunto de três comitês que integram todo um novo sistema de funcionamento da Secretaria de Ensino Superior para autorização, reconhecimento de cursos e credenciamento e recredenciamento de instituições. Embora informatizado, o sistema, chamado Sapiens, funciona com certa precariedade e vem sendo muito questionado pelas instituições de ensino.

Na única vez em que insinuou algum comentário sobre as comissões de especialistas, o ministro Paulo Renato o fez em forma de chacota, embora seu interesse fosse valorizar o novo sistema que estava anunciando. Disse o ministro, para explicar a nova sistemática de funcionamento: "Antes os cursos eram autorizados ou reconhecidos conforme a cara do freguês." O ministro criticava um sistema que certamente não era perfeito, que tinha problemas graves, que sofria às vezes com um exagerado corporativismo, problemas todos esses sanáveis.

O novo sistema começa problemático e com vários questionamentos. Anuncia-se maior transparência ao processo como se a eventual falta de transparência do processo anterior fosse de responsabilidade das comissões de especialistas.

Integrei a Comissão de Especialistas como membro ad hoc, de 1998 até a presente data. Desde março de 2001, apesar de ad hoc, fui eleito presidente da comissão, que se reunia regularmente, praticamente uma vez por mês. Desde outubro do ano passado a Comissão de Especialistas do Ensino da Comunicação não mais se reuniu.

Os integrantes designados por portaria foram: Ana Arruda Callado, da PUC-RJ; Dirceu Tavares de Carvalho Lima Filho, da UFPE, Ruth Penha Alves Vianna, da UFMS; José Salvador Faro, da UMESP, Venerando Ribeiro de Campos, da UFGO. Todos participaram ativamente dos trabalhos. Embora designados na portaria de 16 de junho de 2000, não compareceram a nenhuma reunião os professores Waldenyr Caldas e Tupã Gomes Correa, ambos da USP. O professor Tupã participou ativamente quando designado para a Comissão de Especialistas de Jornalismo.

Os professores Andréia Silveira Athaydes, ULBRA, e Victor Gentilli, UFES, participaram como membros ad hoc desta última comissão.

O ensino de Comunicação no Brasil mudou muito com o trabalho da comissão.

Embora acusada por alguns de responsável pela expansão indiscriminada dos cursos, nos últimos anos trabalhou com um rigor e um padrão de exigências muito elevado. No ano de 2000, em média, entre três e quatro pedidos de autorização de novos cursos a comissão recomendava um. Esta taxa caiu em 2001, e a única explicação plausível é o rigor excessivo das exigências dos novos padrões de qualidade. Tanto que, em números absolutos, a quantidade de autorizações de novos cursos se manteve a mesma ou diminuiu.

Eis uma história que se encerra, que a imprensa sequer registrou e que precisa ser conhecida e contada. Em todas as suas versões. Um prato cheio para a mídia.