Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma imprensa mais democrática na rede

JORNALISMO & WEBLOGS

Luciano Martins Costa (*)

Um novo modelo de negócio de comunicação começa a se configurar à sombra dos grandes jornais e pode vir a provocar uma verdadeira revolução na imprensa brasileira. A partir de um movimento natural dos chamados blogueiros ? ou bloggers ?, que editam boletins e diários pessoais na internet, jornalistas profissionais com muita estrada têm sido procurados para organizar redações virtuais com editorias e seções, o que pode levar ao surgimento de uma mídia completamente diferente da que temos hoje. Esse movimento, ainda embrionário, pode resultar num conceito novo de trabalho cooperativo, integrado ao ambiente criado pela web.

Embora a discussão teórica ainda não tenha oferecido uma conclusão sobre a natureza desse formato [veja artigo "Uma aposta de cinco anos", de Rodney Brocanelli; remissão abaixo], a rápida proliferação de boletins pessoais tem sido seguida de uma maior consistência dos conteúdos, e alguns profissionais já consideram a situação madura para projetos mais ousados. Em seu artigo publicado neste Observatório em julho de 2002, Brocanelli fazia referência à polêmica que se desenrolou quando o blogueiro Dave Winer <www.weblogs.com> afirmou que em cinco anos o jornalismo praticado por blogueiros estaria informando melhor e com mais influência do que o New York Times na internet. Martin Nisenholtz, editor do nytimes.com, não apenas discordou como afirmou que os blogs nunca deixariam de ser uma brincadeira de adolescentes, confessionário de amantes e refúgio de funcionários descontentes com a condução dos negócios em seus empregos.

Ainda não aconteceu a previsão de Dave Winer, mas o mundo dos blogs já é muito mais concreto do que julgava Nisenholtz. Com bons critérios de busca, pode-se obter no universo dos diários pessoais muita informação e até mesmo versões mais detalhadas de algumas histórias contadas pela grande imprensa.

Poder de escolha

Alguns especialistas em gestão de crise já utilizam essa fonte para estudar o vazamento de informações de empresas em momentos difíceis, pois sabe-se que a internet já é o primeiro ambiente que as pessoas procuram quando ocorre uma crise ? seja um escândalo envolvendo uma figura pública, um acidente com um petroleiro, um atentado ou um incêndio de graves proporções. Também já há quem considere os blogueiros uma boa base para o estudo do clima organizacional das empresas e para o conhecimento do que se comenta na chamada "rádio-peão" ? para quem ainda não se tocou, os blogs são a rádio-peão das empresas de tecnologia.

Numa análise que leve em conta o que aconteceu com os BBSs (bulletin board systems, ancestrais das webpages), não é difícil concluir que os blogs vão, sim, ter um papel fundamental na mídia a partir dos próximos anos. Com os avanços das tecnologias de homologação de identidade, as perspectivas de uma mídia que pode ser ao mesmo tempo massiva e absolutamente pessoal se tornam rapidamente mais concretas. O crescimento da oferta de acesso sem fio em bandas cada vez mais confortáveis, com a conseqüente explosão dos serviços de mensagens curtas ? que estimula o hábito da busca contínua de informação ao longo do dia ? é outro fator favorável à consolidação dos blogs como mídia a ser considerada.

O nó da questão ainda é a profissionalização da atividade, pois a credibilidade é o ponto crucial para que uma mídia seja levada a sério e possa se expressar como negócio. Pois o recente movimento de convergência entre blogueiros e jornalistas é uma indicação clara de que isso pode se tornar uma tendência e uma realidade.

O surgimento de um modelo de negócio que dê sustentabilidade a essa idéia é apenas questão de junção entre os donos de conteúdos comercializáveis e os profissionais qualificados para organizar e administrar esse material, identificando as oportunidades de sustentação no mercado. Aliás, a guerra recente no Iraque revelou as possibilidades da reportagem sob encomenda, modelo no qual grupos de leitores financiam jornalistas para que produzam conteúdos específicos, assim como empresas de pesquisa contratam jornalistas free-lancers para investigar e escrever sobre temas de seu interesse, que não são cobertos pela mídia com a profundidade que necessitam.

Com o crescente congestionamento no mundo da mídia e a tendência de transferência do poder de escolha para o público, sabe-se que ainda temos pela frente um longo processo de pulverização de verbas publicitárias, e a conseqüente redução de oportunidades para grandes tiros num só alvo. Nesse cenário, o surgimento de "jornais" online formados por ninhos de blogs, sob a coordenação de um ou dois jornalistas experientes, seria não apenas uma mídia de valor considerável, como um laboratório para o desenvolvimento de talentos e desaguadouro para as muitas tendências ideológicas em que se divide a sociedade. Nesse sentido, o fenômeno que já se observa poderia ser visto como embrião de uma imprensa muito mais democrática e pluralista do que a que temos hoje.

(*) Jornalista

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