Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma lei desnecessária

DOCUMENTOS PÚBLICOS

Claudio Weber Abramo (*)

Não parece totalmente evidente que o Brasil tenha necessidade de uma lei detalhada de acesso à informação. Sem pretender esgotar o assunto, gostaria de apresentar argumentos contra uma tal lei. Eles não devem ser entendidos como uma tomada de posição, mas como, digamos, argumentos de um "advogado do Diabo".

O Brasil é um dos poucos países do mundo que garantem o acesso à informação na Constituição (o famoso art. 5?, inciso 33). A Constituição inclui, também, outro artigo, que é pouco mencionado, e que obriga o Estado a informar sobre suas atividades: é o chamado princípio da publicidade, no art. 37. Diversas leis relativas a territórios administrativos específicos estabelecem a obrigatoriedade de prestação de informações, com prazos. É o caso, por exemplo, da Lei de Licitações e Contratos (n? 8.666/93): todo ato é público (incluindo-se os textos dos contratos, pagamentos, aditamentos etc.).

É verdade que o art. 5?, inciso 33 tem uma redação que sugere a necessidade de uma regulação em relação aos prazos que os organismos públicos teriam para prestar informações. Digamos então que seja necessária uma lei que obrigue os agentes públicos a fornecerem informações num prazo X. Isso não significa que seja necessária uma lei que especifique o quê deve ser informado.

Uma vez que se tenha uma regulação que aborde a substância da informação a ser prestada pelo Estado, estamos perdidos, pois tudo aquilo que não estiver na tal lei será negado. É essa a situação que vigora nos países em que leis de acesso à informação foram promulgadas ou estão sendo discutidas. O famoso FOIA, Freedom of Information Act americano, é uma lei desse tipo, e porque a Constituição americana não garante o acesso. Aliás, às vezes é difícil compreender por que o FOIA é mencionado como exemplo para o Brasil. Receio que possa haver colonização intelectual aí. A situação brasileira é muito melhor.

Pedaços de papel

Deve-se dizer também que o Estado brasileiro, embora não forneça informações no mesmo nível dos países ricos, está anos-luz à frente dos países que pertencem ao seu grupo de renda per capita. É fácil constatá-lo: basta entrar nos sítios da internet de organismos públicos brasileiros. Em seguida, procurem-se informações nos sítios equivalentes do México, Índia, Rússia etc. etc. etc. O contraste é gritante. Nem vale a pena comparar o Brasil com países com PIB per capita muito mais baixo, como Uganda, Sri Lanka, Paraguai, Quênia etc. Nesses países, a informação simplesmente não existe.

Isso não significa, repito, que a situação brasileira seja excelente. Ao contrário. Por exemplo, outro dia, buscando informações sobre a declaração de bens de ministros e outros altos funcionários federais, fui ao sítio do Diário Oficial da União, onde essas informações são obrigatoriamente publicadas quando da nomeação dessas pessoas. Contudo, o motor de busca do DOU é tão malfeito (estimulando a conjectura paranóica de que isso seja de propósito) que não consegui encontrar a informação.

Escrevi ao DOU reclamando. Responderam-me que o assunto teria sido encaminhado ao Ouvidor do órgão, o qual entraria em contato comigo "oportunamente" (cada vez que se lê essa palavra, já se sabe que o que vem pela frente é procrastinação). Isso já faz mais de um mês e não ouvi uma palavra do Ouvidor. Acho que só ouvirei do Ouvidor se entrar na Justiça contra o órgão, ele ou os dois ? o que jornais, por exemplo, começam a fazer.

Malha-se a Constituição brasileira porque definiria direitos de que o cidadão concretamente não goza, como é o caso do acesso à informação. Receio que haja um equívoco de base em tais críticas. Direitos não são garantidos em pedaços de papel ? eles são garantidos quando aqueles que são detentores formais dos direitos brigam para garanti-los, e isso implica ir à Justiça. O ordenamento formal de uma sociedade não é a mesma coisa que o ordenamento concreto. Nenhum papel garantirá nada se as pessoas não lutarem pela concretização dos direitos formais. O racismo está aí para prová-lo.

(*) Secretário-geral da Transparência Brasil <http://www.transparencia.org.br>