Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma televisão diferente

TVs UNIVERSITÁRIAS

Cláudio Magalhães (*)

Apud Boletim da ABTU (n? 61? 4/11/03), da Associação Brasileira de Televisão Universitária <http://www.abtu.org.br>


Imagine uma televisão onde o conteúdo é tão importante quanto a forma. Onde "educativo" não é sinônimo de coisa chata, mas de entretenimento com conhecimento. Uma TV onde você veria caras novas discutindo questões atuais de pontos de vista os mais diferentes. Onde a ciência é vista como participante do cotidiano e não como algo exótico ou uma prática restrita a laboratórios inóspitos e cientistas malucos. Um lugar onde os formatos tradicionais de se fazer programas de televisão se unem a ousadias, propostas inusitadas e linguagens experimentais, propícias daqueles que ainda não se padronizaram por modelos confortáveis e conformistas.

Esta televisão existe, tímida, reclusa, propensa a erros e acertos nas mesmas proporções, mas persistente como os primeiros pioneiros de televisão no Brasil. É a Televisão Universitária.

Que não se pense que trata-se de algo novo. A primeira TV Universitária surgiu em 1967, em Recife, e foi, então, a primeira TV Educativa do país, categoria de televisão criada pelo Decreto-Lei 236, de 1967, que contrapunha a televisão comercial, já em grande expansão pelo país. Mas, embora tenha começado bem, a televisão universitária não teve grandes avanços pois, mesmo tendo preferência para as obtenções de outorgas, as universidades foram preteridas quando da distribuição de canais. As TVs educativas serviram, por muito tempo, como moeda de barganha política e de instrumento estatal de divulgação ?oficial?, desvirtuando o objetivo de criar uma opção de televisão preocupada com o conhecimento.

O grande passo foi dado mesmo em 1995, com a Lei 8977, a conhecida Lei do Cabo, que obrigou as operadoras a criarem os "canais básicos de utilização gratuita" (Art. 23) para uso de interesse público, entre eles o canal universitário. Conquista da comunidade acadêmica, e não favor das operadoras, a legislação foi o estopim para uma primeira expressiva expansão de instituições de ensino superior (IES) em busca de sua televisão. Inicialmente utilizando-se de seus laboratórios de audiovisual dos cursos de graduação, rapidamente as IES descobriram na TV um importante instrumento de extensão acadêmica e contato com as comunidades de seu campo de atuação, institucionalizando sua estrutura e fazendo com que a TV servisse ao projeto geral da entidade.

Hoje existem mais de 30 canais universitários a cabo e 15 televisões educativas abertas mantidas por IES, envolvendo cerca de 100 entidades acadêmicas produzindo TV. Esta expansão fez com que surgisse a ABTU ? Associação Brasileira de Televisão Universitária, que agrega IES produtoras de TV, tanto a cabo como aberta, e que é a interlocutora do segmento. A outra atividade da Associação é incentivar as IES a fazerem TV universitária das mais diversas maneiras possíveis.

É que um dos conceitos de Televisão Universitária mais adequados é aquele que prevê a produção por Instituições de Ensino Superior (IES) e transmitida por canais de televisão (abertos ou pagos) e/ou por meios convergentes (satélites, circuitos internos de vídeo, Internet), quaisquer que sejam eles e que tenham potencial de crescimento de audiência. Ou seja, desde que a produção audiovisual seja realizada pela comunidade acadêmica e saia do ambiente restrito da sala de aula e dos laboratórios, se está fazendo TV Universitária. E a difusão é tão importante quanto a produção pois é esse o caráter da televisão.

Não importa se é produzido pelos alunos, professores, funcionários, pesquisadores ou todos eles em conjunto, mas sim que seja pautada estritamente à promoção da educação, cultura e cidadania e que tenha o desejo de ser visto pelo maior número possível de pessoas. Daí, produzir e transmitir para uma cidade de 1 milhão de pessoas ou levar um programa de prevenção aos postos de saúde do município, se está fazendo TV Universitária.

Por ser um segmento bastante interessante, juntando a sisuda academia com a nem sempre tão bem comportada televisão brasileira, a TV Universitária tem sido, cada vez mais, objeto de estudo. Não é para menos, já que, até recentemente, era ainda grande o número de professores e pesquisadores que olhavam de nariz torto para a televisão. Ver a academia se apropriando de um veículo muitas vezes rejeitado é algo a se estudar. Diversas IES já incentivam seus estudantes, tanto na graduação quanto na pós-graduação, a desenvolverem projetos que estudem, pela academia, o segmento de TV universitária nos seus mais diversos aspectos.

Não há, no entanto, uma linha de pesquisa específica para isso, centralizada ainda nos programas de comunicação social, com honrosas exceções. Alguns destes trabalhos podem ser visitados na página da ABTU , de longe o site com o maior volume de informações do segmento, inclusive com notícias atualizadas da movimentação do setor.

Haveria muito ainda o que dizer da TV Universitária do que nos permite o espaço. Principalmente em relação a difusão de conhecimentos gerados na academia, ao seu potencial de promoção e reforço de valores de convivência democrática, o atendimento a demandas de informação e de entretenimento, a inclusão e a participação social, o apoio às comunidades, tudo que hoje a TV tradicional não oferece a contento e que a TV Universitária, não só tem o potencial para tal, como está na sua gênese. Sem esquecer de todos os problemas institucionais, dilemas conceituais e confrontos que esta proposta de TV alternativa oferece.

Basta terminar dizendo que acredito em uma TV Universitária feita com esforços conjuntos: dirigentes, professores, funcionários, alunos, instituições sociais públicas e privadas, empresas, telespectador. Pois é assim o caráter da atividade de tudo que é público e social: difícil, traumático, demorado. Mas formador, cidadão, democrático.

(*) Jornalista, professor, mestre em Comunicação Social e doutorando em Educação (UFMG), vice-presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU) e coordenador da TV UNI-BH Inconfidentes, Ouro Preto (MG); autor de Manual para uma TV Universitária