Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Universidades odeiam a televisão

TV NO CAMPUS

Antônio Brasil (*)

Em recente seminário sobre telejornalismo realizado em São Paulo, discutiu-se um tema polêmico que interessa aos futuros jornalistas: as TVs universitárias como porta de entrada no mercado para os estudantes de jornalismo. Não resisti à ingenuidade da proposta e ao desconhecimento em relação às TVs universitárias no Brasil e comentei, em tom de provocação: "Só se for uma porta fechada!"

As TVs universitárias brasileiras, que deveriam ser janelas para o mundo, são ignoradas pelo público e têm uma programação muito ruim. Reclamam da falta de apoio e de recursos. Mas já estão no ar há seis anos e garantem bons empregos para poucos. E se vocês ainda perceberam, elas não produzem telejornais independentes, não transmitem programas ao vivo e muito menos com estudantes. Tudo em nome da paz, tranqüilidade e segurança do meio universitário brasileiro.

E os estudantes? Apesar de terem lutado tanto pelas TVs universitárias e pela democratização meio, hoje eles não passam de "figurantes". Podem participar, aplaudir, mas não podem reclamar ou contestar o modelo. TV universitária é coisa séria e deve ficar sob o controle das reitorias. Nas TVs universitárias brasileiras não pega bem criticar nada, muito menos… as universidades. Essas emissoras também ignoraram as eleições brasileiras em nome da paz, da tranqülidade e da segurança de uma omissão muito lucrativa. O único jornalismo que conhecem é o jornalismo chapa-branca, aquele que costuma não dizer nada e elogiar tudo.

No mesmo clima de "indignação" aventei uma hipótese ainda mais ousada: as universidades brasileiras odeiam a TV! Ignorada durante muitos anos pelas pesquisas, só recentemente a televisão tornou-se alvo do olhar de alguns poucos acadêmicos. Mesmo assim, boa parte das pesquisas ainda é pouco científica, preconceituosa e ingenuamente ideológica. Ao contrário do cinema, falar mal da TV é muito chique no meio universitário. Mais acostumadas a lidar com a cultura erudita, nossas instituições públicas ? as únicas que ainda arriscam uma pesquisa acadêmica ? desprezam o meio televisivo. Afinal, a TV é uma expressão de cultura popular voltada para o mal. Essas pesquisas tendem a sedimentar preconceitos ao privilegiarem tantas opiniões, teorias inapropriadas ou meros "achismos" sobre o meio.

Em sua grande maioria, os acadêmicos que ainda se dedicam à TV estão distanciados da verdadeira prática profissional. Muitas dessas pesquisas refletem visitas apressadas às redações de TV ou experiências profissionais de um passado longínquo. Ao contrário das universidades, a TV é dinâmica e muda o tempo todo. Infelizmente nem sempre para melhor.

Ou seja: não podem existir dois segmentos tão diferenciados e com tantos contrastes como a TV e a Universidade. A superficialidade do conteúdo televisivo produzido sempre com tanta pressa e voltado para grandes audiências se opõe diretamente à elitização, ao tempo e aos objetivos acadêmicos de nossas universidades.

Cara e perigosa

Em se tratando das TVs universitárias, o que deveria ter sido um casamento promissor se tornou uma grande decepção com resultados medíocres. Surpreendidas e sem saber muito bem como e o que fazer, as reitorias das universidades brasileiras parecem ter recebido um verdadeiro "presente de grego". Montar estúdios com equipamentos inapropriados mas que impressionam quem não entende muito de TV tem sido a regra nas TVs universitárias brasileiras. Também se contratam profissionais "disponíveis" no mercado que se tornam professores-fantasmas mas que têm a obrigação de fazer uma televisão que não incomode muito.

A solução copia de forma tosca o modelo estabelecido e não cria nada. Criar significa a possibilidade de errar. Nas TVs universitárias brasileiras errar não significa perder a audiência ? ninguém assiste mesmo ? mas pode significar perder um bom emprego em tempos de crise no mercado.

Assim como tantas outras, a idéia original que criou as TVs universitárias no Brasil era muito boa. A Lei n? 8.977, de 6 de janeiro de 1995 (Lei de TV a cabo), determina que as operadoras de TV a cabo tornem disponíveis alguns canais básicos de utilização gratuita. Mas, ao mesmo tempo, a lei engessa as possibilidades de as universidades obterem recursos via publicidade. Além disso, uma programação ruim não garante a audiência. O circulo vicioso está formado. Para completar a tragédia, as TVs universitárias brasileiras são prisioneiras de um sistema de TV paga estagnado e falido. TVs públicas que deveriam ser gratuitas custam muito dinheiro aos assinantes das TVs por assinatura. Muito dinheiro para não ver nada de novo. Gente falando sobre si mesmos o tempo todo. Total desprezo pela noções mais básicas da produção televisiva. Uma fogueira das vaidades queimando milhares de dólares inutilmente todos os dias.

TV é um meio de comunicação poderoso que seduz a todos. Alguns se contentam em assistir mas muitos só querem aparecer. Tem a capacidade de incentivar um consumo irresponsável ao convencer tantos alunos e suas famílias a pagarem muito dinheiro por péssimos cursos universitários. Elege políticos e reitores, mas também garante privilégios para alguns profissionais. Produzir boa TV não carece de muitos recursos, mas não dispensa jamais a ousadia e a criatividade. Com liberdade e participação efetiva, de alunos e de professores, pode ser um instrumento revolucionário. Tem o potencial de mudar um cenário universitário brasileiro repleto de injustiças e privilégios.

Quanto ao velho jornalismo, costuma sempre tratar de alguma coisa que alguém deseja esconder. Todo o resto é publicidade. Não é à toa que não temos jornalismo em nossas TVs universitárias. Nas mãos de quem sabe e gosta, televisão fortalecer a democracia.

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ