Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vazamento substitui investigação

David França Mendes (*)

 

O cineasta Cacá Diegues deu entrevista ao Jornal do Brasil [“Bala dirigida”, ver remissão abaixo] e disse muita coisa que há muito tempo quero dizer: deu pau na superficialidade da crítica e do jornalismo dito cultural brasileiro; falou da programática e direitista burrificação do público pelo jornalismo deliberadamente blasé e superficial. Faltou, in my humble opinion, dizer que até mesmo os maus filmes, ou alguns dos maus filmes (como de resto maus livros, peças, exposições, eventos), devem sua existência também à generalizada decadência da crítica e do jornalismo cultural, que legitimam e dão respaldo aos lobistas, aos sem-talento, às figuras fashion, às nulidades novelescas e por aí vai.

O que é trágico, hoje, é que quase não há mais quem diferencie o que sabe escrever do que não sabe, o que sabe pensar do que não sabe. Penso também que, mais do que um fenômeno explicável dentro de uma dinâmica direita-esquerda, o que há é uma tomada do poder pela burrice – e uma burrice rancorosa, invejosa e vingativa. O “narciso às avessas”, o brasileiro que cospe na própria imagem de que falava Nelson Rodrigues. A “conspiração da mediocridade”, identificada por Glauber Rocha há mais de 20 anos, hoje não é mais mera conspiração: é partido político.

É de se esperar que críticos e jornalistas se coloquem em posição defensiva diante dessa entrevista. Alguns devem mesmo se defender, porque estão de fato sendo atacados, e merecidamente atacados. Mas críticos, repórteres e editores de cultura que não estão comprometidos com a burrice (e há vários) deveriam aproveitar a oportunidade e não embarcar no corporativismo automático. Esse mesmo estado de coisas, denunciado por Cacá Diegues, também os prejudica.

Nas redações cada vez menos se diferencia (e se valoriza) quem sabe escrever e quem não sabe, quem sabe pensar e quem não sabe. A conspiração da mediocridade age contra vocês também. Não vistam carapuças que não lhes cabem.

(*) Roteirista e diretor de TV e cinema

 

Roney Cytrynowicz (*)

 

Quinta-feira, 22/4/99. Um jornal afixado na lateral de uma banca de jornal exibe uma manchete que se destaca mais que o próprio nome do diário: “Massacre no Rio”. A palavra massacre está grafada em vermelho e ocupa a primeira página de um lado a outro.

Não se trata, no entanto, de Kosovo nem da chacina na escola em Littleton, nos Estados Unidos, nem tampouco de uma chacina urbana em São Paulo ou no Rio de Janeiro. O jornal é o diário de esportes Lance! e a manchete se refere ao jogo do dia anterior, em que o Palmeiras venceu o Vasco por 4×2, em São Januário, classificando-se para as quartas-de-final da Taça Libertadores da América. Vitória expressiva e resultado importante, ainda mais porque o Palmeiras nunca venceu esse torneio.

Mas será eticamente correto um jornal ostentar uma manchete gritando “massacre” para se referir a um jogo de futebol na mesma semana em que massacres e chacinas de pessoas (de verdade) estão ocorrendo em Kosovo, nos EUA, em São Paulo e no Rio? Aliás, no fim de semana anterior ao jogo em São Januário ocorreu um homicídio em uma briga de torcedores do São Paulo e do Corínthians.

Já haveria suficientes questões para discutir sobre quando utilizar termos como “chacina”, “massacre”, “extermínio”, “genocídio”, mas certamente importa usá-los com extremo cuidado para não banalizar ainda mais a violência. O primeiro sentido de massacre no dicionário (Aurélio ou Caldas Aulete) é “morticínio cruel, matança, carnificina” – mesmo que o dicionário admita, depois, o uso que o jornal deu ao termo.

Esta discussão obviamente não é um questão de trocar palavras tampouco uma proposta de verbete de manual de redação, nos quais regras rapidamente se cronificam e tomam o lugar de uma reflexão mais apurada. Também não se trata de propor a instituição de um vocabulário politicamente correto no esporte. Muitos radialistas e cronistas esportivos celebrizaram dezenas de expressões simpáticas, inusitadas, curiosas, estilos pessoais de narrar, e esse é um aspecto muito interessante e particular do jornalismo esportivo.

Duas questões, das muitas possíveis, podem ser discutidas inicialmente. Os responsáveis pelo jornal Lance! poderiam dizer que “massacre” é um termo corriqueiro, largamente utilizado no jargão jornalístico esportivo, e que em um jornal de esportes a palavra adquire outro peso, outro sentido, como a primeira manchete interna do jornal no mesmo dia: “Paraguai arrasa Brasil”. A este argumento pode-se responder que em um estádio de futebol muitas palavras são comumente ditas e há dezenas de expressões características do repertório de insultos, e nem por isso elas se tornam manchete de jornal, por mais conhecidas e disseminadas que sejam. Prova é que a manchete da vitória do Palmeiras não anunciava, entre muitas opções, algo como “O porco massacrou”, já que “porco” é, neste caso, um insulto que ofende os palmeirenses.

Um jornal esportivo deve ter o compromisso ético em manter a rivalidade e as disputas – que afinal alimentam a própria existência do jornalismo esportivo – dentro de um espaço em que isso não contribua para o clima de violência e assassinatos. Palavras induzem, sim, à violência. Além disso, o uso corriqueiro da palavra “massacre”, associado a um jogo de futebol, banaliza e esvazia a seriedade e a necessária precisão de sua utilização quando se trata de escrever sobre os massacres em Kosovo ou uma chacina urbana.

Um jornal esportivo, da mesma forma que a mídia em geral, não pode se esquivar de seu lugar privilegiado enquanto veículo de educação para a cidadania. É preciso que exista responsabilidade e compromisso em romper qualquer forma de indução de violência na sociedade. A escolha da chamada principal de capa é um lugar crítico para isso, ainda mais em um jornal esportivo cujo público é formado também por torcidas e torcedores armados de rivalidades profundas.

Certamente existe criatividade de sobra no jornalismo esportivo – e o próprio Lance! diariamente dá exemplos disso – para brincar com as disputas, para noticiar o clima de rivalidades, para desarmar os espíritos, sem que jamais o jornalismo apele dessa forma para uma manchete que banaliza e contribui para acirrar o clima de violência dentro e fora do esporte.

(*) Historiador, doutor em História pela USP e autor de Memória da barbárie – A história do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial (Edusp). Foi editor da revista Shalom

 

Carlos Vogt

 

A revista Época está mudando de cara e já mudou de chefes: assumiu Augusto Nunes como diretor de redação e Aluízio Maranhão, como diretor-adjunto. José Roberto Nassar, na Editora Globo há muitos anos, foi o responsável pela revista desde o lançamento até ser substituído por Nunes, dentro das mudanças gerais promovidas pelo novo diretor geral, Marcos Dvoskin.

Nassar é um ótimo profissional e a ele se deve o sucesso de Época na fase bandeirante de sua implantação. Augusto Nunes e Aluízio Maranhão formam uma dupla de sucessos reconhecidos que, sem dúvida, repetirão nesse novo e instigante desafio.

A primeira edição da revista sob a batuta dos dois já mostrou a que veio, a começar pela reportagem de capa sobre a morte do estudante Edson Tsung Hsueh, durante a festa-trote de veteranos e calouros da Faculdade de Medicina da USP; e pela bola dentro da denúncia das ligações perigosas entre Chico Lopes e Sérgio Bragança, antes da revelação do documento que comprovaria a existência de mais de 1,5 milhão de dólares de propriedade do primeiro em conta do segundo.

A cara de Época também já mostra modificações e o tom incisivo da reportagem “Trote mortal” dá o alcance de sua adequação ao horror do bárbaro ritual que denuncia.

Vamos acompanhar com interesse crítico as mudanças de Época.

As revistas Veja e IstoÉ fazem também o seu trabalho correto de acompanhamento de possíveis roubos e venda de informações do Banco Central e de todo o comércio privilegiado e ilícito que pode estar favorecendo uma casta de funcionários e banqueiros com o dinheiro alheio. Mérito, pois, para as nossas revistas, que em jornalismo investigativo adquiriram, depois do caso Collor, um know how e uma expertise de exportação. O cuidado é sempre o de não ultrapassar os limites éticos da atividade profissional, isto é, não ceder à síndrome da Escola Base e sair por aí prendendo, julgando e encarcerando antes dos procedimentos institucionais competentes. E essa é uma tentação que perpassa todas as reportagens de todas as revistas, sobretudo quando se sabe que escândalo vende e que, entre tantos predicados de nossa brasilidade, um não falta: o do apego de nossos políticos às CPIs e de nossa mídia ao espetáculo que elas proporcionam. Movido à mídia, este é um universo de endogenias perigosas, de eficiência comercial e política grande e de eficácia ética duvidosa.

O escorregão fica por conta da Veja, que na edição de 7/4/99 traz reportagem de capa extremamente oportuna e da maior importância e seriedade: o desmatamento criminoso no país. Na capa, abaixo do selo Exclusivo vem o título “O massacre da moto-serra”, consagrando um erro evidente de grafia que, no entanto, não se repete no interior da matéria. No seu número seguinte, a revista, tendo recebido cartas de muitos leitores, conforme ela própria noticia, oferece uma explicação que era melhor ter guardado na gaveta. Diz Veja, à pág. 29: “A grafia adotada na chamada da capa pode ofender a ortodoxia da regra culta do idioma, mas tem boa justificativa gráfica. […] Na capa em questão, optou-se pelo hífen para diminuir a quantidade de letras na frase, facilitando seu entendimento.”

Veja chama este procedimento de “limpeza gráfica”, o que é, no mínimo, desavisado e de mau gosto, sobretudo considerando que a reportagem de capa – boa, aliás – da edição da revista que traz essa justificativa é sobre a guerra étnica na Iugoslávia, em que a forte motivação dos sérvios para a perseguição aos kosovares é o que eles chamam de “limpeza étnica”. Impossível não ter arrepios, por analogia gráfica e por associação metafórica.

 

Wanda Jorge

 

O primeiro ataque da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a um país soberano, em 50 anos de sua existência, aconteceu em 24/3/99. O bombardeio às forças sérvias responsáveis pela limpeza étnica contra albaneses na província do Kosovo, no entanto, pareceu assunto de segunda linha aos editores das três principais revistas semanais brasileiras. Da mesma forma, o assassinato do vice-presidente do Paraguai, ocorrido na mesma semana, não despertou maior interesse.

Afinal, existiam assuntos mais candentes para essas revistas retratarem em suas capas: a depressão da mulher, oprimida por uma poltrona imensa na capa de Veja; a fúria das ex-mulheres na imagem produzida de uma boxeadora na capa de IstoÉ para retratar como são vingativas as descasadas de hoje; e Época requentava mais uma das incontáveis matérias sobre a escalada da violência urbana e a banalização da vida com um “Adeus às armas”. Como as demais, fotos produzidas em estúdio.

As imagens vivas das populações abandonando suas casas no Kosovo em busca do refúgio na Albânia ou Macedônia e pirotecnia dos bombardeios em Belgrado talvez não fossem jornalísticas o bastante para o critério editorial das prestigiadas semanais. Deplorável e, antes de tudo, inexplicável.

Alguém poderia tentar explicar este acúmulo de matérias frias numa semana especialmente quente em notícias e fotos a uma possível tentativa de evitar capas iguais entre as três concorrentes. Crítica bondosa pois nenhuma das três publicações dignou-se a retratar uma mínima chamada na capa sobre o drama do ataque da Otan à população dos Balcãs. Apenas três semanas depois, quando o assunto já cresceu, evoluiu para debates mais aprofundados sobre a credibilidade das informações sob o crivo da CNN e buscou-se fontes respeitadas de análise em vários países sobre a ação policial-militar da Otan, é que a revista Veja descobriu a Guerra Pós-Moderna, enfoque dado à sangrenta e incompreensível violência que a população da ex-Iugoslávia enfrenta há semanas.

Na verdade, a definição editorial pelo supérfluo, pelo comportamental, é cada vez mais evidente nos três títulos, o que os torna cada vez menos identificáveis entre si e mais dispensáveis como fontes de reflexão. Se o grande debate que antecedeu o lançamento da revista da Editora Globo, há pouco mais de um ano, era se existia espaço para mais um título, o que os leitores devem perguntar hoje é para que servem três semanais desse porte se nenhuma consegue dar conta da tarefa de orientar o leitor com informações aprofundadas e esclarecedoras de um conflito com tanta complexidade nos envolvimentos étnicos, culturais, econômicos e geopolíticos.

 

Luiz Andrioli (*)

 

Três da tarde de uma quinta-feira. Recebo uma ligação de um amigo que trabalha em um jornal de “peso”. Estava ele em busca de informações sobre o espetáculo teatral Gata em teto de zinco quente, estrelado pela “miss-atriz” Vera Fischer. Ele gostaria de conhecer a sinopse do texto, do dramaturgo americano Tennessee Williams. O release que recebeu da produção local do espetáculo não trazia informações sobre o texto nem sobre o autor. Ressaltava apenas informações sobre a “estrela” Vera Fischer. Ando em frente ao teatro onde será apresentado o espetáculo. No cartaz, um grande retrato de Vera Fischer. Coloco os óculos e sem sucesso e procuro o nome do autor.

Não desejo ser defensor dos autores desconhecidos, pois o teatro é a arte do ator, por excelência e reconhecimento. Mas, convenhamos: Vera Fischer não é exatamente um exemplo de atriz, no melhor sentido da palavra. Palavras da própria: “Não gosto de elaborar, pensar ou estudar. Deixo para a reta final e, como num jogo, arrisco para ver o que vai dar”. Um atriz que não pensa, elabora, tampouco estuda uma personagem…

Merece ela tanto destaque? Só num mundo de valores invertidos.

Até acredito no bom gosto de Vera Fischer, pois escolheu um texto de um dos grandes dramaturgos do nosso século. Ela poderia ter embarcado num besteirol sem sentido, ou coisa que o valha. Duvido apenas do “senso artístico” do sistema que a circunda. Deixar de lado informações sobre a vida e a obra de Tennessee Williams é no mínimo um desrespeito à história da dramaturgia. Colocar um “mito global” à frente de Williams merece que se duvide da capacidade intelectual das pessoas que respondem pela divulgação do espetáculo. Seria demais pedir um pouco de equilíbrio nas prioridades de divulgação?

(*) Estudante do 3º ano de Jornalismo

 

Alan Severiano (*)

 

A guerra da mídia ganha proporções cada vez mais impressionantes, com prejuízo para o leitor/ouvinte/telespectador/consumidor.

Os dois maiores jornais diários de São Paulo travam uma verdadeira batalha pelo público, fazendo propaganda editorial. Quando digo editorial, me refiro ao enaltecimento das respectivas empresas dentro das próprias reportagens. O negócio está um absurdo!

Tomem-se como exemplo as edições da Folha de S.Paulo e do Estado de S.Paulo de 20/4/99. Na primeira página do Estadão, uma matéria de menos de duas colunas tem seis citações ao jornal. Algumas delas: “Ela (uma vereadora) disse que as reportagens publicadas pelo Estado reuniram provas muito mais fortes do que as obtidas contra Viscome”; “…preciso ouvir a versão da vereadora (…), em que pese todo o respeito que tenho pelo Estadão“; “As lideranças das bancadas (…) acham muito difícil que os fatos revelados pelo Estado no domingo não caracterizem quebra de decoro parlamentar”.

Na Folha, nove “self-elogios” nas três primeiras páginas. Alguns deles: “A decisão (do PT de pedir investigações) foi tomada após reportagem publicada ontem na Folha“; “O ex-prefeito (Paulo Maluf) não perdoa a entrevista da mulher de Pitta à Folha, em que ela revelou o voto em Mário Covas”.

Afinal, quem é a notícia. A sra. Folha ou o sr. Estado? É, pelo menos, de se duvidar da seriedade das informações de um jornalismo “investigativo” comprometido, antes de qualquer coisa, com o dinheiro. Está difícil ler jornal assim.

(*) Jornalista, repórter da TV Cultura de São Paulo

 

Andreas Adriano (*)

 

A TV Cultura decidiu criar uma espécie de código de conduta, um decálogo que deverá nortear o jornalismo da emissora. O assunto mereceu a manchete do Caderno 2 do Estado de S.Paulo de 27/4/99, em matéria de página inteira. A emissora estimulou debates internos na redação e buscou consultoria de um jornalista de larga experiência, Washington Novaes. A partir de agora, tornam-se obrigatórias regras como: “A pauta deverá ‘fugir à passividade’ e não ter como base o noticiário dos jornais”; “o hard news não será determinante na montagem da pauta. Deverão ser evitadas as matérias que privilegiem o sórdido ou a destruição, que visam à audiência”; “o jornalismo público deve levar em conta a ética do cidadão. Não deve ser pautado pela lógica do mercado, da audiência a qualquer preço”. Cito da matéria do jornal, fora da ordem em que os “mandamentos” foram apresentados.

Não deixa de ser triste notar que coisas tão óbvias ainda precisam ser gravadas em pedra para serem lembradas. Deveriam soar como aquelas plaquinhas pregadas na porta de todos os elevadores de São Paulo, que dizem, com outras palavras, “antes de entrar no elevador, tenha certeza de que ele está parado no andar”. Óbvias, mas nem tanto, tanto que tiveram grande destaque num de nossos maiores jornais.

Deixando o pessimismo de lado por um momento, a iniciativa da Cultura merece um brinde. Não é todo dia que órgãos de imprensa, especialmente emissoras de televisão, param para pensar e se propõem a divulgar normas de comportamento tão claras e diretas. Voltando ao pessimismo, é uma prova de que essas coisas andam raras na praça. Levar em conta a ética do cidadão, evitar o sórdido e a destruição, privilegiar o interesse público e não fazer de tudo por audiência deveriam ser coisas consuetudinárias, ou seja, práticas tão antigas quanto esta palavra, que nunca precisaram ser escritas e que ninguém mais lembra quando começaram. Mas, sabe-se bem, o consuetudinário é justamente o oposto. Show, apelação, sordidez seguida de futilidades e baboseiras.

Para além das considerações teóricas e linhas de ação éticas, a rede anuncia medidas práticas louváveis, como investir nos pauteiros, contratando gente experiente e tarimbada, e resistir à tentação de extrair dos jornais a pauta daquele dia. Uma coisa é conseqüência da outra: pauteiros despreparados e inexperientes não terão capacidade de produzir pautas originais e vão copiar o que deu no jornal. Trabalho numa revista quinzenal de economia e sei como é difícil elaborar pautas que, além de atraentes, oportunas e inteligentes sejam diferentes dos jornais do dia e das revistas da semana. Certa vez, um colega de faculdade, pauteiro de TV, elogiou uma matéria minha publicada dias antes. Em seguida acrescentou: “Desculpe, você sabe como é, às vezes a gente ‘chupa’ a matéria dos jornais…” Aliás, corria na época uma piada maldosa, segundo a qual o pauteiro era o único jornalista da TV que lia jornais…

Se pensarmos que, até poucos anos atrás, o apresentador da maioria dos telejornais (ainda deve ser assim fora dos grandes centros) era apenas um sujeito com boa pinta e voz impostada, tem-se uma boa medida do problema: no início do processo, um profissional inexperiente (muitas vezes pouco mais que um estagiário), e no final um profissional de outra área (a locução).

Na verdade, a culpa de o pauteiro ter-se transformado num burocrata, cuja função muitas vezes é colar o release ou o recorte de jornal na folha de pauta, é da própria TV. Uma vez que o produto final geralmente é consistente como ar, para que contratar alguém mais competente?

Raios de sol

Chama atenção o fato de uma iniciativa como esta ter partido justamente da única emissora que tem seus laços de dependência claramente definidos. Dizem que todo mundo tem o rabo preso em algum lugar, mas só se sabe com certeza onde o da TV Cultura está amarrado: no governo estadual de São Paulo. Manter uma atitude crítica em relação a quem vai aprovar o seu orçamento do próximo ano será um desafio e tanto para o jornalismo da emissora. Especialmente no longo prazo. Afinal, os mandatários mudam a cada quatro anos e não é nada difícil que os sucessores do atual governo não queiram saber de patrocinar seus próprios críticos. Como se sabe, políticos, em sua maioria, não gostam de críticas públicas e imprensa independente, e sua visão de longo prazo raramente alcança além da próxima eleição (ou reeleição). Deixar de utilizar a TV pública para se promover e ainda aceitar críticas é um grande altruísmo, considerando-se a média da classe política brasileira.

Outro desafio é a proposta de aumentar a cobertura nacional de outros Estados onde existam TVs públicas. As TVs educativas são subordinadas aos Estados e isso implica que vão navegar ao sabor dos ventos políticos locais. E o jornalismo, qualquer forma de jornalismo, quase sempre tem um nível de independência inversamente proporcional à distância dos grandes centros. Infelizmente, diga-se. Durante certa época, por exemplo, o Paraná recebeu a TV Educativa do Rio de Janeiro apenas porque o governador de então era inimigo político do governador paulista. Sem falar na diferença de qualidade. A TV Cultura de São Paulo é muito diferente das TVs públicas dos outros Estados, inclusive o Rio de Janeiro. Ou seja, capacidade profissional e recursos técnicos também variam muito. Equalizá-los não será uma tarefa fácil.

Mas é claro que sempre há muitos motivos para não fazer as coisas. A iniciativa da Cultura merece todo apoio e torcida. É uma luz no fim do túnel e não é o trem vindo na direção contrária. Ainda é tênue. Mas, como os primeiros raios do sol da manhã, não deixa de ser bela.

(*) Repórter da revista América Economia

 

Isabela Nogueira

 

Os jornaleiros paulistanos estão enfurecidos. Parte deles vem sofrendo cortes no reparte de jornais que recebem dos grupos Folha e Estado depois de se negarem a vender os produtos promocionais (CDs, livros, fitas de vídeo e badulaques em geral) que acompanham as publicações. Em 27/3/99, os jornaleiros de São Paulo tiveram sua comissão reduzida de 30% para 20% sobre o valor dos produtos promocionais dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. Eles decidiram, então, suspender a venda dos brindes [ver remissão abaixo].

A retaliação das empresas proprietárias de jornais veio um mês depois. Em 25/4/99, das 38 bancas instaladas na Avenida Paulista, apenas quatro receberam o número rotineiro de exemplares da Folha. De acordo com Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo, os cortes nos repartes vão de 30% a 90%. No caso da Banca Milênio, localizada defronte ao número 1.343 da Paulista, o corte foi maior. Dos costumeiros 85 exemplares, a Folha enviou apenas dois.

O jornaleiro Ancelmo Juociunas, que tem uma grande banca na Praça do Pombo, no bairro de Moema, também em São Paulo, sofreu no domingo, 18/4/99, um corte de 75% no número de exemplares do Estado de S. Paulo. “Costumávamos trabalhar com 120 jornais mas, nesse domingo, só recebemos só.” No domingo seguinte, dia 25, o jornaleiro não recebeu nenhum exemplar da Folha. “Dificilmente deixamos de vender uma Folha, por isso eles não podem alegar que há excesso de encalhe.” Juociunas diz que costuma vender 300 exemplares da Folha, aos domingos.

O vice-presidente do Sindicato dos Vendedores, Armin Jung, diz que os jornais Folha e Estadão “se uniram contra o jornaleiro”. “Eles não querem que essa retaliação pareça algo proposital. Assim, estão se alternando no corte”, afirma. A entidade está preparando um mandado de segurança contra os novos critérios de distribuição dos dois jornais.

Para evitar o prejuízo, o grupos Folha e Estado estão instalando postos volantes em diferente pontos da cidade – onde vendem, além dos jornais, os produtos promocionais que os jornaleiros se negam a repassar. O Sindicato dos Vendedores denunciou essa ação à Secretaria das Administrações Regionais na primeira semana de abril, mas o órgão ainda não se pronunciou. “Essas peruas não têm autorização e não podem vender nada em área pública. A Secretaria está acobertando as empresas”, acusa Francisco Ranieri Netto, presidente do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo.

 

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