Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja, a exceção e a regra

PÚBLICAS vs. PRIVADAS

Victor Gentilli

O noticiário de educação sumiu dos jornais e das revistas. Os jornais informam burocraticamente o que chega por press release e as revistas fogem do assunto, embora assunto não falte.

Registre-se Veja como exceção. Aliás, a revista talvez seja a única publicação expressiva que tem um colunista regular especializado em educação, embora este tenha o costume de incorrer em deslizes vários. Cláudio de Moura Castro já foi criticado neste Observatório por Deonísio da Silva e por este que tecla estas linhas. Há quem goste de Moura Castro. Ele presta serviços para várias entidades de escolas particulares e é sempre convidado a visitar uma ou outra. Já ganhou elogios em página inteira de Ronald Levinsohn, dono da UniverCidade, por defender que as escolas que tiram "E" no Provão não são tão ruins assim…

Na edição desta semana (n? 1.743, 20/3/02), Veja traz matéria que ilude o leitor ao mostrar que 77% dos executivos são oriundos de faculdades particulares ("As escolas do PIB", págs 100-103). Se em vez de executivos a pesquisa em que se baseou a matéria tratasse dos empresários, ficaria patente que a maioria sequer cursou ensino superior. Isso provaria o quê?

A própria revista destaca que entre aqueles que cursaram universidades privadas estão os que vieram da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ou da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), instituições privadas mas de nível de ensino equivalente às instituições públicas. Poderia acrescentar outras confessionais como as Universidades Metodistas ou mesmo a Mackenzie.

O que distingue essas instituições das demais privadas? O investimento em pesquisa. Só quem investe permanentemente e em todas as áreas em pesquisa pode oferecer um nível de ensino bom.

Cláudio Moura e Castro, entrevistado pelo autor da matéria, aplaude os resultados porque a pesquisa apresenta dados que mostrariam que, embora as instituições privadas oferecessem 65% dos formandos, 77% deles estão em cargos executivos. E é essa diferença que ele destaca.

Nada mais flexível em Veja do que o conceito de "executivo". O infográfico que a revista apresenta praticamente desmente os argumentos da matéria e de suas fontes escolhidas a dedo. Dentre estes casos encontra-se Alcides de Souza Amaral, ex-presidente do Citibank, que fez Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. Registre-se que a Cásper Líbero é mantida por uma Fundação e não tem nenhum dos atributos das conhecidas fábricas de diplomas como Unip, Uniban, Estácio de Sá, UniverCidade e que tais. Os diretores da Cásper Líbero não andam de jatinho; aliás, nem de helicóptero, embora a localização da escola facilitasse seu uso. De todo modo, a matéria não diz se o banqueiro aposentado é um bom jornalista.

No infográfico, os números são muito diferentes nas três categorias que a pesquisa levantou: alta direção, direção e gerência. Particularmente entre os dois primeiros e o último. Sim, 81% dos gerentes são oriundos de escolas privadas.

O que define alta direção, direção e gerência? O que é um gerente? Um gerente é um executivo?

Com os mesmos dados da pesquisa se poderia fazer uma matéria afirmando exatamente o oposto: que o oriundo de escola privada tem muito mais chances de entrar gerente e permanecer gerente, enquanto o oriundo de escola pública tem melhores condições de ascender à direção e à alta direção.

A diferença que Cláudio Moura e Castro festeja ocorre na média e nos dados (citados) dos gerentes. Na alta direção e na direção, o número de egressos de privadas e a proporção destes nesses cargos é praticamente a mesma. Nada a saudar, por enquanto.

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