Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Viagem chocante

Maria Ignez Duque Estrada

 

C

om a revista Veja chegou aos leitores o número zero da publicação infantil Veja Kid, de acordo com a publicidade que a acompanha. Não é minha intenção criticar o nome da revista nem analisar seu aspecto “pra você”. Mas senti um choque, realmente maior do que andar de montanha-russa.

A reportagem propõe levar o leitor a conhecer um pouco mais sobre a vida das crianças em outros países. São poucas linhas sobre cada um e a dificuldade para o redator seria sintetizar o que realmente é “Se você tivesse nascido no Japão, moraria em uma casa minúscula. O mais legal de ser japonês é que a maioria dos games eletrônicos e novidades, como o Tamagotchi, chega primeiro nas mãos deles” (o destaque é: “Se você tivesse nascido no Nepal, tomaria um café da manhã estranho e reforçado”).

A descrição da vida das crianças em Cuba, na Rússia e nos Estados Unidos é: “Se você tivesse nascido em Cuba, seria obrigado, pelos seus pais e pelo governo socialista, a estudar. (…) Mas ninguém sonha em ter roupas ou mesmo um lápis novo.” Só.

O consumismo também é critério para a avaliação “Se você”. “Se você tivesse nascido na Rússia, sua vida estaria passando por mudanças: até 1991, os russinhos eram obrigados pelo governo socialista a ter roupas sem marca e brinquedos simples, tudo fabricado lá. Agora podem comprar lanches no McDonald’s e brinquedos estrangeiros, se tiverem dinheiro. Geralmente não têm”.

A conclusão do artigo também é: “Mas você nasceu no Brasil! Por isso, deve adorar futebol. E tem amigos de aparências (?) bem diferentes: loirinho, neguinho [por que não negrinho, afinal neguinho é tratamento carinhoso que se usa para todas as raças], japonesinho…

Se fosse um texto para o Casseta e Planeta, até que dava para morrer de rir. Tenho colaborado regularmente com Ciência Hoje das Crianças, publicada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A CHC é uma prova de que revista infantil pode ser ao mesmo tempo séria, divertida e atraente para os olhos. Seus artigos passam, de modo responsável, conhecimentos científicos e culturais, através de experimentos, jogos e histórias que sempre valorizam as diferenças entre as pessoas e os povos. Uma boa fonte de inspiração para o próximo número de Veja Kid.

 



Fabiano Golgo, de Praga

 

C

ada vez que algo novo chega às bancas do meu amado mas há muito deixado Brasil, incluo no “pedágio” requerido daqueles que me visitam na bela medieval Praga a revista ou jornal em questão.

Qual não foi minha surpresa ao receber a nova publicação dos megamídia-tupiniquins, dos líderes de mercado (palavra que raramente se conjuga com “seriedade”), a Globo. Quando meu convidado disse que ali estava a nova concorrente da Veja e da IstoÉ (que mais me parecem a mesma revista dividida em duas), tive um momento de confusão, pois achei que ele me passara a revista alemã Focus, da qual tenho alguns exemplares em casa.

Foram necessários alguns segundos de movimentação de emergência entre meus neurônios para que “abrissem” um subarquivo na região que tem registrado o estilo visual e o logo da Focus para a “nova” (sic) revista brasileira.

Obviamente o conteúdo de ambas difere, bem como outros detalhes de seu recheio. Mas como explicar que uma empresa da potência da Globo se preste a tal pobreza de idéias e copie o visual de uma publicação estrangeira? Não seria surpresa se fosse o pessoal do Sílvio Santos – que tem larga experiência em trazer o que há de pior do exterior (ou melhor, daqueles países em que podem entender um pouco da língua), ou se o Brasil estivesse carecendo de pessoas capazes de criar, na área visual – o que nossos incontáveis prêmios em publicidade, por exemplo, contradizem.

A Globo não pode sequer justificar com falta de recursos para pagar bons profissionais. Na ala televisiva do conglomerado mediático eles têm o certamente muito bem pago Hans Donner, que revolucionou o mundo das vinhetas eletrônicas nos 70 e 80 e,… opa! Eis o desfecho para minha confusão: esse mesmo Hans Donner que nos presenteou com as curvas futurísticas de suas morenas-esposas na abertura do Fantástico, no Globeleza e outras incursões, que criou o ambiente Star Trek no jornal das oito, nada mudou desde que começou.

Tudo na Globo tem a mesma cara, a mesma cor, a mesma roupagem, enfim, o mesmo estilo visual. O que fora vanguarda virou de massas. É o percurso natural de tudo o que é novo e bom. Mas quando muito se repete, vira velho e decaído. É o caso da ditadura visual do sueco Donner.

O pior é que seus truques de computador – outrora caríssimos empreendimentos que exigiam viagens aos EUA para serem executados – hoje podem ser feitos por qualquer estudante de computação gráfica em meio de faculdade. E que o pessoal das outras redes, ou TVs locais, se espelha no antigo, testado, aprovado (e batido) estilo global. O cansaço estético que esse fenômeno provoca não é medido pelos aferidores das emissoras, que se limitam a descobrir o que as camadas mais baixas (e extensas) da população querem assistir.

Calculando isso tudo, não poderia ser diferente o resultado visual do que pretende ser a terceira revista semanal a concorrer no farto mercado brasileiro. Farto sim, mas com apenas alguns setores de sua composição sendo atendidos, já que o manual americano manda pesquisar o que todos querem e então lhes oferecer exatamente aquilo.

Claro que a yuppiezada bugre pós-Collor não sabe adaptar manuais, filhos de uma cultura acostumada a caudilhos a lhes ditar as regras. Simplesmente ignoram as peculiaridades tropicais e copiam o que os vitoriosos da terra do Tio Sam fazem. Alguns, como tantos pretendentes a imigrantes que não conseguem um visto, somente chegam ao México. Mas é a cópia que prevalece.

Tudo bem, o Chacrinha era bem brasileiro, portanto podemos alegar estar seguindo seus provérbios de velho guerreiro. E a Globo pode fantasiar vôos estéticos europeus, uma vez que a Focus é alemã.

 



Victor Gentilli

 

O

u o Fantástico ou o Ibope comeu uma mosca monumental. No domingo, 26 de julho, o Fantástico apresentou os resultados de uma enquête do Ibope mostrando o desinteresse dos brasileiros com as eleições proporcionais. Segundo o levantamento, quase a metade dos entrevistados não votariam quatro anos depois no mesmo deputado federal em que votaram nas últimas eleições proporcionais. Até aí tudo bem, eis um problema para a consolidação democrática do país, mais um motivo para se pensar numa reforma política.

A matéria continua mostrando que, quase na mesma proporção, o mesmo ocorrerá com o senador. Opa!, ocorre que é impossível votar para o mesmo senador quatro anos depois. Simplesmente porque o mandato de senador é de oito anos. O Senado se renova de quatro em quatro anos, disputando-se alternadamente uma e duas das três cadeiras de cada estado e do Distrito Federal, mas o mesmo senador não pode ser votado duas vezes em quatro anos. Só se ele não tiver sido eleito e voltar a disputar o mesmo cargo, o que é uma situação rara e improvável.

De todo modo, uma situação que não serve nem para o Ibope nem para o Fantástico tomar como exemplo.

Maior deseducação política do que isso é difícil.

 



Tiago Gomes de Mello

 

A

revista Caros Amigos deu uma verdadeira aula de como fazer jornalismo com má-fé na sua última (ou próxima?) edição. Digo isso porque na última edição da revista se anunciava em grande chamada de capa uma reportagem que só iria ser editada na edição seguinte. Lula e FHC tiveram suas fotos estampadas na capa da revista. Em letras garrafais, anunciava-se, na capa, algo do tipo “você pergunta e os dois respondem”. Só depois é que o leitor acharia um “veja como em tal página”.

Imaginem, então, como o leitor ávido pelo acesso a informações relevantes sobre os dois candidatos mais importantes do próximo pleito foi engambelado pela Caros Amigos.

Comprou uma revista com capa de reportagem… da próxima edição. Seria a mesma coisa se um jornal anunciasse na quarta-feira passada, como manchete de capa: “Conheça o novo dono da Telesp”. E, na reportagem, estivesse escrito “Veja como na edição de quinta-feira, depois do leilão”.

Justamente uma revista que tem como proposta a criação de um jornalismo independente e crítico faz com que os leitores sejam enganados. Vejo uma diferença enorme daquele primeiro número da Caros Amigos, com o Juca na capa, com o que encontrei nas bancas do último mês. Estimo melhoras na próxima edição, cuja principal reportagem já foi paga pelos leitores, para que não seja a última.

 



Raul Abramo

 

A

matéria de Alberto Dines “The Economist põe a mídia com cara de palhaço” [ver remissão abaixo] ecoou um sentimento muito comum nos EUA: o de que a mídia escrita, falada e televisada está se excedendo em irrelevâncias e mesquinharias, como as elucubrações sobre a vida sexual do presidente, as pesquisas sobre os efeitos laxativos do mamão e as últimas maravilhas da indústria automobilística.

Qual seria a perspectiva de alguém que resolvesse se trancar em seu quarto e só percebesse o mundo através da mídia? Essa pessoa imaginaria que o mundo moderno superou coisas como a pobreza, as guerras, a injustiça, a opressão e a desigualdade. Ela pensaria que o homem moderno se ocupa de cuidar de seu bem-estar gastrintestinal, de imaginar qual será seu próximo automóvel, e, nas horas vagas, se divertir com as peripécias sexuais de um presidente que, imagina, não tem muito mais o que fazer.

O que está faltando nessa crítica é, obviamente, a questão de como a mídia se tornou esse espelho deformado do mundo, e como essa estrutura se mantém. Será que os espectadores da mídia moderna preferem mesmo a ilusão e a fofoca ao mundo real? Quem são os agentes por trás da mídia, e em que medida essa mídia retrata o mundo de acordo com as visões (e os interesses) desses agentes? Qual o papel da tal “globalização” nesse processo?

A resposta a essas questões não pode deixar de passar, obviamente, pelos interesses de quem controla essa tal mídia. Nos EUA, nove corporações gigantescas controlam os principais jornais, revistas, rádios e televisões. Corporações, como estamos cansados de saber, que agem de acordo com os interesses do stockholder, não do stakeholder.

Essas corporações vendem o espaço em seus meios a outras corporações, que por seu lado também têm interesses (econômicos, entre outros) em propagandear seus produtos e sua visão de mundo. Como está amplamente documentado (entre outras, nas páginas da newsletter da Fairness and Accuracy in Media – ver remissão abaixo), os agentes de marketing são a principal força de pressão nas redações, depois, claro, dos diretores de redação, escolhidos a dedo pelos donos da empresa.

Portanto, as duas principais fontes de pressão sobre os jornalistas americanos são 1) a hierarquia da corporação – ou o instinto de sobrevivência no ambiente de trabalho, e

2) os interesses dos anunciantes. São fatos documentados e sem disputa nos meios acadêmicos. Porém, raramente vemos esses elementos fundamentais discutidos em criticas da mídia.

Não seria a hora de estudar esses mesmos processos na mídia brasileira? Em que medida as pressões políticas do passado estão sendo substituídas por forcas econômicas? Será que a tal globalização vai agir no sentido de melhorar a qualidade do jornalismo brasileiro, ou será que vamos ter uma versão draconiana do jornalismo americano? Essas são algumas questões que merecem ser analisadas no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA.

 



Jonas Reis (*)

 

A

despeito das grandes mudanças que se operam no mundo neste fim de século e, particularmente no Brasil, e da consciência crítica desenvolvida pelos consumidores em geral, ainda não se observa entre nós uma preocupação mais evidente da sociedade com a atuação da imprensa. Não significa, evidentemente, que não haja o que discutir. Isso ficou claro no oportuno artigo do jornalista José Carlos Corrêa publicado nesta página, no último domingo, analisando a conduta da imprensa local diante dos fatos, das pessoas e dos leitores a propósito do episódio do roubo do carro da mulher do governador do estado.

Essa nossa, digamos, passividade, não ocorre por exemplo nos Estados Unidos. Lá, a imprensa atua sob os olhos atentos da crítica social. É acusada de baixar os padrões para incrementar taxas e vendas, além de privilegiar o mercado em detrimento de uma atuação estritamente jornalística. Se ensaia um estilo mais indagador suscita logo a vigilância dos que não a aceitam como um quarto poder.

Em outros países, a imprensa descansa relativamente em paz depois que aceitou ouvir conselhos de regulamentação que ajuda a manter. Os conselhos de auto-regulamentação da mídia nasceram na Suécia, berço da liberdade de imprensa. Hoje, naquele país, o Conselho de Imprensa é mantido pelas três principais organizações jornalísticas, que não têm do que reclamar. No Canadá, os meios de comunicação mantêm comitês éticos em quase todas as províncias. Na Noruega, que tem uma das maiores taxas de leitura de jornal do mundo, essa auto-regulamentação da imprensa completará 70 anos em 1999. A imprensa tem organismos similares em vários outros países, como Nova Zelândia, Austrália, Chile.

Aqui, é provável que se tenha um longo caminho a percorrer até chegar a esse quadro. Para começar, entretanto, nada impede que jornalistas e veículos de comunicação se unam em campanhas que demonstrem a intenção de proporcionar à população informações precisas e corretas. Informações que tenham por finalidade o interesse social e coletivo e que sejam resultado de uma apuração criteriosa, com respeito ao direito à privacidade do cidadão e demais normas éticas que envolvem a atividade.

Essa ação conjunta se justifica pela necessidade de evitar que deslizes de nossa imprensa levem ao surgimento de uma animosidade que causa mal igualmente lamentável: onde a mídia exagerou no desrespeito à ética, muitas vezes o debate sobre essas falhas suplantou a importância do fato relatado. Algo como se deixar de analisar o fato de que soldados americanos teriam sido vítimas de gás nervoso, lançado por seu próprio país por se considerar que a imprensa fez a divulgação sem dispor de provas sólidas e suficientes.

Em Buenos Aires, o diário Perfil cresce e pode ameaçar os dois maiores jornais argentinos exatamente pelo cuidado com o seu conteúdo. Há duas semanas, ele publicou artigo em que estampava números do Gallup dando conta de que a confiança nos jornais americanos baixou oito pontos num período de 20 anos. O artigo, assinado pelo jornalista Sílvio Waisbord, conclui: “La credibilidad pública nos es un cheque en blanco. Se rompe cuando, presionada por `embocarla’, la prensa insiste en caminar por um terreno ético resbaladizo y se enfrenta con una Justicia que desconfia y con corporaciones estatales dispuestas a la confrontación legal”.

(*) Jornalista, advogado e presidente da Comissão de Ética dos jornalistas do Espírito Santo

 

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“The Economist põe a mídia com cara de palhaço”

Fairness and Accuracy in Media