Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Vidas paralelas

PLUS ÇA CHANGE…

Gilmar Antonio Crestani (*)

Plutarco (nasceu na Queronéia, Grécia central, em 46, e teria falecido por volta de 125, em Delfos, também Grécia, d.C.). Sua obra mais conhecida, Vidas paralelas, deu origem à expressão "Varões de Plutarco", por retratar personagem proeminentes do período greco-romano clássico. Nelas, traça um paralelo entre personalidades gregas e romanas. A perenidade de seus perfis não se deve apenas aos retratos, mas também aos condimentos que adicionou, na forma de aforismos ou episódios anedóticos que atiçam a curiosidade do leitor.

Primeiro, descreve, separadamente, cada um dos personagens que reputa símiles, e depois aponta semelhanças e diferenças entre eles. Plutarco põe, por exemplo, nos lábios de Pompeu (106-48 a.C.), general e cônsul romano, a frase "navegar é preciso; viver não é preciso". Mesmo depois do químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794), para o qual "na natureza nada se perde, nada se cria: tudo se transforma", o poeta Fernando Pessoa, ao trabalhar a frase atribuída a Pompeu, no contexto português, chegou à conclusão de que "viver não é necessário; o que é necessário é criar." Lavoisier ou Pessoa, eis a questão.

Para lá de shakespeariano, o dilema entre criar e metamorfosear parece estar confundindo cabeças que levam vida paralela: jornalismo e política partidária. Pode até ser que em determinadas cabeças esta duplicidade seja tão natural quanto os heterônimos de Fernando Pessoa, mas nós leitores não a assimilamos com a mesma facilidade. O novo que se está tentando vender se encaixa perfeitamente nas palavras da personagem Tancredi, do livro O Leopardo, de Tomaso di Lampedusa: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude."

Os varões gaúchos

Relendo edições do Pasquim de antanho, num processo nostálgico diante de seu rebento atual, velhas figuras renascem das cinzas como a Fênix da mitologia. Agora que ele está de volta, renovado, fui bisbilhotar edições de 16 anos passados. Aqui no Sul atendia pelo nome de Pasquim Sul. A brava imprensa "nanica" da época já traçava linhas que hoje amalgamam biografias de varões que querem continuar ditando regras. As páginas amarelo-sebo das velhas edições destilam hoje um sabor acre, se comparadas com as tintas que hoje edulcoram as mesmas figuras "proeminentes". Histórias que se repetem como farsa.

Duplas como Sarney e Brossard continuam "contribuindo" na imprensa, e o "tem que dar certo" da Rede Globo e filiais engajadas fazem coro. Dos tempos de gatilho, deflação e tablitas quase tudo soçobrou, menos tais varões. A inflação que já foi galopante continua a trole lento. Devagar, mas continua. Eles aí, ditando regras, seja na Folha de S.Paulo ou na provinciana Zero Hora.

Personagens que a mídia batizou de fiscais do Sarney elegeram-se sob os auspícios de um pacote que se esborrachou sobre a cabeça dos eleitores após o pleito de 1986. Pedro Simon, outro varão gaúcho, vendido como se fosse um centauro farroupilha, chegou ao Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, um dia antes de terminar o Plano PMDB daquelas eleições. Os jornais publicaram, não faz muito, o resumo de sua carreira, com a seguinte epígrafe cunhada pelo professor Cardoso: "Cupim da dignidade alheia".

Que veículo da imprensa teria coragem de ligar o programa do "tíquete-leite", instituído pelo papai Sarney, e desincumbido por Nelson Proença, hoje no PPS gaúcho, à filha Roseana? Os motivos, só os lençóis maranhenses sabem. Os leitores, não.

Outro varão destes pagos, aquele do "senhores, trago boas notícias", emplacou o troféu do Pasquim Sul de 1986, como "O Vivo do Ano". Antonio Britto acabou levando como prêmio "um boneco folclórico chamado ?morto carregando vivo?".

Nossa memória curta deixa passar incólumes personagens execradas há pelos menos uns 15 anos. Paulo Brossard, por exemplo, que, de varão bageense fez-se deputado e senador. O perfil alçou-o ao Ministério da Justiça para procurar boi gordo no pasto. O fracasso desta empreitada foi premiado por outra. Conseguiu aumentar um ano de mandato para José Sarney, e, para si, a vitaliciedade dos proventos pagos pelo STF. Continua ditando regras de bom comportamento, semanalmente, pela Zero Hora, como se fosse uma noviça de segundo ano de internato.

A chefe da sucursal da RBS em Brasília, Ana Amélia Lemos, que ostenta no currículo dotes do tipo ser mulher do senador biônico (Pasquim Sul n? 23) Otávio Cardoso, sempre bateu continência a Pratini de Moraes desde os tempos em que este democrata votou contra as Diretas-Já. Agora, como ministro da Agricultura, as afinidades amadureceram. Poucos meses atrás, em viagem pela Rússia, publicava diariamente sobre a convulsão da Argentina. De duas, uma. Ou a viagem era um tédio turístico, ou sua fonte no Ministério da Agricultura cobrava serviço.

Nessas horas, o mais eloqüente dos silêncios ensurdece o povo do Sul. Enquanto o jornal Correio Braziliense vem, paulatinamente, desmascarando o que sempre se soube a respeito do Jader Barbalho gaúcho, a brava RBS simplesmente riscou o nome (im)próprio das redações. Eliseu Padilha, que ACM reputa Rima Rica, foi suplantado pelos palíndromos e capicuas. Afinal, o que são R$ 122 milhões diante de uma combinação de número que se pode ler por qualquer lado? Na verdade, mesmo que fosse R$ 121, portanto, capicua, mereceria atenção. Por quê?! Bem, talvez não saibamos os reais motivos pelos quais Padilha seja motivo de silêncio. Mas o modus operandi da RBS já é por demais conhecido. O leitor compare estas duas manchetes do jornal Zero Hora de 22/2, sobre os controladores eletrônicos:

"Radar móvel desacelera auto-estrada" e "Os pardais campeões de multa". Enquanto aquele se refere a uma rodovia federal, concedida a particulares por Eliseu Padilha, este se localiza numa avenida de Porto Alegre, administrada pelo PT. Sendo do PT, vira indústria da multa. Não é engraçado que só nas rodovias federais o radar desacelere?!

Os plutarcos de hoje poderiam traçar, com facilidade, paralelos entre a imprensa e os seus varões. Mas a memória é a nossa Ariadne. Somente com o fio que liga entrelinhas, ausências e superlativos conseguiremos sair do labirinto de interesses que a mídia vem representando. Pode até parecer uma luta vã, esta do Observatório, mas é imprescindível para o amadurecimento dos meios e dos profissionais de comunicação.

Fernando Pessoa talvez tenha se enganado ao propor aquela alteração no lema de Pompeu. Criar não tem sido o verbo predileto destes tempos. As transformações estão mais para Tomaso di Lampedusa do que para Lavoisier. Contudo, ao contrário dos jornais, o poeta português tem um álibi: "O poeta é um fingidor".

(*) Funcionário público