Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Virginia Honse

TIM LOPES, ASSASSINADO

"Benedita pede desculpas à família de Tim Lopes", copyright O Globo, 10/06/02

"A governadora Benedita da Silva ligou ontem à tarde para a viúva de Tim Lopes, Alessandra Wagner, e pediu desculpas pelo fato de o estado não ter conseguido evitar a morte do jornalista. Ela reconheceu a impotência do trabalho policial diante do crime organizado. Foi o terceiro telefonema da governadora para a família de Tim nesta semana. Benedita disse ainda que estará rezando pelo jornalista. Emocionada, a governadora acrescentou que conhecia Tim Lopes e que estava especialmente triste pela morte do jornalista.

Indignação, perplexidade e descrença na política de segurança pública dão a tônica dos depoimentos de representantes de entidades de classe e associações ligadas aos direitos humanos que se manifestaram ontem sobre a morte de Tim Lopes.

Associação Nacional de Jornais pede ação do Estado

A Associação Nacional de Jornais, em nota oficial, afirma que este ?é o momento de o Estado e os cidadãos afirmarem sua esperança de que a guerra contra o crime organizado, por mais dura que seja, está longe de ser perdida e darem provas inequívocas de sua certeza. E agirem?.

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Fernando Segismundo, responsabilizou os três poderes estabelecidos pela violência:

– O Judiciário tem sido frouxo no julgamento de criminosos. Eles são presos e, em seguida, liberados. No Legislativo, não vimos até agora qualquer empenho ou mobilização para discutir essa situação. Estamos nos transformando numa nova Colômbia.

O presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), disse que o crime organizado precisa ser combatido e as famílias brasileiras estão em pânico. Para o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Francisco Fausto, o crime atinge a liberdade de todos os cidadãos. O ministro defendeu uma legislação penal mais severa, lembrando que a concessão de hábeas-corpus está servindo para liberar bandidos da prisão.

– Ou nós mudamos a legislação penal ou vamos continuar neste clima durante muito tempo – disse.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, Nacif Elias, foi taxativo:

– Não podemos nos intimidar. Quando um jornalista parte para uma missão investigativa, ele tem consciência dos riscos a que se expõe, mas há um momento em que os criminosos intimidam o nosso trabalho. Não podemos aceitar.

A presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros no Brasil, Paula Gobbi, disse que o assassinato choca a todos:

– Somos colegas e assistimos, perplexos, a esse acontecimento brutal. Nós temos que subir favelas e nos sentimos, mais do que nunca, expostos aos desmandos desse reino paralelo do terror.

James Cavallaro, diretor-executivo da ONG Justiça Global, disse que só acreditará nas confissões dos traficantes presos quando o corpo do jornalista for encontrado:

– Até acharem o corpo ainda haverá dúvidas sobre o caso, uma vez que a confissão por si só, não é prova absoluta. Mas, seguindo a linha do que os traficantes presos disseram, trata-se de um caso horrível. Não é possível conceber que, nestes locais, não se possa entrar sem a autorização de traficantes.

Chico Alencar critica governo paralelo

Cavallaro citou os exemplos dos morros Pavão-Pavãozinho e Cantagalo mas ressaltou que a polícia comunitária precisa ocupar todos os bairros:

– É preciso massificar o programa bem-sucedido nesses dois morros, levando esse tipo de ação a todas as áreas da cidade e não apenas à Zona Sul. O discurso simplista de aumentar as penas não resolve. Elias Maluco não matou Tim Lopes calculando se ele teria 30 ou 40 anos de prisão. Ele matou Tim Lopes porque é ele quem manda na área que ocupa, à revelia da polícia.

O deputado estadual Chico Alencar, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, também reluta em acreditar na execução, pela falta de informações a respeito da localização do corpo.

– O sacrifício do Tim, qualquer que tenha sido, tem que ser o brado definitivo de alerta à sociedade. Os governantes que nos representam, inclusive no Legislativo, do qual faço parte, não podem mais tolerar esse governo paralelo. Estamos vivendo uma ditadura clandestina. Esse despotismo que acabou com o Tim oprime 1,2 milhão de pessoas que vivem nesses lugares onde há esse ?mandonismo?.

O ex-governador Anthony Garotinho lamentou a morte do repórter:

– Um profissional como ele, dedicado, expôs a sua vida numa cobertura jornalística importante, mas muito arriscada para ele, um cidadão. Nós não temos que comentar, a não ser prestar solidariedade à família."

"Ex-produtora da TV Globo tem cabeça a prêmio", copyright Comunique-se, 10/06/02

"Na manhã desta segunda-feira (10/06), uma ligação movimentou a redação de Comunique-se. Era Cristina Guimarães, ex-produtora da TV Globo, que saiu do país por estar sendo ameaçada por traficantes da Rocinha. Autora da reportagem ?Feira de Drogas na Rocinha?, exibida no Jornal Nacional em agosto do ano passado, Cristina pediu rescisão indireta da emissora porque não teria recebido apoio da direção da empresa quando começou a sofrer ameaças. O contato com Comunique-se foi feito por intermédio do Centro de Direitos Humanos, que pretende pedir apoio do Ministério da Justiça e da Polícia Federal nas investigações do caso da jornalista.

Durante seis anos, Cristina foi produtora-repórter da Globo. Como Tim Lopes, jornalista assassinado na semana passada, elas utilizava microcâmeras escondidas para fazer reportagens investigativas. Hoje, vive escondida, com medo de ter o mesmo destino do colega. ?Tenho certeza de que Tim foi assassinado por causa da série Feira de Drogas?, diz. E alerta: ?Acho que todos que participaram das reportagens correm o risco de serem assassinados?, referindo-se aos colegas Tyndaro Menezes, Flávio Fachel e Renata Lyra, também vencedores do Prêmio Esso de Telejornalismo 2001.

Comunique-se: O que levou você a procurar nossa redação para falar sobre o seu caso?

Cristina Guimarães: Soube da matéria que vocês fizeram com o Oswaldo Manesch (assessor da Defensoria Pública; leia aqui) e entrei no site para ler. Não gosto de me expor nem de aparecer. Mas decidi conversar com alguém para saberem o que realmente aconteceu comigo.

Comunique-se: Por que você vive se escondendo?

CG: Soube que os traficantes da Rocinha estão oferecendo R$ 20 mil pela minha cabeça. Pedi proteção à Globo, mas ninguém me ouviu. Disseram que eu estava ficando maluca. Decidi sair do país e estou sobrevivendo graças à ajuda de amigos.

Comunique-se: Quando e em quais circunstâncias você começou a sofrer ameaças?

CG: Eu e Tim (Lopes) éramos os repórteres investigativos do Jornal Nacional, da Globo. A chefia de Redação me chamou, em julho do ano passado, apresentando a pauta sobre a feira de drogas. Pediram que eu fizesse duas matérias, uma na Rocinha e outra na Mangueira. Tive que ir três vezes em cada favela. Disseram que as imagens não estavam boas e me mandavam voltar. Fiquei visada, embora sempre tenha me fantasiado para fazer reportagens. Tinha esse cuidado para não ser reconhecida. No caso da Rocinha, usei boné, roupa surrada, parecia um homem. Já cheguei a me disfarçar de prostituta e até de bicheira. Também para não causar desconfianças, eu tinha verba para comprar drogas. Mas, por favor, não sou viciada. Gosto só de uma cervejinha.

Comunique-se: Como soube que os traficantes estavam atrás de você?

CG: A matéria sobre foi ao ar no dia 13 de agosto de 2001. No dia seguinte, eu estava de férias. Tive que fazer uma cirurgia. Um mês depois eu voltei e os motoristas terceirizados me disseram que homens estranhos estavam rondando a Globo. Estavam me procurando. Tive certeza disso quando fui cobrir uma matéria na Defensoria Pública. Um traficante da Rocinha havia sido preso. Quando entrei na sala onde ele estava, ele me olhou e disse: ?Você esteve na Rocinha vestida assim e assado??. Ele descreveu exatamente o que eu usava quando fui fazer as imagens da feria de drogas. Daí, ele disse que minha cabeça estava à prêmio. Os traficantes estavam oferecendo R$ 20 mil para quem me matasse.

Comunique-se: Você comunicou isso à direção de jornalismo da Globo?

CG: Contei, mas não levaram muita fé. Tentei me acalmar e viajei para Belém para fazer uma matéria. Quando voltei, li uma nota na Folha dizendo que um produtor do Esporte Espetacular havia sido seqüestrado e levado para a Rocinha. Mas soube que a ordem na emissora era abafar o caso. Foi aí que entrei em pânico. Conversei com a chefia de reportagem e ninguém se manifestou. Percebi que a Globo não ia me apoiar. Decidi então entrar na Justiça. Pedi rescisão indireta alegando que a Globo não me protegia. O Ministério do Trabalho concedeu uma liminar e eu saí da empresa.

Comunique-se: O produtor ao qual você se refere era o Carlos Alberto de Carvalho?

CG: Era, ele foi levado para um barraco na Rocinha. Bateram muito nele. Queriam que dissesse quem foi o responsável pelas imagens da feira de drogas na favela. Mas ele não sabia porque trabalhava em uma editoria diferente da minha. Sei que a ocorrência do seqüestro está na 15? DP.

Comunique-se: Você acha que o assassinato de Tim Lopes tem a ver com a matéria sobre a Feira de drogas?

CG: Tenho certeza disso. Acho que todos que fizeram a série de reportagens correm o risco de serem assassinados (Tyndaro Menezes, Flávio Fachel e Renata Lyra). Tim era meu amigo. Nós dois implantamos a microcâmera na Globo. Acho que o Tim já estava visado. Mexemos em um ninho de vespas. A polícia sempre soube da feira de drogas, mas só nós tivemos coragem de denunciar.

Comunique-se: Como é a sua vida hoje?

CG: Logo depois do caso do Carlos Alberto de Carvalho, fugi com medo de ser assassinada. Hoje vivo escondida. Não posso dizer onde, mas é fora do Brasil. Venho pedindo ajuda à Anistia Internacional, que está investigando meu caso. O governo americano me apóia. No site deles, contam a minha história. Sinto-me isolada, sendo difamada pela Globo. E muito sentida porque precisou alguém morrer para me ouvirem."

 

"Policiais fazem novas buscas por jornalista da Globo", copyright Folha de S. Paulo, 6/06/02

"A polícia do Rio não conseguiu localizar ontem o jornalista Tim Lopes, 51, da TV Globo, que está desaparecido desde a noite de domingo, quando foi à favela Vila Cruzeiro, na Penha (zona norte), fazer uma reportagem.

Cerca de 30 policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar fizeram, na manhã de ontem, uma nova incursão na favela à procura de um suposto cativeiro para onde Lopes teria sido levado pelos traficantes. Nada foi encontrado.

À tarde, o Bope ocupou a favela Nova Brasília, em Bonsucesso (zona norte), após receber uma denúncia telefônica de que haveria um corpo dentro de um carro e que seria do jornalista. Os policiais ficaram uma hora no morro e nada encontraram.

A Polícia Civil ainda não confirmou se as cinzas e fragmentos de uma mandíbula e dentes encontradas na Vila Cruzeiro na segunda-feira são de Lopes.

O exame de DNA utilizará como base de comparação o sangue contido nas cinzas e as amostras de sangue fornecidas pelo irmão do jornalista, Argemiro Lopes.

O inspetor Daniel Gomes, da 22? DP, disse que solicitou à TV Globo o envio de fitas gravadas por Tim Lopes que, antes de desaparecer, teria ido à favela pelo menos três vezes para fazer a reportagem sobre um baile funk em que haveria tráfico e sexo explícito praticado por menores.

Segundo ele, com as imagens haverá chance de tentar identificar traficantes que poderiam estar envolvidos no sumiço.

Gomes está investigando uma denúncia, feita por telefone, de que Lopes teria sido espancado, torturado e morto por cerca de 20 traficantes, após ser confundido com um PM.

O denunciante teria dito que a ordem para matá-lo partiu do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, do CV (Comando Vermelho).

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou uma nota sobre o caso (leia nesta pág.). O arcebispo do Rio, d. Euzébio Scheid, disse acreditar no aparecimento de Lopes. ?Esperamos sempre o melhor, que ele apareça. Assim espero e assim rezo.?"