Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vista grossa em pauta

CNN NO IRAQUE

Causou frisson o artigo de opini&atatilde;o escrito por Eason Jordan, executivo-chefe da CNN, ao New York Times, e noticiado neste Observatório [veja link ao pé da reportagem]. O texto dizia que a CNN no Iraque teve de fazer vista grossa a muitas atrocidades cometidas por Saddam Hussein, inclusive contra alguns funcionários da própria emissora.

"Alguns críticos dizem que se eu tivesse contado sobre as torturas e mortes antes, teria poupado milhares de vidas", escreveu Jordan em um memorando a sua equipe. "Não sei como chegaram a essa conclusão… A brutalidade do regime de Saddam era bem conhecida antes de escrever meu artigo. Só poderia ocorrer algum incidente se eu tivesse contado essas histórias antes da derrocada do regime; as pessoas que teriam me contado seriam mortas."

Desde que publicou o artigo com detalhes sobre os incidentes e participou do programa de Aaron Brown na CNN, Jordan tem recebido inúmeras críticas, de acordo com Lisa de Moraes [The Washington Post, 15/4/03]. Ele contou que em meados dos anos 90, um cameraman iraquiano que trabalhava para a CNN foi torturado porque o governo acreditava que Jordan trabalhava para a CIA. Noticiar aquilo "certamente teria ocasionado sua morte e posto sua família e seus colegas em grave risco", escreveu Jordan.

Reação em cadeia

A publicação do artigo no NY Times, no dia 11/4, pôs Eason Jordan em pauta. "A CNN está dizendo que 11 laboratórios de armas químicas e biológicas foram encontrados na cidade de Karbal, no Iraque, e que eram subterrâneas para não serem detectadas. Imagino há quanto tempo a CNN sabe disso. É uma questão legítima agora", afirmou Rush Limbaugh.

Franklin Foer, editor-associado da revista New Republic, também entrou na roda com um artigo para o Wall Street Journal no dia 14/4, intitulado "O acesso da CNN ao Mal". Foer desconfiou do "acesso de honestidade" de Jordan e sugeriu que ele "peça desculpas pela cooperação [da CNN] com o Ministério da Informação iraquiano e que admita que a política da emissora escamoteia a cobertura real de ditaduras."

"É lógico que Jordan acha que merece uma pontinha de crédito ao se abrir daquela forma. Mas a admissão não deve lhe render nenhum troféu de ética jornalística", escreveu Foer. "Enquanto eu pesquisava para uma reportagem sobre a cobertura da CNN no Iraque à New Republic em outubro último, Jordan me disse enfaticamente que sua emissora dava ?um panorama completo do regime?. Em nossa conversa, Jordan me desafiou a encontrar indícios de que a CNN estava negligenciando histórias dos horrores de Saddam. Ah, se naquela época eu tivesse este artigo do Times…!"

Foer disse que, ao ler o texto de Jordan, a CNN dá a impressão de que não tinha outra opção a não ser "amaciar" a relação com o Iraque. No entanto, garante Foer, havia alternativas. "A CNN podia ter abandonado Bagdá. Não apenas teriam parado de reciclar mentiras, como teria enfocado mais na obtenção da verdade sobre Saddam."

O articulista do WS Journal afirma ainda que há mais uma razão pela qual Jordan não merece aplausos. "Ele não fala nada sobre as lições de Bagdá. Apesar de tudo, a emissora ainda envia correspondentes a países como Cuba e Síria, governados por ditaduras que impõem regras rígidas para a atuação da mídia."

Sean Hannity, da Fox News Channel, desferiu seus golpes quando conversava com G. Gordon Liddy: "Não tenho dúvidas de que ainda ouviremos muito sobre a miséria e a tortura" no Iraque. "Se quisermos saber mais, podemos perguntar a Eason Jordan da CNN. Ele sabia de tudo, mas não divulgou."

No Fox Special Report With Brit Hume, o colunista conservador Charles Krauthammer chamou a atitude de Jordan de um "exemplo clássico de venda da alma por uma reportagem". "Ele claramente abriu mão da verdade para obter acesso", disse Krauthammer.

No New York Post, jornal que pertence à mesma companhia da Fox News Channel, um artigo de Eric Fettman, entre outros, dizia que "o silêncio da CNN parece ter custado o mesmo número de vidas que poderia ter salvo."

Testemunha ocular

Peter Collins, que já trabalhou em canais como Voz da América, BBC, CBS, ABC e CNN e tem mais de 30 anos de experiência, escreveu um artigo apimentado ao Washington Times [15/4/03], no qual justifica, sob o contexto da declaração de Eason Jordan, porque pediu demissão da CNN após apenas 3 meses experimentais da emissora. No artigo, intitulado "Corrupção na CNN", Collins afirma que a admissão de Jordan lhe trouxe lembranças.

"Em janeiro de 1993, eu estava em Bagdá como repórter da CNN em um contrato experimental de 3 meses", conta Collins, afirmando ter tido experiência prévia em outras emissoras como correspondente internacional. "Pouco depois de minha chegada, fiquei surpreso em ver o presidente da CNN Tom Johnson e Eason Jordan, então editor-chefe de internacional, tentando de todas as formas possíveis obter uma entrevista exclusiva com Saddam Hussein, prevista para coincidir com a posse do ex-presidente Bill Clinton."

Collins afirmou que as negociações culminavam para uma entrevista com Saddam de uma hora de duração na CNN Internacional, sem interrupções ou comerciais. "Fiquei aturdido", disse Collins. "Pelo tom e pelo conteúdo dessas conversas, me pareceu que a CNN estava virtualmente se humilhando pela entrevista."

No final das contas, a CNN nunca conseguiu a entrevista. Alguns meses mais tarde, Collins passou do período probatório e, após pensar bastante, decidiu não continuar na emissora. "Será que eu conseguiria ficar confortável com uma organização noticiosa que jogava tantos jogos de poder? Decidi que não."

Lição em editorial

Um editorial do Washington Post de 15/4 se dedicou a algumas lições básicas de ética jornalística, embasadas no caso CNN no Iraque. Intitulado "Falando a verdade", o editorial afirma que "toda organização noticiosa e todo repórter precisa tomar decisões difíceis e moralmente ambíguas quando trabalham em um Estado totalitário."

"Às vezes, é melhor continuar publicando notícias de outro local, se for preciso escolher entre levar um oficial corrupto e inconveniente para almoçar ou não produzir notícia alguma", ensinou o editorial.

Dito isso, o caso da cobertura da CNN do Iraque ao longo dos últimos anos suscitou uma discussão indispensável no meio jornalístico. "A história é assustadora, mas preocupa ainda mais em se tratando da posição especial que a CNN tem no Oriente Médio… Se a CNN não revelou tudo o que sabia sobre o regime do Baath e manteve uma cobertura recatada, isso ajudaria a explicar porque a ditadura não foi tida como algo cruel como de fato é, no mundo árabe e em outras partes."

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