Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vocação e responsabilidade social

DIPLOMA EM XEQUE

Vera Silva (*)

A exigência ou não do diploma de jornalista para o exercício do jornalismo tem empolgado os observadores, jornalistas ou não, que escrevem no Observatório da Imprensa. Como um desses observadores, peço licença aos jornalistas para meter minha colher na discussão.

Em meu primeiro vestibular na UnB, algumas décadas atrás, a universidade exigia que os alunos fizessem mais de uma opção de curso ao se inscreverem. A minha segunda opção foi Jornalismo. Não deu outra, só consegui passar em 2a opção e lá fui eu para o Jornalismo.

Para não perder tempo, enquanto tentava conseguir transferência para Psicologia no semestre seguinte (não consegui, precisei fazer outro vestibular), fiz duas matérias de Jornalismo e recheei o resto com matérias optativas ? da Psicologia, é claro. Mas dei uma sorte danada! Uma das matérias era Técnicas Atuais da Redação Jornalística, com o professor Pompeu de Souza. Era um espetáculo de aula! Num auditório cheio, por um semestre, Pompeu nos ensinou a fazer lead, escrever notícia etc. A outra, Introdução à Comunicação Coletiva, confesso, não era muito empolgante, embora fosse dada pelo professor Luiz Beltrão. Mas essa devoradora de jornal desde menininha, que fazia jornal mural no ensino médio e jornalzinho na igreja, aprendeu como se fazia redação jornalística e o que era comunicação coletiva nos fins dos anos 60. Não foi o suficiente para me desviar da vocação para a clínica psicológica, mas o bastante para formar-me como leitora crítica da qualidade de jornais, revistas e programas que leio e vejo.

Assim, não foi por acaso que me tornei um dos observadores deste Observatório da Imprensa e integrante de um dos Conselhos de Leitores do Correio Braziliense. Jornalismo me interessa, ou melhor, o papel que a imprensa ocupa na sociedade e a influência que exerce sobre as pessoas me interessam. Por esta razão resolvi discutir aqui a questão do diploma de jornalista.

Este não é um problema dos jornalistas. É um problema também dos psicólogos, dos psiquiatras, dos fisioterapeutas, dos pedagogos, dos enfermeiros, dos oftalmologistas, dos ortoptistas etc. O exercício destas profissões por não-diplomados é uma realidade no Brasil, pelo uso de alternativas, talvez não tão claras quanto as do exercício do jornalismo por não-diplomados, mas tão reais quanto aquelas.

Isto acontece porque a diplomação cria vínculos profissionais e órgãos controladores da profissão, como conselhos profissionais ou associações reguladoras. Estes grupos corporativos assumem diante da sociedade o poder de garantir o exercício profissional apenas àqueles que passam pelos rituais de entrada na profissão. Contudo, são órgãos que não têm poder sobre os não-profissionais, dependendo de provar à polícia o exercício ilegal para que os não-diplomados sejam impedidos de continuar seu exercício. Ora, qual o valor do diploma senão como garantia para quem o tem? Na prática, o Estado brasileiro não tem garantido à população que os profissionais que a atendem sejam capacitados a fazê-lo.

Licença para asneira?

Qualquer pessoa que faça um cursinho de algum tipo de terapia, por exemplo, pode, se não se intitular psicólogo, fazer terapia, sem se submeter a nenhum controle. Assim como qualquer camelô pode abrir um comércio na rua, sem qualquer registro e sem pagar imposto. Ou qualquer dono de óptica pode fazer exame e vender óculos a quem quiser, porque não precisa fazer nenhuma receita. Por que estranhar que não jornalistas possam trabalhar em jornais e TVs? O Brasil é um país cheio de leis que não são cumpridas. Com exceção talvez dos advogados, que conhecem os macetes das leis e se garantem, qualquer um pode exercer qualquer profissão que queira sem diploma, desde que não pise na bola.

A questão, portanto, passa por vocação e formação profissional. Em meu entender, os cursos profissionais deveriam ser de dois níveis: graduação e pós-graduação. As vocações tardias poderiam ser exercidas por graduados em outros cursos, com uma formação pós-graduada mais breve. A questão é que hoje, no Brasil, encontramos médico que não sabe diagnosticar ou receitar, psicólogo que não sabe fazer terapia, jornalista que não sabe escrever ou investigar, fisioterapeuta que não sabe prescrever exercício etc., porque a formação está a cada dia virando refém da diplomação, a vocação, algo tão mutável quanto a bolsa de salários do mercado, e o exercício profissional, refém da baixa exigência do usuário e do baixo controle do Estado.

Como disse, os advogados, e principalmente os juízes, garantem o rígido controle de suas profissões, mas do alto de suas prerrogativas podem considerar que as demais profissões não as tenham. Eu também acho que sei escrever, mas isto me torna jornalista? Conheço muitas pessoas que sabem orientar bem o outro, mas isto as torna psicólogas? Conheço muita gente que passou em concurso para juiz, mas isto a torna juiz?

É preciso desenvolver vocações nos jovens, formar bons profissionais e transformar os diplomas em certificados de cumprimento da lei, e não em atestados de competência ou, pior, em licença para fazer asneiras legalmente.

(*) Psicóloga