Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Voto e democracia

BRILHO DA MÍDIA

Silas Corrêa Leite (*)

Independentemente de quem seja o ganhador nesse pleito de primavera de 2002, a imprensa acabou por, finalmente, de forma graciosa até, mostrar-se mais evoluída, transparente e, acima de tudo, atrelada mesmo à democracia propriamente dita, não a grupos de banqueiros hediondos, agiotas internacionais, antros de escorpiões de políticos nefastos, aqueles de sempre, com uma tendência histórica direitista (e corrupta), ligados a parte da mídia conivente com o atraso do país. Isso em se tratando de primeiro turno. Claro que ainda resta algum ranço de um certo antipetismo arcaico no Estado de S.Paulo e em algumas áreas jornalísticas da Rede Globo, mas, no geral, falando sério, a democracia venceu. Saravá, Caio Prado!

Numa eleição antiga, em que o Ferreira Neto foi o boi de piranha, a Rede Globo viajou na maionese e na caradura tendeu de forma inidônea para o Collor et tchurma. Quando viu que a trupe toda foi desmascarada ? não é a corrupção que banca o capitalhordismo brasileiro? ?, quis fazer vistas grossas, achando que o clamor popular seria desviado (afinal, nem sempre é tudo culpa do PT), e o homem pomposo e loquaz caiu, com ele o pano sagrado da mídia atrelada a esse tipo de político nefasto à ética e ao exercício de cidadania que o próprio voto representa.

Veio a eleição do FHNistão, que em cima de um falso plano econômico ? comparando nossa moedinha ao dólar (imagine a pretensão e o verniz falso do sonho para vender a eleitores incautos) ? faturou e bem, com Lula outra vez indo de roldão, pois a imprensa foi sempre boa para atacar o PT, mas os outros liberais podem roubar à vontade. Até mesmo o estereótipo discriminatório de que a tal justiça (justiça?) no Brasil é só para três pês, pretos, pobres e prostitutas, agora ganhou um novo pê, o dos petistas. Os outros babam, urram, mamam nos três podres poderes, desviam alta grana do erário público, mas o PT é sempre o vítima da mídia.

Vejam que em Porto Alegre alguns arautos da extrema-direita burra inventaram com estardalhaço umas inverdades contra o governo petista, umas maledicências; no fim, nada foi provado, a Justiça absolveu o PT, com vários processos transitando em julgado, em favor da verdade e do PT. Mas há ainda jornalista antipetista e jornalão vendendo o falso peixe com pirão-fantasma, não contra o político gaúcho em si, honesto e transparente, mas para o chamado “Risco PT”, que todos os corruptos e ladrões temem. Sejamos francos: não podemos também querer uma classe de jornalistas sempre santos, se não temos uma sociedade de santos, nem empresários santos, muito menos nesse nosso amoral e inumano capitalismo selvagem de Terceiro Mundo.

Depois, a reeleição do FHC foi baba. A máquina no poder, o open-doping da mídia, Lula concorrendo só para fazer pose, número e nada light. Seguraram os preços importando a todo vapor, camuflaram a desvalorização da moeda real já podre, maquiaram a inflação com bandas cambiais e hermenêuticas de improbidades dialéticas, e lá se foi o presidente tucano comprometer as reformas em nome de privatizações amorais, vendas de bens públicos no coalhar das horas, bancando bancos, empresários e compras suspeitas de emboabas suspeitos, bancados com o erário público tupiniquim, quero dizer, o nosso. E ainda engessou os tribunais para não correr o risco de ir preso, como Menem. O medo do PT é sinal de sujeira do adversário? Pelos inimigos se conhece a grandeza do partido…

Verniz de dignidade

Agora não, agora parece que até grande parte da mídia deixou de ser tendenciosa e leviana. A própria Globo foi imparcial, vendeu bem o peixe da ética. É claro que a Folha de S.Paulo aqui e ali oscilou, bandeou-se, mas lá tem o Clovis Rossi, o Janio de feitas, o próprio Elio Gaspari ? que apesar de tudo de vez em quando atira no próprio ego, quero dizer, no pé (ou no umbigo). O Estadão já se tornou manjado (quem lê os artigões arigós do Estadão?), por sempre falar bem dos EUA, do FHNistão e mal do PT, e seus editoriais e “críticas” ninguém lê mesmo. Para o jornal O Estado de S.Paulo, se a prefeita Marta Suplicy espirrar ela não presta, se chover granizo em Sampa a culpa é do PT.

O Estadão foi mesmo muito infame, por exemplo, com a ex-prefeita Luíza Erundina. Pois ela está incólume, com os mesmos bens, limpa, adorada, e o Estadão caiu no conceito credibilidade, dinâmica e transparência. Mas, a vem da verdade, ainda assim tem lá seus bons jornalistas, colunas, repórteres e colunistas acima do modus operandi da casa e da linha editorial, que nem chega mais a ser necessariamente linha editorial.

Na virada da estrela vermelha popular, agora, a imprensa deu show. Preocupou-se em informar e ponto. Não bandeou-se de fone e gravador para o lado ordinário do candidato oficial. Isso foi bonito. Isso é democracia. Valeu a pena esperar para saber.

Compreendo que o voto é, sim, um exercício de cidadania, e nesse primeiro turno o povo deu um show, a mídia foi o palco bravo e iluminado. Derrotamos Maluf, Quércia, Eurico Miranda, Erasmo Dias, faltando uns e outros. Deus queira que, num crescendo ? exercício prático de democracia ?, faremos desse país mesmo uma grande nação, não um mero Brazyl S/A como fundou o tucanato incompetente e insensível.

Farpas à parte, venceu a democracia.

É claro que agora vem o segundo turno, e o decadente Serra genérico tem fama de, por baixo do pano, maquiavelicamente, jogar sujo: metralhou Roseana Sarney, Ciro, Garotinho e Maluf. Mas, por ora, é só alegria. Bebamos, pois, à vitória da comunicação, da verdade.

O primeiro turno dessas eleições deu verniz de dignidade à imprensa brasileira. E, acreditem, isso não é pouco. Aleluia, Gutenberg!

(*) Poeta e professor