Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Walter Ceneviva

QUALIDADE NA TV

CLASSIFICAÇÃO

"Rádio e TV no país heterogêneo", copyright Folha de S. Paulo, 28/10/00

"Retomo o exame da comunicação social para avaliar crítica recebida pelos dois comentários anteriores, no sentido de que o puro exame constitucional contra toda forma de intervenção do poder público na programação das emissoras de televisão é contrária ao interesse geral.

Disseram-me que a liberdade absoluta das emissoras permite a apresentação de filmes ou programas eróticos, pornográficos ou de violência extrema (caso recente do Ratinho), em horários nos quais o acesso das crianças é possível, perturbando e distorcendo a criação delas, sem que a Carta Magna ofereça remédio contra o abuso.

Não quero responder apenas que a Constituição é a lei maior, impedindo qualquer forma de censura, para ser observada por quantos queiram manter o Estado democrático de direito. Para verificar a crítica e avaliá-la bem, podemos partir de uma constatação do país continental chamado Brasil. A novela das oito é das oito no leste, mas, caminhando para oeste, chega em horários próprios para a infância, por causa dos fusos horários na nação gigante. Faixas etárias de caráter nacional sujeitam crianças e adolescentes a influência diversificada, conforme o fuso de seu domicílio.

Segundo elemento, consiste em saber o que sejam os valores éticos e sociais da pessoa e da família. A Constituição quer preservá-los. Atribui competência à lei federal para regular as diversões e espetáculos públicos, entre outras medidas previstas no artigo 220. Sabemos todos que diversões e espetáculos públicos, em sentido estrito, não se confundem com programas de rádio e televisão. São apresentados em estabelecimentos ou espaços próprios, mediante pagamento de ingresso ou de outra natureza.

Há, porém, normas referentes a diversões e espetáculos públicos que também tratam da programação radiofônica ou televisiva. Serve de exemplo o inciso 16 do artigo 21 da Carta Magna. Nesse inciso, os dois segmentos (espetáculos públicos e programas pela mídia eletrônica) são submetidos ao mesmo critério, o que permite a sua classificação.

A classificação, seja qual for, pode indicar (mas não impor) a compatibilidade do espetáculo ou programa com o público a que se destina. Será informação, fazendo simples referência ao acesso recomendável para menores, sem caráter proibitório, o que pode parecer pouco, mas com o correr do tempo ajudará a melhorar o padrão geral. A Constituição cria outros limites nos incisos do parágrafo 3º do artigo 220. Lendo-os, é possível compreender melhor porque o poder público não pode restringir a liberdade das atividades artísticas de qualquer natureza, embora deva informar o público das eventuais influências negativas que delas possam resultar.

Não podemos esquecer, passando ao campo da psicologia forense, que a intervenção dos estranhos, mesmo do juiz, nas relações entre pais e filhos deve ser a exceção. Numa sociedade heterogênea como a nossa, com mão-de-obra insuficiente e meios materiais precários, servidores públicos distantes da casuística própria de cada região, não terão a mais remota possibilidade de determinar o que convém e o que não convém assistir nos programas da televisão, em cada área.

A matéria, assim, não é só constitucional. É sociológica, psicológica, individual. A coletivização das faixas etárias, por natureza, tem tantos defeitos quanto qualquer outro critério, sendo sempre inferior à importância da liberdade e à repulsa contra a censura."

"Emissoras ensaiam reação jurídica a ‘censura’", copyright Folha de S. Paulo, 1/11/00

"As negociações entre as emissoras e o Ministério da Justiça em torno da portaria 796, que mudou as regras de classificação de programas de TV, podem ficar estremecidas nas próximas semanas.

A Folha apurou que a Abert (Associação das Emissoras de Rádio e Televisão) encomendou pareceres jurídicos que demonstrem que a portaria é inconstitucional, uma vez que ela pode ser interpretada como forma de censura. Oficialmente, a entidade nega ter feito a encomenda.

A Abert, por enquanto, não pretende entrar na Justiça contra a portaria do ministro José Gregori. Deve aguardar, primeiro, os resultados das negociações envolvendo a pré-classificação de chamadas e a questão do fuso horário. Mas há setores da entidade que defendem uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

A Abert, que hoje só representa a Globo, vem conversando com as demais redes de TV para uma ação conjunta.

Já o SBT prepara recurso contra o despacho que classificou o quadro da banheira do Gugu, do programa ‘Domingo Legal’, como impróprio para menores de 14 anos (21h), mas ainda falta a palavra final de Silvio Santos.

Por outro lado, o ministro Gregori acena com a possibilidade de enquadrar o ‘Programa do Ratinho’ como impróprio para menores de 16 anos (22h), o que só será discutido após o feriado."

REDE TV!

"A nova rede de TV do Brasil", copyright Valor Econômico, 27 a 29/10/00

"A Rede TV!, que se apresenta como ‘a nova rede de TV do Brasil’, está introduzindo um novo modelo de televisão no país. A primeira impressão é de um canal interessante, arrojado e moderno, que em sua curta existência criou uma identidade visual melhor e mais bem definida que a de várias emissoras já estabelecidas. A inspiração inegável vem do canal E! americano, do qual a rede brasileira parece ter emprestado também o ponto de exclamação e a idéia de uma programação centrada na celebração de banalidades e na banalização das celebridades.

Mas por trás desse verniz bem fino de modernidade, feito à base de logotipos, vinhetas e animações emprestadas do estilo MTV, estão programas que se alimentam das rebarbas e restos produzidos por outras emissoras e pelo show business em geral.

‘A Casa É Sua’, ‘TV Fama’, ‘Superpop’ e ‘Te Vi na TV’ são algumas das atrações dedicadas ao mundo de subcelebridades povoado por Carlas, Sheilas e Narcisas. Os acontecimentos das novelas, a vida íntima de esportistas e artistas, a repercussão de algum escândalo produzido e/ou exibido em programas superapelativos – tudo isso repercute nesses programas, que nem se dão ao trabalho de produzir o próprio lixo. Rapinam o dos outros.

O vespertino ‘A Casa É Sua’, por exemplo, tematiza desde os bastidores das novelas globais aos vestiários de futebol, discute desde a banheira do Gugu até as demissões da Record. Levando ao pé da letra o formato revista, boa parte do programa consiste na leitura televisionada das revistas de fofoca e das reportagens mais apelativas das publicações ‘sérias’. A produção jornalística própria resume-se a debates e enquetes absurdas como a que perguntava ao telespectador – e a gente famosa como Raul Gil – se ele era a favor ou contra os direitos humanos (!!!).

A nova rede de TV do Brasil avança – no sentido voraz do termo – também nas estratégias comerciais, propondo-se construir ‘uma relação sem compromissos com os paradigmas do passado’. Na prática, isso significa abolir os limites entre publicidade e programação. Os próprios cenários foram convertidos em centros comerciais, repletos de estandes de vendas pelos quais apresentadores/promotores se movem anunciando badulaques diversos e de apelidos talvez curiosos, como Porangaba Gold e Ginko Biloba. Alguns anunciantes transitam pessoalmente de um programa a outro, deixando ainda mais claro que a nova rede de TV do Brasil, apesar do visual moderninho, não passa de um camelódromo eletrônico.

Teste de fidelidade

Valores como fidelidade e honra também fazem parte do turbilhão de produtos anunciados entre trotes, pegadinhas e a exploração da intimidade alheia. Uma das novidades introduzidas pela emissora chama-se teste de fidelidade, quadro que consiste em enviar uma modelo para assediar um rapaz, enquanto uma câmera oculta grava a cena. A namorada do rapaz, no estúdio, assiste às cantadas dirigidas ao namorado e descobre, com os telespectadores, se ele cedeu ou não aos apelos da modelo. Qualquer semelhança com o episódio recente envolvendo Adriane Galisteu, o namorado dela, ex- superintendente artístico e de programação, e a direção da Rede TV! não deve ser mera coincidência.

A ex-grande estrela da emissora, sempre na vanguarda do novo mundo da televisão, tirou de letra o teste de fidelidade e até se declarou ‘honrada’ por sua saída ter provocado uma certa desestruturação da rede. Segundo seu código, isso mostra a importância que ela tem. De fato, Adriane Galisteu faz falta no vídeo. Ela é a cara da nova TV do Brasil e modelo para uma legião de pessoas empenhadas em redefinir o significado das palavras, dos valores e das coisas."

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