Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Xuxa-Sasha, uma chamada do JB e a denúncia de Costa-Gavras (Quem corrige o Sistema deve ser o próprio Sistema)

Alberto Dines

 

A

revolta junto ao público mais qualificado contra os exageros da cobertura da TV Globo ao “Advento de Sasha” (a expressão é de Gabriel Prioli; ver remissão abaixo) materializou-se numa cifra fornecida pelo JB na chamada de primeira página do dia 29/07/98: o Jornal Nacional da véspera havia dedicado exatamente 10 minutos ao mais recente show da Xuxa. Na mesma edição a privatização do sistema Telebrás, o maior leilão no gênero já realizado no mundo, mereceu 4 minutos e 35 segundos.

A comparação do JB foi repetida ao longo de uma semana em todos os círculos e não apenas jornalísticos e publicitários. Tudo o que se escreveu nos dias seguintes – e nisso não vai nenhum juízo de valor – não conseguiu a contundência daquelas três linhas de informação precisa e indisputável.

O jornalão carioca funcionou como um aferidor da indignação de leitores e telespectadores – fez a crítica da mídia em cima da bucha, com o ferro em brasa. É isto que falta. Enquanto a mídia, ela própria, não assumir a função de vigiar o desempenho dos demais veículos, as aberrações serão crescentes.

Reparem que os semanários Veja e Isto É nas edições de 5/8/98 usaram no lead das respectivas matérias a mesma informação produzida pelo JB.

Bem diferente foi a atitude da mídia quando em dezembro passado Mme. Xuxa anunciou no Domingão do Faustão que estava grávida: babaram-se todos com a façanha. Até a Folha, inimiga figadal de tudo que emana da Globo, curvou-se perante o prodígio. Desta vez a mídia não-global percebeu que estava contribuindo decisivamente para a idiotização do país.

É evidente que os críticos da mídia têm função relevante mas atingem um público muito selecionado, os gatekeepers, controladores do que é veiculado (ex: a comparação entre Xuxa e Michael Jackson usada por Veja foi utilizada por este Observador em sua coluna de VIP, em janeiro último).

Nós fazemos pressão mas quem pode abalar o Sistema é o próprio Sistema. Só ele tem a contundência e o poder de multiplicação para impor a contra-informação à informação que ele próprio veicula.

O Quarto Poder (Mad City), história original do jornalista Tom Matthew e direção de Costa-Gavras que acaba de estrear no Rio e em S. Paulo, é uma cabal demonstração desta proposição.

Produzido pela Time-Warner, com o aparato e o padrão de qualidade de Holywood, é a mais contundente denúncia contra o jornalismo sensacionalista desde A Montanha dos Sete Abutres( Big Carnival, de Billy Wilder, 1951, com Kirk Douglas).

Com a vantagem de que Costa Gravas focaliza o telejornalismo-circo, o estágio mais recente do jornalismo eletrônico. Sabe-se que o cineasta grego, o maior expoente do cinema político, teve dificuldades com a produtora. Qualquer que tenha sido a exigência da Time-Warner importa que o produto final é um murro na cara do espectador. Dos milhões de espectadores que vão assisti-lo. A inclusão de Larry King, da CNN (integrante do conglomerado Warner), representando a si mesmo num papel neutro e imparcial, talvez tenha sido a concessão do diretor à empresa produtora.

A crítica da mídia começou no cinema. Com pouco mais de uma década de existência o cinema americano já tratava do assunto em The Power of the Press (de Van Dyke Brook, 1909). Um catálogo organizado pelo semanário lisboeta Expresso junto com a Cinemateca Portuguesa cita cerca de 600 obras de cinema em que jornalismo e jornalistas são assunto.

O jornalismo como a última das profissões românticas foi mitificado pelo cinema. Mas o jornalismo sórdido também.

Mad City é implacável: o repórter Max Brackett (Dustin Hoffman) inicialmente tenta ultrapassar os limites. Dá uma bronca na estagiária Laurie porque ela deixou a câmera e correu para socorrer o guarda ferido. Depois, quando percebe que perdeu o controle da situação, cai em si. Tarde demais. O âncora Kevin Hollander, que o detestava justamente por causa da irresponsabilidade, já está no caso como um abutre. Ajudado pela estagiária que, alguns dias depois, já havia esquecido o idealismo e topa fazer qualquer coisa para entrar ao vivo, em rede nacional.

Neste negócio não há inocentes. A lama espirra em todos, inevitável – inclusive na pequena Sacha.

“Nós o matamos, nós o matamos”. Em outras palavras: somos todos culpados.

O Sistema mexeu-se.

 

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