ENTREVISTA / LUIZ CÉSAR PIMENTEL
Rodney Brocanelli (*)
Uma revista de música que tem a mesma dinâmica de uma banda de rock. É a melhor definição encontrada por Luiz César Pimentel, seu diretor de redação, para explicar como funcionam as coisas na Zero <http://www.revistazero.com.br>. Lançada em 2002, em meio à crise no mercado editorial, a publicação dedicada a cobrir a área musical pode ser considerada mais que vitoriosa. "Dentro daquilo que nos propomos a fazer, estamos bem, vendemos bem, temos um público fiel, temos moral, respeitabilidade", diz. E acrescenta, valendo-se da definição de um veterano crítico musical: "A Zero não precisa se auto-explicar".
Nesta entrevista, realizada na sala de reuniões de um escritório virtual que abriga a redação, Luiz César Pimentel falou sobre o sucesso da Zero. Para ele, a concorrência não vem de outras publicações no mesmo segmento: "Meus concorrentes são os problemas que dizem respeito ao Brasil como um todo". Pimentel fez também uma análise do momento que vive a crítica musical e aponta um de seus defeitos: o preconceito. "Se uma pessoa quer ser preconceituosa, então que ela não vá ser jornalista, vá para a Ku-Klux-Klan", diz.
Pimentel, 32 anos, formado em Jornalismo pela Fiam, tem passagens pela Folha de S.Paulo, Trip, Carta Capital. Apesar de ter trabalhado em tantos "lugares legais", como diz, a satisfação profissional aconteceu quando ele mesmo inventou seu próprio emprego. "Isso aconteceu em duas ocasiões: uma quando mudei para a Ásia e fiquei um ano lá como correspondente, e a outra quando resolvi fazer a Zero". A experiência no continente asiático vai virar livro: falta conseguir um mês de folga para juntar o material acumulado. Já a Zero, seu depósito de criatividade, está nas bancas todos os meses.
Como é que surgiu a idéia de fazer a revista?
Luiz César Pimentel ? Na época em que eu estava trabalhando na revista Trip, conheci o Daniel Motta. Nesse período, conheci também os jornalistas Marcelo Costa e Alexandre Petillo, e eles tinham a idéia de fazer uma publicação cultural mais focada na música. Durante seis meses, entre o meio de 2001 ao início de 2002, o projeto da Zero foi uma válvula de escape para nós. Ninguém estava satisfeito com aquilo que estava fazendo e não encontrávamos na banca uma revista do jeito que queríamos ler. A Bizz tinha parado de circular havia algum tempo, mas seu fim não foi um fator que nos motivou. Mesmo que ela tivesse continuado, não era o tipo de publicação que queríamos fazer. Nesses seis meses, bolamos o projeto editorial e o Daniel bolou o projeto gráfico. A partir do começo de 2002 decidimos nos concentrar mais na Zero. Na equipe ficaram o Daniel, o Alexandre, eu e chamamos depois o Marco Bezzi. A partir daí, tudo aconteceu muito rápido. Demos a sorte de encontrar uma editora que apostou no nosso trabalho e, em abril, o primeiro exemplar foi para as bancas.
Essa editora que vocês encontraram foi a Pool. Como foi a parceria?
L.C.P. ? Montamos um boneco da Zero e começamos a visitar algumas editoras. A primeira delas foi a Pool. Eles tinham acabado de romper um acordo com a editora Conrad e viram em nós o que era a Conrad no começo. Fechamos um acordo e a coisa funcionava assim: entregaríamos o conteúdo da revista num CD e eles se responsabilizariam pela prensagem e distribuição. Na verdade, são duas empresas numa só: a LMX, que é uma prestadora de serviços, e a Pool que é o braço editorial. Eles tinham algumas demandas de serviços com algumas publicações, mas queriam ter um produto próprio e viram essa possibilidade com a Zero.
E por que acabou não dando certo?
L.C.P. ? Porque era a primeira empreitada da Pool, e eles não tinham o know-how de distribuição, entre outras coisas. No final, acabamos cansando um pouco. Dissemos a eles que a coisa não estava progredindo, pois necessitávamos de um parceiro que fosse eficiente na parte na qual não somos, que são a distribuição e a impressão. Eles concordaram. Temos uma relação muito boa e o rompimento foi puramente uma questão profissional. Logo depois, acabamos dando um tempo, azeitamos a equipe e conseguimos fechar um novo acordo com a Editora Escala. É assim: fazemos o nosso bem feito e eles fazem o deles bem feito. A Escala tem uma experiência maior, com mais de 100 títulos no mercado.
Você acha que o futuro para o mercado de revistas são sociedades entre uma editora responsável pelo conteúdo e outra pela infra-estrutura?
L.C.P. ? Para nós foi o ideal, pois não nascemos como um projeto comercial de revista. É um projeto de indivíduos. Não é um projeto comercial no sentido de sentir que havia um buraco no mercado, um nicho a ser explorado, nada disso. A Zero nasceu como uma revista que queríamos ler, só isso. Não tínhamos uma perspectiva comercial. Imagino que se uma editora se propuser a lançar uma revista, ela vai fazer uma análise do mercado para sacar o público-alvo, se é o caso de fazer uma publicação não-segmentada etc. Com a Zero não foi assim. Bolamos a revista com o coração.
Como você avalia o mercado de revistas sobre música em geral? Há bons trabalhos?
L.C.P. ? Existe uma idiotice que querem embutir no jornalismo cultural, de que para um se dar bem o outro tem que se dar mal. Esses caras não são meus concorrentes, eles são meus parceiros. Meus concorrentes são outros, são os problemas que dizem respeito ao Brasil como um todo. Eu queria muito que a Frente tivesse continuado. Quero muito que ela volte, porque eu gosto muito do trabalho que o Ricardo Alexandre faz, que o Émerson Gasperin faz….
O que você achou da Frente?
L.C.P. ? Eu achei uma revista ótima. É uma pena que num país de 170 milhões de pessoas não exista um título que trate com decência a música alternativa brasileira como eles tratavam. É um absurdo não ter isso. Não vou analisar onde eles acertaram ou erraram, pois só eles sabem o que aconteceu, isso não diz respeito a mim. Acho uma pena também que não exista mais a Play. O Alexandre Matias (editor da publicação) era muito bom no que fazia. As revistas da MTV e da Rádio 89 FM são um pouco diferentes, pois nasceram a partir de uma marca. Torço muito para que a Crocodilo dê certo. Acabo me vendo na época em que eu tinha 15 anos e comprava na banca a Bizz, a Metal, a Rock Brigade, a Casseta Popular, o Planeta Diário, então tinha esse leque. Quero que haja mais revistas, não quero ser o único no meu segmento.
O que você pensa da tendência de produtos casados nas bancas, uma revista mais um CD de brinde?
L.C.P. ? Era o que queríamos fazer, mas acabou sendo inviável comercialmente. Mantemos a Zero num custo superbaixo para que o maior número de pessoas tenha acesso. Acho complicado tocar a revista com o preço de R$ 6,90, como era no nosso começo. O leitor vai à banca, dá uma nota de R$10 ao jornaleiro, recebe umas moedas de troco e acabou. Ele pensa três vezes antes de comprar. E eu quero ter o maior número possível de leitores, meu interesse é facilitar o trabalho do leitor, por isso o preço a R$ 4,90. O ideal seria que as gravadoras nos procurassem para coordenar esse trabalho de incluir um CD na revista de uma forma que não houvesse custo para nós. O ideal é ter uma revista com um CD encartado, como a Uncut (publicação inglesa), na qual é possível ler uma matéria sobre uma banda e escutar a sua música. Infelizmente, essa não é a realidade brasileira.
Vamos falar em números. Qual seria a circulação da Zero?
L.C.P. ? A tiragem é de 50 mil exemplares. A Zero vende bem, vende mais que muita revista que posa de bacana. Isso eu posso garantir. Sabe qual é o problema sobre falar em números? É que tem gente falando que vende 100 mil exemplares. Depois, vai conferir no IVC e está lá que a revista só vendeu 22 mil exemplares. Quer dizer, tem 78 mil revistas que estão no éter. Onde é que esses exemplares estão? Se eu falar dos números da Zero, vou estar sendo meio bobo, porque todo mundo joga as suas circulações lá em cima. Diria que dessa revista que diz vender 100 mil nós vendemos uns dois terços desse número.
Uma coisa que se percebe m revistas sobre música é a dificuldade de se encontrar anunciantes que não sejam gravadoras. Como vocês lidam com isso?
L.C.P. ? Aqui na acabamos concentrando tudo na nossa mão. Temos uma equipe de cinco pessoas agora porque vai ser lançada uma revista nova. E vem mais uma para cuidar do departamento comercial. Eu não tenho como reclamar das gravadoras. O problema não é isso. Pegue um CD e veja quanto ele custa para uma gravadora. Se dividir em porcentagem, vai estar lá x por cento para a distribuição, x por cento de divulgação. Seria muito mais interessante assumir que essa divulgação é o jabá. O que eu vou fazer se tem um programa de TV que cobra 15 mil reais para o artista aparecer lá uma vez? .E eu não estou falando isso de forma aleatória, eu conheço a tabela cobrada por alguns programas. É claro que eu não estou dizendo que todos fazem isso. Fizemos muitos programas de TV que eram do bem, como na MTV, aparecemos no Jornal da MTV, no Lado B. Aparecemos também no Alto Falante, no Musikaos. Mas eu vou falar para alguém de uma gravadora: "Anuncia na Zero e não paga os 15 mil para as emissoras de TV"? Vou falar uma coisa dessas? Não. O problema é da estrutura mesmo, da coisa nascer errada da raiz.
Você não é a primeira pessoa que fala que o jabá deveria ser transparente, esse é o caminho?
L.C.P. ? Todo mundo sabe que rola o jabá, então que se assuma na cara dura isso aí. Óbvio que não interessa a quem paga e nem a quem recebe, então nunca vai ser transparente.
Que matérias você destacaria da Zero em mais de um ano de circulação? Qual a reportagem cartão de visita da revista?
L.C.P. ? Eu tenho plena convicção de que a Zero é totalmente inovadora em termos editorais. O que muitas pessoas costumam confundir, e isso é uma coisa que eu até entendo, é uma proximidade com a estética de um fanzine, mas só entendo isso se a pessoa tiver uma mínima noção de jornalismo. Eu sei fazer um texto-padrão, que é feito na grande maioria dos veículos, mas nós queremos subverter um pouco essa ordem das coisas, e o texto da Zero vai ser tão informativo quanto se ele tivesse saído em outro veículo que tenha um texto-padrão, mas a gente apresenta o texto de outra forma. Não só o texto, mas a embalagem do texto. Tudo é muito pensado entre o Daniel e a gente e essa é a grande virtude da Zero.
Então, a Zero privilegia o estilo do autor do texto, ele tem liberdade total para escrever…
L.C.P. ? Desde que atenda àqueles fundamentos, de apresentar a informação completa. Nunca vamos privilegiar totalmente o estilo em detrimento da informação. O texto tem de ser tão informativo quanto um texto formal, e ele deve ter a informalidade de uma carta escrita a um amigo. Tem que se combinar essas duas coisas muito bem.
E a internet, que acabou sendo um organismo à parte da revista?
L.C.P. ? Para nós é um braço bastante forte da revista. Podemos ver isso pelo número de acessos. Eu calculo que a audiência está subindo. Há uns dois ou três meses, estávamos com mais de 50 mil visitantes únicos por mês, 50 mil pessoas diferentes que entraram no site da Zero de forma espontânea. Isso para nós é fenomenal. Mas se você colocar a internet dentro do jornalismo cultural, ela acaba sendo uma praga…
Quando eu escrevi aquele artigo sobre os e-zines culturais no Observatório da Imprensa você acabou fazendo uma réplica bem interessante na lista de discussão da revista…
L.C.P. ? Eu acho que os e-zines criaram a falsa ilusão de que qualquer um pode ser jornalista. Então, existe uma legião de jornalistas espalhados por aí que nunca escreveram uma matéria, que nunca apuraram, nunca concatenaram idéias de uma forma clara. São jornalistas de resenhas. Vão assistir a um filme, escrevem a impressão deles. Lêem um livro, escrevem a impressão deles. Compram um CD, a mesma coisa. Não acho ruim, leio alguns deles…
Quais seriam e quais deles você gosta?
L.C.P. ? Cara, se eu colocar dessa forma, vou estar entregando quem não é jornalista de verdade. Acho que é covardia minha fazer esse tipo de coisa.
Então fale dos que você gosta. Posso te dar alguns nomes?
L.C.P. ? Pode, é melhor.
Ruídos.
L.C.P. ? Adoro.
ScreamYell.
L.C.P. ? Faz muito tempo que não vejo, não tinha acabado?
Voltou há pouco tempo. Que tal o B-Scene?
L.C.P. ? É muito bom. Mas você está falando de alguns que têm matérias legais.
Vou te citar outro, o Rabisco…
L.C.P. ? Esse não conheço.
Então, onde é que estão esses e-zines que só têm jornalistas de resenhas?
L.C.P. ? Eu vou ter que dar nomes, mas tem muita gente que contribui para veículos até legais, que fazem essa linha apenas de resenhas.
O veículo então seria uma porta de entrada para esse tipo de jornalista?
L.C.P. ? Nós aqui na Zero acabamos recebendo muitos e-mails na seguinte linha: "Ah, gosto da Zero e quero colaborar de alguma forma". Tudo bem, então eu peço para eles mandarem uma sugestão. E vem sempre resenha. De cada 100 propostas que a gente recebe, apenas uma vem com uma proposta de matéria. O resto é tudo resenha.
Vocês ainda estão com aquele apelo publicado na primeira edição: "Você escreve? Fotografa? Faça parte da família Zero. Mande seu material para a redação, e, quem sabe, publicaremos"?
L.C.P. ? Isso saiu no número um. A partir disso, rolou essa bola de neve de que eu acabei de falar.
Mas vocês têm uma infra-estrutura para atender a esse pessoal?
L.C.P. ? Nós mesmo da redação fazemos isso. Eu leio muita coisa. A Zero consome todo o meu tempo disponível. Acabo chegando muito cedo e dedico a parte da manhã a esse tipo de tarefa. Respondo aos mails, atendo as pessoas.
Desse anúncio que vocês fizeram, algum texto mandado espontaneamente acabou sendo publicado pela revista e a pessoa que o escreveu se tornou uma colaboradora fixa?
L.C.P. ? Por exemplo, a Homera Cristali, que está morando na Itália. Ela fez uma reportagem sobre comunidades alternativas em Roma. Outra matéria que ela fez para nós foi sobre pessoas que vêem a morte diariamente como parte da rotina de trabalho.
A Zero no início tinha essas pautas de comportamento…
L.C.P. ? Ela foi se ajeitando de certa forma, mas mantemos a proposta de não se engessar num assunto específico, como música ou o que quer que seja. Se fosse se fixar em algo, seria na música, que é o estofo da Zero, mas fizemos uma edição que era um especial de 25 páginas sobre drogas. Nós temos a liberdade de fazer algo nessa linha. Posteriormente, fizemos uma edição especial sobre o filme Matrix.
Mas essas edições especiais não passam uma impressão ao leitor que gosta de música de que vocês estão deixando o tema de lado?
L.C.P. ? A número 6, sobre drogas, teve esse número como uma seqüência da Zero, porque era o espírito da revista. Muitas das matérias dessa edição eram voltadas à música. No caso de Matrix, foi uma edição especial mesmo, porque estávamos falando apenas de um assunto específico.
Nessa edição sobre Matrix houve um incidente e eu queria que você falasse disso. Um dos textos publicados era, na verdade, da Folha de S. Paulo, publicado em 1999. O que aconteceu?
L.C.P. ? Talvez seja melhor perguntar isso ao Alexandre Petillo, que era um dos editores da revista, mas a explicação que eu tive dele foi essa: a Ana Cecília Del Mônaco usou como base para escrever seu texto algumas coisas que ela pegou da internet. Ela mandou o texto para nós e não descolou essas partes que ela pesquisou. O Alexandre estava editando a página e abriu um box com esse trecho que veio a mais e não foi descolado. Na verdade era algo que tinha saído na Folha, e foi escrito pelo jornalista Alexandre Maron. Eu coloquei todos eles em contato para saber o que exatamente aconteceu. Demos uma retificação na edição seguinte, a número 7, informando que a publicação original do texto foi na Folha em 1999. Eu lamentaria muito se fosse uma matéria apurada, uma entrevista ou algo do tipo.
O incidente está superado com a retificação publicada?
L.C.P. ? Da minha parte, sim. Agora ficou entre a Ana Cecília e o Petillo. O próprio Alexandre Maron veio falar comigo depois que soube do seu texto publicado na Zero. Eu não tinha idéia do que era. Pedi desculpas e disse que apuraria e procurei conversar com todos. Eu chamei a menina para vir até a redação no mesmo dia e ela me contou a história toda. O Maron me disse que era um tipo de falha que poderia acontecer. A Zero não tem a mínima intenção de assumir um texto que não é dela.
Outro aspecto que chama a atenção na Zero é o fato de vocês procurarem estar próximos do leitor, e uma das ferramentas para que isso aconteça é uma lista de discussão por e-mail.
L.C.P. ? A lista de discussão ganhou força por si própria. A Zero inova nesse sentido, de usar muito o texto em primeira pessoa, muita informação pessoal do repórter que está escrevendo, então isso aproxima muito o leitor. Na lista temos muito retorno de pessoas que se sentem próximas da revista por causa disso. Isso é legal, pois acaba criando a figura do "leitor-assinante". Temos um número de vendas que não cai. A Zero só está crescendo. De um modo geral, quem pega a Zero e se identifica vai acabar comprando sempre
Como você avalia o estágio atual da critica musical no Brasil?
L.C.P. ? Muita gente da nossa geração se identifica com a antiga revista Bizz, no tempo em que trabalhavam nela o Alex Antunes, o André Forastieri. A partir daí, houve uma grande entressafra, que começou a partir dos anos 90. Não vi pessoas de peso que assumiram esse bastão desde então. Existem críticos muito bons, mas acabaram isolados Tem o Lúcio Ribeiro, de quem eu gosto muito, a Folha sempre foi boa de crítica musical. Gosto do Jotabê Medeiros, do Estadão.
A internet não estaria criando uma geração nova de críticos?
L.C.P. ? Eu acho que a internet está criando aquela geração meio perdida da qual estávamos falando anteriormente. Na verdade, ela acaba criando pequenos grupinhos na rede. Então, surge o pequeno grupo de um determinado site. É engraçado ver essa dinâmica.
A Zero conta com vários colaboradores ilustres de uma geração antiga de críticos musicais, como a Ana Maria Bahiana, o Alex Antunes…
L.C.P. ? O Alex Antunes e o José Emílio Rondeau foram duas pessoas que se identificaram com a Zero. O Alex é um sujeito que gosta mesmo da revista, que quer fazer coisas, adora o espírito e disse que a Zero é uma revista que não precisa se explicar. Ele resumiu muito bem. Geralmente, quando se lança uma revista, é necessário explicar o que é, do que se trata, enquanto a Zero não precisa se auto-explicar. Basta apenas lê-la. É uma honra para nós contarmos com pessoas que líamos muito no passado e eram referências .
A Zero está se especializando em fazer listas de melhores. Houve uma que elencou os melhores álbuns do rock nacional a partir dos anos 80. A revista assumiu esse caráter retrospectivo?
L.C.P. ? Eu acho que listas são legais, pois refrescam, levam ao debate, geram curiosidade e contam de uma forma simpática a história do assunto em questão. Em oito edições, usamos duas vezes uma pauta com listas. É um número legal. Não vamos fazer isso pelo fazer apenas, isso é desnecessário, mas se houver um fundamento, um gancho, acho interessante. Fizemos essa lista dos melhores discos de rock brasileiro dos anos 80, mas demos espaço para que as próprias pessoas das bandas que ganharam contassem as histórias de bastidores envolvendo as gravações. Só fechamos a revista quando conseguimos o depoimento de todos. Foi gratificante, pois íamos montando tudo como se fosse um quebra-cabeça e acabou funcionando bem.
Numa resposta anterior, você falou sobre a proximidade do leitor com a revista. Há pesquisas cientificas sobre o perfil de quem lê a Zero?
L.C.P. ? É muito mais fácil chegar um retorno de um garoto ou de um jovem adulto que está na internet . Não temos assim um perfil. Mas pelo que sentimos, não existe esse perfil próprio de um leitor da revista Zero. Recebemos retorno de garotos de 14 anos e outro dia chegou uma carta de um senhor de 48 anos, que ouvia rock. Então o perfil vai de 14 até 40 anos. Até minha mãe lê a Zero.
A Ana Maria Bahiana publicou um artigo no site Comunique-se no qual ela, baseada num estudo recente publicado nos EUA, diz que vem por aí uma nova geração de ouvintes na faixa dos 14 anos que não está disposta a pagar pelo consumo de músicas, devido à troca dos arquivos em MP3 pela internet. Além disso, essa molecada não estaria disposta a pagar pela informação sobre música, que viria das revistas. Uma saída, segundo esse artigo, seria que as publicações focalizassem um público-alvo acima dos 30 anos. Você acha que isso seria uma tendência viável aqui no Brasil?
L.C.P. ? Se fôssemos nos basear em estudos, nunca lançaríamos a Zero. É uma revista que não tem nada a ver com estudos. Foi uma necessidade física, semelhante à de montar uma banda de rock. A Zero nasceu de uma necessidade de se fazer uma publicação que queríamos ler. Então, eu tenho muita dificuldade de falar em estudos, isso descaracterizaria o nosso produto. Encontramos nosso espaço porque sabemos dos nossos limites. Dentro daquilo que nos propomos a fazer, estamos bem, vendemos bem, temos um público fiel, temos moral, respeitabilidade. Então, não consigo pensar, não quero pensar, em termos de pesquisas, se teremos que direcionar para um público xis…
Mas você acredita que uma revista feira para um público-alvo acima dos 30 anos sobreviveria no mercado?
L.C.P. ? O mercado brasileiro é muito estranho. Eu acredito que qualquer boa idéia vai sobreviver. Acredito que existia um público legal para a Frente. Não sei por que ela não está circulando mais.
Como é o esquema de distribuição da Zero?
L.C.P. ? É nacional. A partir da edição 6 foi reorganizado o esquema. As praças onde mais se vende a revista recebem primeiro. Depois, os exemplares são recolhidos e há a redistribuição para o resto do Brasil. Chegavam muitos mails de leitores, do tipo: "Eu estou em Santarém e não vi a revista nas bancas", mas agora está todo mundo encontrando a Zero depois dessa reorganização.
Como você vê a crise atual do mercado editorial?
L.C.P. ? Desde que eu nasci existe a crise, mas ela não pode impedir ninguém de produzir, não pode ser uma desculpa para ficar sentado. Quando fizemos o boneco da Zero, o levamos para uma série de jornalistas e eles diziam: "Pô, boa sorte… vocês têm certeza de que é isso mesmo que querem fazer? Vocês vão precisar de sorte." Trabalhei em vários lugares legais, mas o que mais me deu prazer foi quando inventei meu emprego. Isso aconteceu em duas ocasiões: uma quando mudei para a Ásia e fiquei um ano lá como correspondente, e a outra quando eu resolvi fazer a Zero.
Existe alguma coisa que ainda falta fazer na Zero?
L.C.P. ? Em cada edição estamos colocando uma coisa nova. A Zero funciona muito como uma banda de rock que pensa no próximo disco. Então, pensamos sempre em como tornar a próxima edição mais agradável. Não a formatamos de uma maneira que fique mais fácil para a equipe. Nós temos que criar cada edição. Nunca vamos facilitar nosso trabalho para lançar cada número de uma forma mais rápida. Então, cada edição é um exercício de criatividade. Cada matéria tem que ser muito interessante. Na próxima edição que vamos soltar daqui a umas três semanas, já vai ter um monte de coisas diferentes, de aprimoramentos. É a nossa proposta de se renovar a cada número.
Você compara a revista com uma banda de rock. Você nunca pensou em ter uma banda?
L.C.P. ? Pô, eu sou músico frustrado, né? (risos) Creio que grande parte da crítica musical é formada por músicos frustrados. Penso muito nisso porque eu entendo a dinâmica de uma banda. Isso é uma relação que eu levo para o jornalismo. Vou tentar explicar melhor isso: formamos a Zero a partir do que queríamos, era uma necessidade, e quem monta uma banda de rock no Brasil o faz a partir de uma necessidade quase física de tocar. Nesse sentido, tanto uma banda como a Zero vão ser depósitos de criatividade das pessoas. Eu vejo que são dinâmicas muito parecidas. Principalmente porque tínhamos quatro pessoas na equipe, agora temos três, um número super-reduzido.
Enfrentamos todos os perrengues que uma banda tem no começo, gente que sai, gente que entra. Isso vai até para a maneira como eu faço a crítica de música na revista. Nunca vou analisar o trabalho de uma banda de uma forma em que eu não possa contribuir em nada. Sei que aquilo que eles fizeram é muito importante para quem está envolvido.
Eu estaria sendo covarde se fizesse uma crítica destrutiva somente para me colocar acima de quem estou criticando. Isso é uma tremenda sacanagem e não vejo nenhum debate sobre isso. É muita covardia colocar-se na posição de crítico e analisar o trabalho que alguém faz de uma forma em que não exista uma contribuição. Tem que falar que é ruim quando é ruim, mas tem de explicar o porquê, tem que mostrar caminhos, fazer uma crítica construtiva. Se for bom, fale que é bom.
Há "partidos políticos" na critica musical? Por exemplo, o partido dos críticos que gostam do rock de garagem inglês e americano e vivem descendo a lenha na MPB. Por sua vez, temos um partido de críticos alinhados com a MPB, e não conseguem enxergar nada além disso. Outro exemplo seria o partido dos jornalistas que admiram a música eletrônica e acham que o rock está morto e que as guitarras deveriam ser esquecidas.
L.C.P. ? Isso é de uma escrotidão tamanha… Se uma pessoa quer ser preconceituosa, então que ela não vá ser jornalista, vá para a Ku-Klux-Klan. Existem críticos que não ouvem certos estilos musicais porque eles têm de posar de bacanas para os amigos dele. Isso acaba impedindo as pessoas de terem uma diversidade de opinião. Esses jornalistas determinam que todo estilo musical é nefasto, que todo estilo musical é descartável, que toda a obra de um artista é descartável. Eu pensava assim quando tinha 12 anos e era fã de heavy metal e não podia ouvir outro tipo de música porque isso não pegava bem entre meus amigos. Esse tipo de postura cria a figura do "xiita metaleiro", que até tem frases de efeito como "Morte ao falso metal".
É uma atitude adolescente, não uma atitude produtiva. Não se está prestando nenhum serviço e, no fundo, jornalismo é serviço. As vezes se confunde jornalismo com ego. O problema é que, na imprensa cultural, algumas pessoas, por terem uma proximidade maior com os artistas, acabam se achando tão importantes quanto eles. O jornalista é apenas um meio entre o público e o que interessa, que é o artista.
(*) Jornalista, colaborador dos sítios Ruídos, Canal B, Esquizofrenia, 3am e Papo de Bola; blog pessoal: http://onzenet.blogspot.com
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