Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As entrelinhas de A cor da guerra

Ainda não decifrei se há alguma mensagem sub-reptícia na série A cor da guerra, exibida pelo canal The History Channel. Documentários de guerra costumam ser ufanistas, quase sempre produzidos com verbas da indústria bélica. Não é raro que distorçam os fatos tentando mudar a realidade. Algumas séries mostram vitórias e mais vitórias americanas no Vietnã, sem que o desfecho, a derrota, seja apresentado. Quem não conhece a história, a maioria dos jovens não conhece, acaba imaginando que os Estados Unidos foram os vencedores. Outra característica desses documentários é exibir atos de barbárie dos inimigos, japoneses e alemães principalmente. São mostrados como desprezíveis, sem honra militar, sem respeito pela vida humana, praticantes de toda sorte de crueldades, o que parece lhes dar prazer.

É óbvio que há alguma verdade nisso, a guerra desperta o irracional que jaz dormente nos porões da alma humana, apenas não se fala que os americanos praticam tudo o que condenam nos outros. A série A cor da guerra mostra essa faceta americana. São exibidas, com naturalidade, cenas contendo terríveis atrocidades contra alemães e japoneses indefesos. Num dos capítulos um comandante de submarino, após torpedear e afundar um navio japonês, ordenou que os náufragos, desesperados, agarrados aos destroços flutuantes, fossem metralhados. A cena aconteceu naturalmente: um tripulante filmou o mar azul sendo tingido de vermelho pelo sangue dos pobres diabos que lutavam desesperadamente para se afastar.

Pulp Fiction é fichinha. O comandante, exibindo sorriso sádico, justificou: eles poderiam retornar aos combates e matar americanos. Em outra cena, um piloto japonês, atingido por um Mustang, saltou de pára-quedas. O ala do piloto vencedor disse, entre risadas, que eles agora poderiam treinar pontaria, o que foi feito. Na Alemanha, no fim da guerra, um grupo de soldados americanos encontrou forte resistência num vilarejo. Após horas de combate, os alemães se renderam. Era um grupo de adolescentes da Juventude Hitlerista, comandados por um oficial da SS. O comandante americano, furioso, matou o oficial alemão, desarmado, a coronhadas, para dar exemplo aos que porventura pensassem em continuar resistindo. O oficial morto, com a face esmagada pelos golpes, foi filmado. Uma cena de raro mau gosto. Também era um garoto.

Talvez agora, que os americanos têm a hegemonia militar, esses filmes sirvam para mostrar o que acontece a quem ousa desafiá-los. Ou, quem sabe, é apenas coincidência.

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(*) Jornalista