Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nem tudo é baixaria

Programas de auditório – fórmula herdada e adaptada dos tempos áureos do rádio brasileiro – sempre fizeram sucesso na nossa TV . Com formatos pouco variados entre si e comandados por nomes que se consagrariam ao longo de décadas, como Aírton e Lolita Rodrigues, Aérton Perlingeiro, Flávio Cavalcanti, Chacrinha, Bolinha, Hebe Camargo, Sílvio Santos, Raul Gil, Gugu Liberato, Faustão e tantos outros, esse gênero de programas têm, ainda hoje, lugar cativo nas grades de programação de várias emissoras.

Às tradicionais disputas entre calouros, gincanas e números musicais, os programas de auditório foram juntando algumas modificações, tornadas possíveis com a chegada do videotape e outras inovações tecnológicas. Programas que antes eram inteiramente ao vivo hoje são apenas ‘gravados ao vivo’, o que lhes possibilita a edição corretiva e a inclusão de efeitos diversos. Hoje, com a miniaturização de câmeras e microfones, as pegadinhas viraram praga e lugar-comum nesses programas. Os avanços tecnológicos permitiram ainda uma mobilidade nunca vista antes, que facilitaram não apenas as entradas do jornalismo ao vivo, como a montagem de um auditório em plena praia, para a gravação do programa durante todo um verão.

Algo, porém, não sofreu mudanças significativas, nesse gênero de programa, ao longo dos anos: o tom popular que lhes é característico. Não é à toa que a maior parte deles é apresentada em horários vespertinos ou nos fins de semana, numa disputa direta e renhida por uma mesma audiência qualificada: as camadas mais baixas da população. Constituídas, em sua maioria, por trabalhadores urbanos que acordam cedo a semana inteira e que, por isso, vão para cama depois da novela das oito, essas camadas da população têm ainda como opção barata de lazer familiar passar o sábado e o domingo em frente à TV.

Durante a semana, o público-alvo é ligeiramente outro: a dona-de-casa que não trabalha e passa as tardes diante da TV, enquanto costura, supervisiona as tarefas escolares dos filhos ou espera a volta do marido. (Mesmo com as amplas conquistas das mulheres em nossa sociedade, ainda há muitas nessa restrita condição, infelizmente).

Diversas carências

Popular, entretanto, para alguns desses programas, é sinônimo de baixaria. É como acreditam que terão mais audiência – e fiel. Apostam, certamente, no gosto humano pelo mundo cão. Dramas familiares, crimes de grande repercussão, tragédias, invasão de privacidade, sexo, humor grosseiro e chulo, escândalos e aberrações diversas, são a tônica dessa linha, adotada, em diferentes medidas, por alguns programas de auditório que aparecem na telinha. Mas, felizmente, há exceções.

Uma delas é o Caldeirão do Huck, que ocupa uma pequena parte das tardes de sábado, na Globo. Gincanas, atrações musicais, brincadeiras e mulheres de biquíni estão sempre na pauta do programa e não o fariam muito diferente de qualquer outro do gênero. Às vezes, entra uma ou outra reportagem, em que o próprio apresentador se traveste de repórter e mostra aspectos curiosos de uma cultura exótica ou um paraíso distante. O programa também já caiu em tentação, utilizando-se, em caráter notoriamente experimental, de formatos adaptados de reality shows de outras TVs do mundo (felizmente, parece que esses pilotos não emplacaram e foram abandonados).

Mas o programa tem méritos e virtudes relevantes. O principal deles é, sem dúvida, a forma como consegue explorar dramas pessoais sem degradar seus convidados ou expô-los a situações vexatórias ou constrangedoras. No quadro Agora ou Nunca, pessoas humildes e com as mais diversas carências econômicas e financeiras têm a chance de ganhar um prêmio em dinheiro que as aliviaria de seus problemas mais imediatos, se conseguirem cumprir uma tarefa para a qual se preparam ao longo da semana. A fórmula é simples e nem é original. A diferença está na condução ética, digna, honesta e solidária que o apresentador Luciano Huck faz do quadro, sem sensacionalismo e sem artificialismos que visem apenas segurar a audiência por alguns minutos a mais.

Receita antipopular

Aos vencedores do quadro, o apresentador tem sempre uma sincera alegria para compartilhar. Aos que não conseguem, sempre uma palavra amiga de estímulo, de reconhecimento pelo esforço. Ao final, a gente sempre acaba com a impressão de que, nos bastidores, os concorrentes que não obtêm êxito em seu desafio serão recompensados por um anjo oculto, de plantão, e que não quer aparecer.

Outra virtude do quadro é que o concorrente não precisa competir com ninguém, senão consigo próprio. Isso evita constrangimentos e humilhações a terceiros, tão comuns em outros programas do gênero.

Dançarinas de biquíni compondo o cenário – outra marca de programas do gênero, desde o velho Chacrinha – também estão presentes no Caldeirão. Reconhecido por ter lançado personagens como a Tiazinha e a Feiticeira, ao apresentador não se pode acusar, entretanto, de ser vulgar ou chulo quando se utiliza desses recursos. Ao contrário, com muito bom humor ele sabe usar a sensualidade das belas mulheres de forma respeitosa e sem ofender ao mais puritano dos telespectadores.

Ao fim, com tudo para não ser popular – paulistano bem-nascido, judeu, feio, baixinho e narigudo – o apresentador Luciano Huck consegue a empatia de seu público com credibilidade, dignidade e um surpreendente carisma.

Que outros lhe sigam o exemplo.

******

(*) Jornalista e escritor, de Belo Horizonte