Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A imprensa apoia Dilma

A sexta-feira (15/5) marca um ponto de inflexão no noticiário político, no qual se pode perceber que há uma mudança na narrativa da imprensa sobre os efeitos da disputa entre o Executivo e o Congresso Nacional. Também é possível que se trate de uma reversão na parábola desenhada pelos acontecimentos em Brasília, com a redução das tensões e alguma acomodação nas próximas semanas.

As duas figuras de geometria analítica, comumente usadas no controle de risco em comunicação, se referem a uma tendência natural das crises, que costumam se comportar, metaforicamente, como um objeto lançado para o alto: se responder apenas à força inercial, o objeto vai em algum momento atingir o ápice da parábola e começar a cair. Se houver uma força adicional capaz de dar novo impulso a ele, o objeto irá sofrer uma inflexão no ponto de exaustão da força inicial, em que se começa a curva descendente, e receberá novo impulso, retomando a ascensão com uma curva inversa, para cima.

O fato que determina esse momento curioso da nossa crônica política é a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de uma emenda que extingue, na prática, o fator previdenciário no cálculo das aposentadorias.

O tema é bastante explorado pelos diários de circulação nacional, com boas reportagens, análises variadas e um ponto em comum: em maior ou menor grau, os jornais condenam a decisão e mobilizam seus colunistas para questionar o que chamam de irresponsabilidade do Legislativo.

O sistema proposto pelos deputados, chamado de fórmula 85/95, garante aposentadoria integral para os homens que se aposentarem quando a soma da idade com o tempo de contribuição atingir 95 e as mulheres alcançarem o número 85 na mesma conta.

Embora o assunto envolva uma alta complexidade, que inclui as perspectivas de longevidade das próximas gerações, a composição de renda das famílias e outros fatores, é consenso entre os analistas que a iniciativa vai causar um grande impacto nas despesas do governo com a previdência social.

A imprensa observa que o custo será insignificante nos primeiros quatro anos, porque as pessoas tenderão a adiar a aposentadoria para se beneficiar da nova regra, assegurando um benefício maior no longo prazo. Mas os textos assumem que o sistema previdenciário sofrerá um choque de mais de R$ 40 bilhões na primeira década.

Lula é o alvo

O leitor curioso e atento se perguntaria: por que a mídia tradicional se mostra tão preocupada com o futuro, e ao mesmo tempo incentiva uma crise política que afeta as chances de desenvolvimento do Brasil?

Da mesma forma, o que explicaria, para além das picuinhas partidárias, o fato de que boa parte da oposição votou contra seus interesses de longo prazo e parte da aliança governista contrariou seu discurso tradicional de defesa do trabalhador para se opor à proposta?

Os jornais exploram o sinal invertido entre petistas e tucanos, e surpreendem ao tomar o partido da presidente Dilma Rousseff nessa questão.

Uma razão pode estar no fato de que, até mesmo quando imersa até os ossos na disputa partidária, a imprensa precisa definir um limite para as ações populistas dos presidentes da Câmara e do Senado, que jogam para a plateia para fugir dos holofotes da Operação Lava Jato. Em algum momento há de se impor a responsabilidade nesse cenário que um articulista do Estado de S. Paulo chama de “clima de bundalelê”.

Para os pouco afeitos à nova linguagem jornalística, convém registrar que a expressão “bundalelê” representa a atitude provocativa de alguém que exibe as nádegas em público, como ocorreu na quarta-feira (13/5) em que foi votada a medida provisória que define as regras da pensão por morte.

Até o Jornal Nacional, da Globo, mostrou rapidamente o ativista da Força Sindical, de camisa preta (ver aqui a cena que acontece aos 30 segundos do vídeo) tirando as calças e mostrando o traseiro aos deputados.

O fato de os principais jornais do país, que têm investido no desgaste da imagem da presidente Dilma Rousseff, definirem um limite para as diatribes da dupla que dirige o Congresso Nacional precisa ser visto sob diversos ângulos.

Um deles é a percepção de que, apesar da crise política, o governo já aprovou as medidas básicas destinadas a conter os gastos públicos, e o Brasil volta a receber novos investimentos, o que pode reacender a economia em curto prazo. A outra razão é menos nobre: o principal alvo da imprensa não é a atual presidente da República, que, mal ou bem, vem retomando as rédeas do governo. O projeto da mídia tradicional é atingir a reputação do ex-presidente Lula da Silva, para minar suas chances caso venha a se candidatar em 2018.