O Globo aborda, na edição de sexta-feira (5/6), na sua editoria de Opinião, a questão da exigência do diploma específico para o exercício da profissão de jornalista. A posição do jornal (ver aqui), coincidente com a de todas as grandes empresas de comunicação do país, é a mesma que levou o Supremo Tribunal Federal a extinguir a regulamentação da atividade jornalística, em 2009.
Para o diário carioca e seus parceiros da Associação Nacional de Jornais e das entidades que representam as revistas e as emissoras de televisão e rádio, exigir uma qualificação específica para jornalistas profissionais é “corporativismo”.
A contrapartida (ver aqui) ficou a cargo do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que alinha os argumentos básicos levantados pela Federação Nacional dos Jornalistas, na ocasião do julgamento da questão no STF e confirmados com o passar do tempo: a decisão não ampliou o acesso do cidadão aos meios de comunicação, não assegurou a liberdade de expressão e não conteve a concentração da propriedade da mídia – pelo contrário, o que se viu foi a redução da pluralidade nos meios tradicionais. Se há alguma diversidade, ela se encontra no ambiente hipermediado da internet e das redes sociais.
Essas foram as justificativas apresentadas na ocasião pelo ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF, ao defender o fim da exigência do diploma. Como observa Paulo Pimenta, o ministro e seus pares que votaram pelo fim da regulamentação da profissão de jornalista demonstraram ignorar um aspecto basilar dessa atividade: jornalismo não é opinião – portanto, a exigência do diploma não afeta a liberdade de expressão.
Por outro lado, também é uma evidente aleivosia afirmar, como fez o então presidente do STF, que a corte estava tratando de defender a liberdade de pensamento. Como lembra o articulista, a livre manifestação do pensamento não depende de acesso a um jornal, revista, programa de rádio ou de TV – ela é garantida a todos, independentemente da profissão. Como se vê, aliás, nas manifestações de golpistas e aloprados aos quais a imprensa concede ampla visibilidade e livre expressão.
Uma decisão vergonhosa
O editorial que reproduz a opinião dos jornais é motivado pela tramitação, no Congresso Nacional, de duas propostas de emenda à Constituição que restauram a exigência do diploma de curso superior de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, para o exercício da profissão. Como há seis anos, as empresas jornalísticas afirmam que tal norma seria “corporativista”, pois significaria a criação de uma espécie de reserva de mercado para uma categoria profissional.
Ora, não é esse mesmo o sentido do princípio da regulamentação no Brasil, que define as funções de praticamente todas as profissões e muitas atividades da vida moderna? Essa é a orientação geral da Constituição de 1988 e das especificações que vieram nos anos subsequentes, incluindo até mesmo atividades físicas coletivas, como o método Pilates.
Se o ordenamento legal de praticamente todas as profissões e atividades remuneradas tem um caráter corporativo, por que justamente o jornalista tem que ficar desprotegido? Porque as empresas de comunicação – que para todas as outras atividades econômicas se declaram adeptas do livre mercado e da concorrência aberta – queriam a proteção do Estado nas eventuais disputas trabalhistas com seus funcionários.
Tanto isso é verdade que, de lá para cá, tornou-se comum a contratação de jornalistas como “pessoas jurídicas”, o que aumentou a precariedade de sua condição profissional – e milhares estão agora em situação vulnerável porque não contam com uma aposentadoria suficiente e não possuem as garantias proporcionadas pela Consolidação das Leis do Trabalho.
O que as empresas jornalísticas pretendiam – e obtiveram da Suprema Corte –, era ganhar essa condição privilegiada de negociação para terceirizar sua atividade-fim.
Era isso que queria o Supremo Tribunal Federal?
Paulo Pimenta também observa que há um aspecto ainda mais hipócrita nessa questão, se considerarmos que, recentemente, em edital de concurso público, o STF exigiu, para contratar jornalistas, a apresentação do diploma específico, que ficou sem valor legal com a decisão de 2009. Para o resto do Brasil, até mesmo um analfabeto pode requerer o registro profissional e se declarar jornalista.
O projeto que corrige esse vergonhoso capítulo na história da Suprema Corte foi aprovado no Senado e tramita na Câmara. O editorial do Globo abre uma nova ofensiva da imprensa para tentar impedir que essa distorção seja corrigida.
As empresas jornalísticas querem continuar no colinho do Estado.