Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>A pizza é de todos
>>O crime esquecido

A pizza é de todos


Os jornais confirmam nesta quinta-feira a notícia da semana anterior, segundo a qual senadores governistas e oposicionistas teriam feito um acordo para livrar de processos no Conselho de Ética o presidente do Senado, José Sarney, do PMDB, e o líder do PSDB, Arthur Virgílio.


Enterra-se, assim, mais um caso escandaloso no qual os jornais investiram páginas e mais páginas durante meses.


Como sempre, provavelmente teremos algumas semanas de amenidades antes que novas denúncias venham a entreter o respeitável público.


Entre as edições desta quinta-feira, pode-se afirmar que o Estado de S.Paulo foi o que mais se aproximou de uma cobertura equilibrada, apesar de, como todos os outros jornais, ter preferido abordar o assunto sob o prisma das contradições do Partido dos Trabalhadores do que analisar o comportamento do conjunto dos senadores envolvidos na decisão.


O Estadão não privou seus leitores da confirmação de que estava em andamento um acordo que, apesar dos discursos inflamados, envolveu todos os principais protagonistas da cena política no Senado.


Se não resta dúvida aos leitores de que o PT tomou um rumo claro em direção ao pragmatismo, em detrimento de suas bandeiras originais de defesa da ética sobre todos os pressupostos, também não fica dúvida de que muito do discurso moralista que encheu páginas e páginas de jornais e revistas nos últimos meses era apenas encenação.


A moral não é um ingrediente essencial no jogo político.


O episódio deve ser lido sem emocionalismos, porque no ano que vem os brasileiros vão às urnas.


Certamente, tudo que foi estocado nestes meses em que o Senado ficou imerso em escândalos voltará à tona, transformado em armamento de campanha.


Quando aparecerem na televisão aquelas faces afogueadas de parlamentares indignados com o escândalo dos outros, lembre-se o leitor e eleitor que a pizza final é obra de todos eles. 


O crime esquecido


Nesta quinta-feira, 20 de agosto, completam-se nove anos do assassinato da jornalista Sandra Gomide, ocorrido em um haras nas proximidades de São Paulo.


Seu assassino confesso, Antonio Pimenta Neves, continua em liberdade.


Foi condenado a 19 anos de prisão, por homicídio duplamente qualificado, no dia 5 de maio de 2006, mas o juiz não decretou sua prisão porque, por entendimento do Supremo Tribunal Federal, ele tem direito a recorrer em liberdade de toda sentença até a última instância.


São os trâmites da Justiça, e eles obedecem estritamente ao que está escrito na lei.


Outra questão, que tratamos neste Observatório, é o papel da imprensa.


Nenhum dos grandes jornais brasileiros registra o caso nas suas edições desta quinta.


Nenhum dos representantes da chamada grande imprensa se dispôs a colocar em debate público as eventuais responsabilidades do jornal O Estado de S.Paulo e de outros personagens mais ou menos poderosos nos antecedentes do crime e nos esforços para livrar de punição o assassino.


Nenhum desses cronistas e articulistas que vociferam contra qualquer coisa que se move se encheu de coragem para comentar que, quase uma década depois, Sandra Gomide segue sendo triplamente vitimada: pelo assassinato covarde, pela ausência de Justiça e pelo esquecimento decretado pela omissão da imprensa.


Pimenta Neves e Sandra Gomide começaram um relacionamento amoroso em 1997.


Três anos depois, em julho de 2000, quando ela rompeu o namoro, ele a demitiu do cargo de editora de Economia do Estadão, para o qual a havia promovido.


Passou a perseguí-la, ameaçando com retaliações qualquer empresa que a contratasse.


Dez dias antes do assassinato, ele invadiu o apartamento da jornalista, que registrou o fato em boletim de ocorrência, alertando as autoridades e os dirigentes do jornal de que corria risco.


Segundo um ex-repórter do Estadão, Pimenta costumava exibir uma arma, emprestada por um amigo publicitário, e chegou a dizer a diretores do jornal que pretendia cometer um assassinato.


A diretoria do Estado de S.Paulo o aconselhou a se submeter a psicoterapia, mas o manteve no cargo, garantindo-lhe o uso do poder do jornal para fazê-la submeter-se a suas vontades.


São quase dez anos de um assassinato covarde, impune graças a chicanas de advogados e sob o silêncio omisso da grande imprensa.