Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

>>A realidade olímpica
>>Heróis e traidores

A realidade olímpica

A imprensa brasileira respondeu com uma onda de ufanismo à notícia da escolha, pelo Comitê Olímpico Internacional, do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016.

A revista Veja inseriu entre suas páginas, sempre amargas quando trata do Brasil contemporâneo, uma reportagem especial – recheada de anúncios, é claro – na qual saúda a conquista como o “corolário da força de uma economia estável e de uma nação politicamente pacificada”.

Seria o mesmo Brasil das últimas semanas, que, segundo a revista, anda atacado de sonhos imperialistas e megalomaníacos, ameaçado de se transformar em uma república socialista por conta da estratégia de exploração das reservas do pré-sal?
 
Os jornais não ficaram atrás.

Embarcaram da mesma forma no delírio nacionalista, com muita razão, porque a conquista é importante.

Mas, como depois de toda festa, chegaram ao final da semana tendo que encarar a realidade: muitas instituições brasileiras precisam ser reinventadas para encarar o desafio de planejar e realizar com um mínimo de eficiência e transparência o maior evento esportivo do planeta, apenas dois anos após ter que sediar a Copa do Mundo de Futebol.

Repórteres e analistas se concentraram em destrinchar os problemas que costumam transformar o Rio de Janeiro de “cidade maravilhosa” em túmulo da civilização.

E dá-lhe infográfico sobre obras de instalações esportivas e infraestrutura de hotelaria e transporte!

No meio de tudo, algum espaço para o ponto central: como resgatar para o controle público as vastas áreas da cidade sob domínio dos bandos criminosos?
 
Os jornais destacam nesta segunda-feira o fato de que o Brasil aparece no novo relatório do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU como tendo apresentado melhora nos seus indicadores.

Mas ainda somos uma das dez nações com as maiores desigualdades sociais do mundo.

Alguns analistas citados pela imprensa dizem que a ação necessária para realizar as Olimpíadas pode produzir uma transformação radical no Rio de Janeiro.

Mas existe ainda um Brasil inteiro para ser reformado.
 
Heróis e traidores

Alberto Dines:

– “E, agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou…” E, agora, João, Antonio, Joaquim, Maria e, agora, Luiz ? O imortal poema de Carlos Drummond de Andrade é o mais perfeito lamento do day after, confronto com a realidade, canto-chão pós-euforia. Aplica-se perfeitamente ao vazio que se seguiu à vibração da sexta-feira quando foi anunciada a escolha do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016. Depois do carnaval em Copenhagen, a ressaca inevitável – trabalho insano, responsabilidades, dificuldades, cobranças, disputas, cobiça, solidão, silêncio.

Serão sete longos anos de muito sacrifício. Dois mil, quinhentos e cinqüenta e cinco dias de dedicação integral. A Cidade Maravilhosa merecidamente premiada, terá desafios extras: grande parte das obras de infra-estrutura terão que ficar prontas dois anos antes, para a abertura da Copa do Mundo. O Mundial de Futebol não pode ser inaugurado nem centralizado num grande canteiro de obras inconclusas. Hoje se inicia a contagem regressiva para 2014-16 e, sendo assim, é preciso registrar que o oba-oba da mídia foi desmedido. Impróprio.

Evidencia-se mais uma vez, como na esfera esportiva nossos jornalistas obedecem a códigos especiais e não se avexam em fazer parceria com marqueteiros, publicitários, cartolas e afins.


Esqueceram novamente o compromisso de advertir, alertar para os perigos, ligar os alarmes.


Preferem jogar para a galeria e as arquibancadas. Dos vinte grandes nomes e “nomões” do nosso jornalismo apenas dois assumiram o seu papel de críticos antes da decisão do COI: Juca Kfouri, da Folha de S. Paulo e rádio CBN e Janio de Freitas, colunista político da Folha de S. Paulo.

São de outro planeta? Não. Diferenciam-se porque não esquecem o indispensável dever crítico, têm presente o compromisso de duvidar. Não há em nossa imprensa quem desconheça o sistema de vasos por onde escoa parte das verbas dos projetos grandiosos nem há quem ignore o pântano sobre o qual está construído o nosso esporte, mas as coisas no Brasil saem sempre truncadas: os céticos são denunciados como traidores da pátria e os que fazem a festa passam por abnegados heróis.