Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>A TV do bispo
>>Poder de barganha

Luciano:

A interpretação dos jornais de hoje sobre a rebelião do PMDB, que anteontem rejeitou a criação do Ministério do Planejamento de Longo Prazo, é unânime.

Todos dão o crédito ao senador Renan Calheiros.

Porém, os fatos podem demonstrar o contrário.

Entre os destaques de hoje, participação do presidente Lula na inauguração de uma nova emissora de TV noticiosa, cujo surgimento é citado exatamente como a oportunidade de mais diversidade na mídia.

Dines:

– O início das transmissões da Record News, ontem à noite, tem todas as condições para converter-se em marco de um novo capítulo no telejornalismo brasileiro. A concorrência em jornalismo significa diversidade e a diversidade só se torna visível através da disputa pela qualidade noticiosa O discurso inaugural do bispo Edir Macedo contra o monopólio da informação (evidentemente dirigido à TV Globo), só poderá ser levado a sério se a nova emissora esquecer a retórica e  comprometer-se com um padrão de jornalismo livre de apelações populistas, livre do partidarismo político e do proselitismo religioso.  Se a nova emissora transformar-se em porta voz do senador Marcelo Crivella, defensor intransigente de Renan Calheiros, é evidente que o monopólio da informação  televisiva vai continuar. Quando o governo Lula precisou escolher a presidente da nova Rede Pública de TV foi buscá-la onde? Na concorrente da nova emissora, a Globo-News. Quando a Record ostentar em seus quadros profissionais como Teresa Cruvinel então teremos um telejornalismo verdadeiramente diversificado e competitivo.

A TV do bispo

O Globo ignorou a inauguração da nova emissora da rede Record.

Mas brindou seus leitores com um registro excusivo sobre o projeto de lei do deputado Jorge Bittar, que propõe regular a convergência dos meios tecnológicos de televisão por assinatura.

O assunto é de interesse direto do grupo Globo, tem grande importância por causa da regulamentação das mudanças que já estão acontecendo no setor, mas não vinha sendo colocado em debate público pelos jornais.

O detalhe do projeto de Bittar que chama atenção é a permissão para a participação do capital estrangeiro, sem limitação, o que abre espaço para a atuação das multinacionais de telecomunicações.

Mas a programação terá que ficar sob a responsabilidade de brasileiros, assim como a organização e venda de canais.

O Globo também dá seqüência ao noticiário sobre a fuga do estelionatário suíço Mike Nigli, que anda sumido depois que foi beneficiado com a prisão domiciliar pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello.

O jornal carioca entrevistou o ministro, que culpou indiretamente a Polícia Federal pela fuga do suíço.

Em destaque, o Globo discute a concessão sem critérios de habeas-corpus e relaxamento da pena, como os que beneficiaram o golpista Mike Nigli e o maníaco que foi libertado em São Paulo e matou dois meninos no dia seguinte.

Barraco de luxo

O bate-boca entre os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, destaque em todos os jornais de hoje, completa o quadro de notícias que em nada ajudam a boa imagem do Judiciário.

A disputa verbal entre os dois ministros pode deixar no ar a amarga suspeita de que alguém no STF não estaria habilitado a dar lições de moral.

Pelo menos foi isso que os ministros disseram um ao outro, publicamente.

Ministro sem futuro

Os jornais discutem hoje o futuro do ex-quase ministro Roberto Mangabeira Unger, cujo cargo se desvaneceu no ar por obra do PMDB.

O Estado de S.Paulo exibe fotografia mostrando o gabinete do filósofo Mangabeira Unger, já esvaziado.

A Folha de S.Paulo traz um destaque interessante, revelando que técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada comemoraram o veto à criação do Ministério do Planejamento de Longo Prazo. Moldado especialmente para o polêmico filósofo, o ministério nasceu e morreu sem que se soubesse exatamente de que assuntos iria tratar.

Poder de barganha

O presidente Lula é citado em todos os jornais, ao afirmar que não faz barganhas, mas acordos.
Representantes do PMDB, ao contrário, declararam explicitamente que fazem barganha, sim, e por cargos em troca do apoio ao governo no Congresso.

A liderança da base aliada já discute a eficácia dos tapinhas nas costas, dos elogios públicos e do loteamento de bons postos na máquina do Estado como estratégia para a manutenção da maioria parlamentar.

Citado pelo Estadão, o líder do governo no Senado, Renato Casagrande, observa que o governo precisa de menos conversa e mais planejamento.

Renan reassume

Depois da demonstração de força do PMDB, Renan Calheiros reassumiu de fato a presidência do Senado.

Hoje ele aparece sorridente nas fotos dos jornais.

Os diários o apresentam como o vencedor da queda-de-braço com o Executivo e oferecem uma única versão para a rebelião do PMDB: teria sido uma reação contra a mudança de posição de senadores petistas, que se manifestam favoráveis ao afastamento de Renan Calheiros.

Mas os jornais deixaram de lado outra informação que deve ser levada em conta na análise dos acontecimentos recentes na política: o governo segue, discretamente, estimulando parlamentares da oposição a mudarem de partido.

E a maioria dos que negociam a adesão ao governo não está se dirigindo ao PMDB, mas aos partidos menores da base aliada.

A estratégia do Executivo é clara: aumentar a base de apoio e ao mesmo tempo diluir o poder do PMDB.

Sem lealdade

Embora Renan Calheiros tenha aproveitado a rebelião do seu partido para aparecer em posição de força, o Globo explica que, na verdade, ele acabou votando junto com o governo.

O jornal carioca diz, explicitamente, que os peemedebistas desejam cargos em estatais do setor elétrico.

Nessa área está concentrada boa parte dos investimentos previstos no Plano de Aceleração do Crescimento.

O partido que já foi a plataforma da luta pela redemocratização do Brasil pode até entregar Renan Calheiros no próximo julgamento, em troca de bons cargos.

O julgamento do pedido de processo contra Renan Calheiros no caso do suposto favorecimento à indústria de cerveja Schincariol deve acontecer na próxima terça-feira.

O Congresso já aprovou o fim das sessões secretas.

Quem viver, verá até onde vai a lealdade do PMDB ao presidente do Senado.