Os jornais de segunda-feira (13/4) absorvem cautelosamente a frustração com o menor impacto das manifestações de domingo, projetando novos lances dos grupos que se organizaram nas redes sociais e se corporificaram nas ruas. As redações registram desentendimentos entre líderes do movimento, concentrando as fichas em apenas dois deles, mas não conseguem dissimular o fato de que os protestos eram uma grande aposta da própria imprensa hegemônica.
Os jornais de sábado haviam divulgado com destaque declarações do presidente do PSDB, senador Aécio Neves, e uma nota oficial do partido, apoiando irrestritamente as manifestações do dia seguinte. Desde a sexta-feira (10/4), os três diários de circulação nacional vinham publicando chamamentos explícitos para estimular a adesão aos protestos, procurando selecionar os grupos e isolar os aloprados que ainda pregam o golpe militar e ações violentas. Não fica bem ser visto em tal companhia.
Não havia qualquer dúvida, portanto, de que a manifestação programada para manter acesa a crise política passava a ser um ato partidário sob a bandeira do PSDB, com patrocínio indiscutível da mídia tradicional.
A “pesquisa” Datafolha publicada na manhã de domingo mostrava que a queda de popularidade da presidente Dilma Rousseff havia estabilizado, o que pode ser creditado à nomeação do vice-presidente Michel Temer como negociador com o Congresso e à maior visibilidade das medidas econômicas recentes, tratadas com superficialidade pela imprensa.
Na mesma edição da consulta, o Datafolha havia inserido uma pergunta maliciosa: “Considerando tudo que se sabe até o momento a respeito da Operação Lava Jato, o Congresso deveria abrir processo de impeachment para afastar a presidente Dilma da Presidência?”
A resposta majoritária (63%) a favor de um processo era apresentada pelo jornal como apoio ao impeachment, registrando-se, ao mesmo tempo, que só 12% dos que se declararam a favor de um processo para afastamento da presidente sabiam que, em caso de impeachment, Michel Temer seria seu sucessor.
Projeto comum
É nesse contexto de desinformação e ignorância política que os jornais tentam manipular os números da manifestação, procurando dar a ela uma abrangência que nunca tiveram.
Segundo levantamento feito pelo Datafolha no decorrer dos protestos, 83% dos manifestantes que foram às ruas no domingo haviam votado em Aécio Neves na eleição presidencial. Temos, portanto, um contexto em que homens (56% do total) brancos (73%), com educação superior (77%) e idade média de 45 anos saíram às ruas para exigir um terceiro turno da eleição que perderam nas urnas.
A análise da sequência de números selecionados pelo Datafolha autoriza a concluir que está em curso um golpe contra a vontade da maioria que elegeu a presidente Dilma Rousseff, no qual a imprensa seleciona fatos e opiniões, organiza e dá densidade a uma disposição antidemocrática que até então era difusa nas camadas privilegiadas da sociedade.
Embora os jornais insistam em dar aos protestos um caráter mais amplo, os fatos do fim de semana demonstram que há um processo deliberado, com base na imprensa, de levar às ruas manifestantes com perfil conservador e tentar apresentá-los como uma representação majoritária da população. Aposta-se, claramente, que essa onda acabe contaminando as classes de renda emergentes, cujos integrantes, em boa parte, almejam ser vistos como membros da classe média tradicional.
Observe-se que alguns institutos de pesquisa, entre os quais o próprio Datafolha, vem registrando, na esteira das manifestações, uma mudança no posicionamento político das classes médias urbanas, com o crescimento do número de pessoas que se declaram “direitistas” ou de “centro-direita”. Cansada de perder seguidamente a disputa nas urnas democráticas, a mídia se empenha em validar e dar visibilidade a expressões políticas reacionárias e antidemocráticas.
Registre-se, como curiosidade que um dos artigos publicados na edição de segunda-feira (13) da Folha de S. Paulo termina com a seguinte observação sobre a passeata de domingo no Rio de Janeiro: “(…) foi fácil perceber que não havia em Copacabana gente em situação financeira precária. Eram 10 mil pessoas de uma classe média que segue a pauta dos grupos de comunicação, claramente favoráveis aos protestos. Se a crise se instalar com a força que se espera e os mais pobres saírem às ruas, é possível que a turma deste domingo corra para seus apartamentos. E chame a polícia”.
Não seria esse mesmo o projeto da imprensa hegemônica?