Uma nota de cinco linhas, publicada na edição de quarta-feira (29/4) da coluna “Panorama político”, do Globo, contém uma das questões centrais para entender como a crise alimentada pela mídia tradicional contribui para o retrocesso de direitos alcançados na Constituinte de 1988. Diz o texto:
“Criada no Senado, com 14 senadores, a Frente Progressista. Liderada por Lindbergh Farias (PT-RJ), ela pretende barrar a agenda conservadora: redução da maioridade penal e as mudanças nos estatutos da Família e do Desarmamento”.
A notícia tem apenas um reparo: a frente de senadores não é liderada por Lindbergh Farias – ele é um dos fundadores, responsável por contatar novos integrantes.
Criada oficialmente na terça-feira (28|), a Frente Progressista Suprapartidária tem também entre seus integrantes o ex-ministro Cristovam Buarque (PDT-DF), que a batizou de “grupo do não passarão”. O grupo, formado originalmente por senadores do PT, PMDB, PSB, PCdoB, PDT e PSol, pode chegar a trinta senadores nos próximos dias.
A solitária nota na coluna do Globo diz pouco mas revela muito: a motivação principal da Frente Progressista é se contrapor à onda de propostas oriundas na Câmara dos Deputados, que ameaçam eliminar conquistas essenciais da sociedade brasileira.
A informação não será encontrada em grandes reportagens ou em artigos dos mais lustrosos colunistas da imprensa, por uma razão muito simples: embora mantenha um discurso cuidadoso em relação a essas iniciativas das bancadas mais conservadoras da Câmara, a imprensa nutre envergonhada simpatia por algumas delas.
O manifesto assinado pelos senadores se refere aos projetos que propõem a redução da maioridade penal, a redefinição do Estatuto da Família – que embute a limitação de direitos dos homossexuais –, a precarização de direitos do trabalhador e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento.
E o que a imprensa tem a ver com isso?
Simples: essas propostas só têm encontrado acolhimento na Câmara dos Deputados por causa do contexto da crise política insuflada pelos principais veículos de comunicação do país.
Maioridade penal
A iniciativa da Frente Progressista Suprapartidária cria um abrigo institucional para mobilizações esparsas pela sociedade, que não encontram apoio na mídia tradicional. Em muitas cidades do Brasil, entidades sindicais, coletivos de cultura e organizações não governamentais promovem debates e esclarecimentos sobre algumas das questões que formam a agenda conservadora da Câmara e preparam manifestações que podem se juntar, por exemplo, às greves de professores que a imprensa insiste em ignorar.
Em São Paulo, grupos de educadores e ativistas participaram nesta semana de debates promovidos por entidades como a Ação Educativa e a Fundação Perseu Abramo, nos quais foram relatadas iniciativas de esclarecimento sobre a questão da maioridade penal.
A ativista Verónica Silveira, uma das coordenadoras da campanha que levou à rejeição de uma proposta de redução da maioridade penal no Uruguai em 2014, explicou como os movimentos sociais conseguiram superar o bloqueio da mídia e realizar o plebiscito no qual a maioria da população daquele país decidiu não alterar a legislação de proteção da criança e do adolescente.
No Brasil, questões como essa são conduzidas por grupos reacionários no Congresso Nacional, sob o olhar omisso da mídia tradicional. Os argumentos primários em favor da redução da maioridade penal invertem a lógica que levou a Constituinte a criar o arcabouço jurídico dos direitos da infância e a imprensa se mostra vacilante diante dessa e de outras propostas que, segundo muitos juristas, ameaçam a ordem constitucional.
O interesse explícito das grandes empresas de comunicação é apoiar as manobras que mantêm o governo federal refém dos interesses de líderes do Parlamento ameaçados no inquérito que investiga a corrupção na Petrobras. Esse é o contexto no qual as frações mais reacionárias do Congresso tentam contrabandear para o sistema legal medidas que, em circunstâncias normais, não passariam pelo crivo do Parlamento.
A criação da Frente Progressista não ganha destaque no noticiário porque é do interesse da imprensa manter ativa a agenda reacionária.