Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

>>Debatendo a Lei de Imprensa

Debatendo a Lei de Imprensa

O Supremo Tribunal Federal adiou para 22 de abril a retomada do julgamento da Lei de Imprensa. Hoje conversamos com Paula Martins, diretora para o Brasil da ONG Artigo 19, que luta pelo direito de acesso à informação pública.

Luciano Martins: – Paula, como vocês vêem que a legislação brasileira afeta os Direitos Humanos, especialmente o direito ao amplo acesso à informação?

Paula Martins: – Bom, nós verificamos que várias pessoas, que estavam comentando sobre questões de essencial interesse público, estavam sendo limitadas na sua liberdade de expressão pela Lei de Imprensa. Nós verificamos casos em que pessoas tinham sido inclusive processadas criminalmente pela denúncia de irregularidades, pela denúncia de corrupção. E foi então que nos envolvemos no questionamento de uso abusivo da legislação de imprensa, que já é toda feita em cima de uma lógica autoritária e que tem se servido ao uso abusivo em casos concretos.

Luciano Martins: – O próprio Observatório da Imprensa tem noticiado alguns casos de abuso. Você poderia citar algum caso concreto desses?

Paula Martins: – Exatamente. Nós acompanhamos um caso específico, de uma professora aposentada que atuava através de um jornalzinho de 200 exemplares. Ela questionou as condições na cadeia pública, no sistema penitenciário ali no âmbito local e o juiz que então era responsável pelo setor penitenciário se sentiu ofendido, apesar de ele nunca ter sido mencionado no jornalzinho. Ela foi processada criminalmente e ela foi condenada a 4 meses de detenção. A pena foi convertida em serviços, mas independente disso ela tem uma condenação agora criminal em seu registro. E a gente acha que é isso que acaba limitando o livre fluxo de informações e inibe as pessoas a fazerem comentários críticos, que é essencial em uma democracia.

Estamos conversando com Paula Martins, diretora da ONG Artigo 19.

Luciano Martins: – Paula, há casos de abusos da própria imprensa. Como assegurar o direito a ambos os lados?

Paula Martins: – Sim, esse é um ponto essencial. Nós acreditamos que existem alguns casos em que ocorrem, sim, desvios, e que esses casos devem ser inclusive levados ao Judiciário, mas a responsabilização no âmbito civil é suficiente. A aplicação da legislação criminal é que nós acreditamos que seja abusiva e, dentro das próprias disposições da Constituição, a questão da indenização e o direito de resposta seriam suficientes para resolver essas situações de abuso.

Luciano Martins: – Quais são os pontos da Lei de Imprensa que vocês acham que devem ser suprimidos ou alterados?

Paula Martins: – Nós focamos a nossa intervenção em relação à Lei de Imprensa exatamente quanto aos artigos que criminalizam, no nosso ver, o exercício de um direito monofundamental; então aqueles que rezam sobre a calúnia, a injúria e a difamação, inclusive trazendo penas superiores ao restante da legislação. E também, como eu disse, a legislação foi criada dentro de uma lógica bastante autoritária e ela tem alguns dispositivos que trazem uma proteção maior para pessoas públicas, em especial oficiais públicos, servidores públicos. Então nós também questionamos esses artigos, que eram artigos que traziam penas maiores para crimes contra funcionários públicos e também um artigo muito preocupante, que é um artigo que negava a defesa da verdade no caso de processos envolvendo algumas autoridades como o presidente da República. Se eu alegar que o presidente da República praticou algum ato, ainda que eu consiga provar depois que isso realmente é verdade, isso não seria uma defesa dentro do processo criminal e eu poderia, de qualquer forma, ser condenado dentro desse processo, simplesmente por ter ofendido os sentimentos dessas autoridades.

Luciano Martins: – E como, na opinião de vocês, a imprensa está cobrindo essa questão? Parece que a imprensa anda confundindo liberdade de expressão com liberdade de imprensa.

Paula Martins: – Sim, certamente. É exatamente esse o centro da questão. Nós entendemos a liberdade de expressão como direito monofundamental, não a liberdade de imprensa. Em um contexto em que você tem uma alta concentração da mídia, em que você tem a mídia sendo utilizada para benefício de campanhas político-partidárias muito pessoais, você corrompeu a lógica do que é o direito à liberdade de expressão e não é essa a liberdade de expressão que a gente quer defender. Com certeza, esses outros aspectos são temas que têm que ser trazidos para o debate e existem alguns limites que devem ser questionados. Como ter uma legislação para o setor que garanta, não só a liberdade de imprensa, mas também a liberdade de expressão do cidadão brasileiro?