Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

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Escravos e florestas

Os jornais do final de semana pintam o retrato de um Brasil que não cabe no século XXI.

A Folha de S.Paulo traça um painel do trabalho escravo, no qual se pode compreender porque a vergonhosa exploração de seres humanos, especialmente na zona rural, resiste ao poder de fiscalização do Estado.

O jornal paulista revela que a bancada ruralista, da qual se espera simplesmente que defenda os interesses dos produtores agrícolas, se transformou na bancada escravagista, ao atrapalhar a análise de onze projetos que prevêem punição para produtores rurais que não remuneram seus trabalhadores ou que os mantêm alojados em condições indignas.

A Folha entrevistou a senadora Kátia Abreu, do partido Democratas e proprietária de terras no Tocantins.

A senadora diz que a bancada não votou a emenda contitucional que prevê o confisco de terras onde ocorra trabalho escravo por não concordar com a conceituação de trabalho escravo.

Enquanto os senadores discutem o que é escravidão, a escravidão mantém o Brasil no século XIX.

Floresta abaixo

A outra notícia que remete a um Brasil da antiguidade foi publicada pelo Estado de S.Paulo.

Segundo o Estadão, o ritmo da devastação florestal em Rondônia cresceu 600% em apenas um ano, concentrando-se principalmente na área de fronteira com a Bolívia.

Fiscais do Ibama citados pelo jornal consideram que o ritmo do desmatamento aumentou com o anúncio da construção de duas  hidrelétricas no rio Madeira.

A notícia das obras atrai candidatos a emprego e empreendedores oportunistas.

Além disso, lembra o jornal, desde agosto de 2006 a responsabilidade pela liberação de projetos de exploração da floresta passou da União para o Estado.

Esse é o trecho em que o Brasil se nega a ultrapassar a fronteira do século XXI, que foi inaugurado sob o signo da preservação da natureza.

Cartórios e ladrões

O Globo resolveu investigar a máfia dos cartórios, onde são produzidas procurações falsas de pessoas idosas ou falecidas, com as quais os criminosos se apropriam de imóveis.


Segundo o levantamento do Globo, nada menos do que 15% dos tabelionados do Estado do Rio estão envolvidos em fraudes.

O Globo lembra que os cartórios surgiram no período colonial, foram distribuídos aos amigos do rei e até hoje costumam passar de pai para filho, mesmo com a lei que determina a escolha do tabelião por concurso público.

Com o advento de tecnologias avançadas para a certificação até mesmo de documentos virtuais, a notícia de fraudes em cartórios remete o Brasil de volta aos tempos de D. João VI.

Livros e didática

O papel educativo da imprensa quase sempre se reduz à notícia sobre os fatos da educação.

A imprensa está sempre pronta, por exemplo, a cumprir essa função de crítica do material que é produzido para os estudantes.

Mas quando jornais e revistas se tornam veículos de material didádito, nem sempre demonstram o mesmo cuidado.

Dines:

‘Os livros didáticos refletem ou distorcem a realidade?’ Esta é a pergunta da capa da última edição da revista Época. A matéria é de certa forma uma continuação do debate suscitado por um oportuno artigo do jornalista Ali Kamel publicado há um mês em O Globo. Depois de examinar a matéria da revista, fica-se com vontade de mudar a pergunta: ‘Nossa imprensa reflete ou distorce a realidade?’ Para começar: o título da capa  — ‘O que estão ensinando a nossas crianças’ — é impróprio.  O mais correto seria ‘O que estão ensinando às [craseado] nossas crianças’ como, aliás, está na abertura da reportagem. Se a revista sabe o que é certo, por que escolheu para a capa justamente o titulo menos correto? Mas a bomba está escondida no fascículo do Guia Época de Vestibular que acompanha a revista e foi preparado por uma empresa privada. O fascículo trata do Oriente Médio  e nele constam erros grosseiros, impropriedades e, sobretudo, graves preconceitos dos seus autores. Se o governo não pode distribuir livros didáticos errados, a imprensa que critica o governo deveria estar mais atenta ao assumir o papel de educadora.



 Principais erros do fascículo 9, “O Oriente Médio em Pé de Guerra”:


     ** O destino da região não foi selado  em 1918 “por uma intervenção franco-britânica”. Foi o fim do império otomano que produziu um redesenho do mapa regional não apenas na Palestina mas também no Líbano, Síria, Iraque, margem oriental do rio Jordão e península arábica.


     ** O sionismo não foi fundado pelo jornalista Theodore Herzel ( o nome correto é Theodor Herzl), ele criou o sionismo político. O movimento de massas dos “amantes de Sion” é anterior ao projeto do jornalista.


     ** Dizer que o “organizado sionismo contava com forte retaguarda financeira de banqueiros judeus de Londres” é uma mistificação. Equivale a dizer que a luta dos palestinos por seu estado só conta com a forte retaguarda dos sheiks do petróleo.


     **  A Declaração Balfour para a criação de um Lar Nacional Judeu na Palestina não criou o problema, tratou-se de promessa da  potência mandatária. O desrespeito à decisão da ONU votada em Novembro de 1947 de partilhar a Palestina em dois estados foi a responsável pelos problemas que se arrastam até hoje.


     ** É um perigoso eufemismo afirmar  que em 1948 “os árabes não aceitaram aquilo que denunciavam como um corpo estranho no mundo árabe”.  Os cinco  países que  invadiram simultaneamente o estado de Israel recém-proclamado estavam contrariando uma decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas.


     ** Os palestinos não foram expropriados das suas terras em 1948. Os palestinos foram vítimas de uma agressão perpetrada pelo Egito, Iraque, Transjordania, Síria e Líbano. Além da tentativa de aniquilamento do Estado de Israel, Jerusalém (que segundo a ONU deveria ser internacionalizada) foi parcialmente ocupada pela Transjordania.


     ** Qual a razão do adjetivo “legendário” para designar Yasser Arafat? Foi o incentivador do moderno terrorismo que até hoje ensangüenta a região e ao que consta acumulou indevidamente uma grande fortuna. E por que razão David Ben Gurion também não ganhou um adjetivo simpático?


     ** No mapa da pg. 3 do fascículo sobre a Partilha da Palestina a margem oriental do rio Jordão é mencionada como Jordânia. Na ocasião era Transjordania. Ao invadir território palestino o reino passou a chamar-se Jordânia.


     Os fascículos do Guia Época de Vestibular foram desenvolvidos pelo UNO Sistema de Ensino da Editora Moderna para a Editora Globo. O fascículo comentado é o Nº 9.

Luciano:

Uma razão, duas opiniões

A semana começa com o sinal invertido na política.

Enquanto repetem sintomas de que integrantes da base governista criam problemas para o projeto de prorrogação da CPMF, os jornais informam que, durante a convenção do PSDB, no domingo, o governador José Serra defendeu a proposta, ainda que com restrições.

Ao seu lado, o ex-governador Geraldo Alckmin, candidado a uma candidatura a prefeito de São Paulo, adotou uma posição mais radical contra o tributo.

O episódio escancara o fato de que, em política, nem todas as razões são razoáveis.
Aqueles que têm responsabilidades de governo, como Serra, vêem a questão da CPMF do ponto de vista do administrador que precisa da receita do tributo.

Mesmo na oposição, ele precisa pensar em como governar com uma parcela reduzida do orçamento federal.

Já o ex-governador Geraldo Alckmin pode jogar para a platéia, sem as preocupações do administrador.

Negócios à mesa

Enquanto isso, em Brasília, o Executivo faz as contas e conclui que a margem de segurança ainda é muito pequena para garantir a aprovação.

Segundo o Globo, pelo menos cinco votos na base aliada são considerados perdidos, e o governo precisa obter alguns apoios na oposição.

Além de Serra, outros governadores da  oposição se alinham com o governo federal de forma mais explícita.

Uma reportagem do Estado de S.Paulo explica indiretamente as razões, ao mostrar que, com excessão do Rio Grande do Sul, a maioria dos Estados está comemorando superavits em suas contas e não quer correr riscos no ano que vem.

O PSDB, que tem mais governadores em exercício, torna-se mais sensível à proposta de prorrogação, mesmo porque não encontrou problemas para esticar os prazos de validade da CPMF durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

A dificuldade na negociação se concentra exatamente na rejeição do Executivo a condicionar uma parcela maior da CPMF à área da Saúde, para a qual foi especificamente criada.

Mas as notícias desta segunda-feira dão a entender que, quando as razões financeiras falam mais alto, as razões políticas dão um jeitinho de falar contra e votar a favor.