Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Euforia mal disfarçada
>>Defendendo o inconfessável

Euforia mal disfarçada


Desde que foi anunciado o resultado da eleição presidencial no Chile, onde o oposicionista Sebastián Piñera derrotou o governista Eduardo Frei, os jornais brasileiros vêm sendo entulhados de análises e declarações sobre as possibilidades de repetir-se no Brasil um resultado eleitoral semelhante, a despeito da grande popularidade do presidente Lula da Silva.


As abordagens escolhidas por cada veículo são sutilmente distintas, mas podem ser classificadas entre aquelas que não dissimulam a euforia e as que buscam manter algum distanciamento político.


O Globo e a Folha de S.Paulo foram os primeiros a embarcar no entusiasmo provocado pela eleição do empresário Piñera, apontado pela imprensa brasileira como de “direita”, se é que essa expressão ainda carrega algum significado relevante.


O Estado de S.Paulo reproduziu as declarações de políticos de ambos os lados, destacando, obviamente, as celebrações entre oposicionistas.


O Globo e a Folha foram além, encomendando artigos de seus colaboradores e multiplicando manifestações de colunistas em torno da tese segundo a qual popularidade não ganha eleição, necessariamente.


O mote central é demonstrar que, a despeito da alta aprovação popular, a atual presidente do Chile, Michele Bachelet, não conseguiu eleger seu candidato.


As análises têm deixado de lado diferenças fundamentais entre o Chile e o Brasil. Uma delas: Sebastián Piñera é um empresário que se desloca de uma posição conservadora para propostas de centro-esquerda, enquanto no Brasil o movimento dos partidos no poder, desde a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso, tem sido percebido como uma tendência oposta.


O caráter pragmático e pouco ideológico das alianças políticas no Brasil também se diferencia dos quatro blocos que disputaram o governo do Chile.


Além disso, não se levam em conta as diferenças de tamanho, complexidade e momento histórico entre os dois países


Muitos outros aspectos aconselham a imprensa a conter o entusiasmo e oferecer mais inteligência aos leitores.


Mesmo porque a vida de Sebastián Piñera não será um mar de rosas.


Na edição desta quinta-feira, o Estado de S.Paulo noticia – embora discretamente – que o empresário, considerado o homem mais rico do Chile, já está envolvido em um escândalo: ele ganhou US$ 332 milhões de dólares em apenas dois dias, com a valorização das ações de suas empresas, impulsionada por sua vitória eleitoral.


Além disso, está sendo acusado de impor restrições a jornalistas durante as entrevistas, exigindo que não o questionem sobre seus negócios.


O Globo e a Folha esconderam essa notícia. 


Defendendo o inconfessável


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– Os principais veículos jornalísticos brasileiros, congregados em torno das mega-associações que reúnem as mais influentes emissoras de rádio e TV, jornais e revistas do país, estão cumprindo, como se fosse de caso pensado, uma estratégia perigosa no que se refere às posições editoriais adotadas em relação ao Programa Nacional de Direitos Humanos, anunciado em dezembro, e à 2ª Conferência Nacional de Cultura, convocada para março. O mesmo comportamento pode ser observado na cobertura que fizeram da Conferência Nacional de Comunicação, reunida em dezembro.


Claro está que essas iniciativas governamentais não são, em absoluto, imunes a críticas – muitas delas, aliás, justíssimas. O problema, para as organizações filiadas à Abert, ANJ e Aner, é que o papel social desempenhado pela mídia é posto em relevo nos documentos produzidos pelo Programa Nacional de Direitos Humanos e pelas duas conferências. Não poderia ser diferente numa sociedade que se quer democrática e em dia com seu tempo.


O simples fato de sentirem-se observadas e acompanhadas por qualquer organização da sociedade civil assanha os instintos de defesa das corporações de mídia. A alegação de volta da censura, controle social da comunicação e atentado à liberdade de expressão são os motes repetidos, reiterados e amplificados pelo oligopólio do discurso e da construção simbólica que essas organizações exercem no país.


A estratégia escolhida é perigosa porque boa parte da argumentação das empresas colide com o que está disposto na Constituição em vigor. Não querem admitir, por exemplo, que as concessões de radiodifusão sejam submetidas a algum tipo de regulação. Nem que organizações independentes do Estado monitorem seu desempenho em relação ao compromisso inalienável que devem obrigatoriamente manter com as melhores práticas de promoção dos direitos humanos e valorização da cultura e da identidade nacionais.


O risco é que essa estratégia deixe de ser apenas perigosa para converter-se em suicida. Então, será a treva.