Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Fraudes na saúde
>>A ditadura do tráfico

Revistas desanimadas

As revistas semanais passaram ao largo dos grandes temas que os jornais abordaram na semana  passada.

A impressão que fica para um leitor habituado às edições pesadas de alguns meses atrás é de que nada de relevante aconteceu no Brasil nos últimos sete dias.

Os temas que foram manchete nos jornais aparecem em meros registros, sem manifestações de esforço das revistas por acrescentar novas revelações ao que os diários já haviam publicado.

O acerto para a aprovação da CPMF, que inclui sinais de benevolência com os senadores Renan Calheiros e Eduardo Azeredo, sob ameaça de processos, o escândalo que envolve a multinacional Cisco Systems, a suspeita de falsificação que quase impede a volta do ex-banqueiro Salvatore Cacciola são, como se diz popularmente, bolas levantadas na pequena área de jogo.

As revistas simplesmente não se interessaram em fazer o gol.

Fraudes na saúde

O Globo de domingo cobre bem os fatos da política, segue discutindo os problemas no transporte rodoviário e acrescenta reportagens especiais sobre o problema do financiamento de sindicatos.

E ainda traz um material especial no qual revela uma ampla rede de fraudes no programa Saúde da Família.

A reportagem do jornal carioca poderia ter sido tema de capa das revistas semanais. Afinal, a fonte de informação é o próprio governo federal, que suspendeu a ajuda a quase quinhentos municípios por conta do desvio de recursos.

Com os debates no Senado por conta do projeto de prorrogação da CPMF, o tema saúde deveria estar entre as pautas mais destacadas da imprensa. Mas as revistas praticamente o ignoraram.

O Estado de S.Paulo deu mais destaque à economia, apresentando um trabalho de fôlego sobre o crescimento recorde dos investimentos internacionais no Brasil.

Segundo o Estadão, o capital estrangeiro já cobre 74% do mercado de ações no Brasil, o que deveria estar conduzindo a imprensa a mais reflexões sobre o tema.

Trata-se de outro assunto que poderia ser melhor abordado nas revistas.



A Folha de S.Paulo fez uma radiografia dos critérios do governo federal na hora de distribuir verbas para os municípios, destacando a óbvia preferência do Executivo por deputados e senadores que o apóiam.

Nada original, mas o mesmo assunto poderia ter sido apropriado por uma revista semanal para radiografar o sistema que está na origem de 9 entre dez escândalos na política brasileira.

Sem ânimo para investigar, sem motivação para dar seguimento a questões que os diários esquentaram ao longo da semana, as revistas acabam perdendo espaço para os jornais nos sábados e domingos.

Se não voltarem a apresentar coisas mais interessantes aos seus leitores do que as notinhas de curiosidades em páginas coloridas, podem acabar convencendo o público de que elas são irrelevantes.

O Rio que não se vê

O Globo segue apostando em reportagens investigativas sobre temas que os outros jornais abordam apenas no dia-a-dia dos acontecimentos.

Depois de ter oferecido aos leitores, no domingo, uma impressionante radiografia do papel das mulheres no narcotráfico, o jornal carioca traz nesta segunda-feira a seqüência da pesquisa, feita pelo escritor Celso Athayde, sobre as mulheres dos chefes do crime.

É um relato aterrador de como os donos dos morros cariocas exercem uma tirania absoluta sobre suas mulheres, algumas das quais tomadas de suas famílias ou atraídas para o meio dos criminosos ainda na infância.

A ditadura do tráfico

O Globo já havia publicado uma série sobre o sistema de dominação nas favelas abandonadas pelo poder público, registrando o estilo bizarro de governo estabelecido pelos traficantes, com julgamentos sumários, pena de morte e execuções públicas.

A reportagem dá uma idéia de como alguns milhões de brasileiros, em todo o País, podem estar vivendo sob ditaduras sanguinárias comandadas pelo crime.

As notícias recentes de que a periferia de Brasília está sendo progressivamente controlada pelos traficantes e por gangues violentas deveriam estar provocando medidas imediatas das autoridades e mais atenção dos jornais.



As reportagens do Globo servem como o retrato de uma tragédia anunciada.

Ela já acontece há décadas nos morros cariocas, desenrola-se também na periferia de São Paulo, onde a imprensa faz de conta que isso não existe, e se aproxima da capital federal.

A raiz na corrrupção

A realidade apontada pelo Globo, que se repete em todas as comunidades onde o poder público se omite ou compactua com o crime, é considerada parte dos obstáculos ao crescimento do Brasil.

Jovens submetidos ao jugo dos traficantes ou atraídos para as gangues deixam de estudar, perdem competitividade e amputam suas chances futuras de alcançar um lugar na cidadania.

Na raiz dessas comunidades abandonadas está a corrupção.

Esses aglomerados urbanos que brotaram no Distrito Federal tiveram origem em esquemas de grilagem de terra cujos responsáveis eventualmente brilham em colunas sociais e no noticiário político dos jornais.

Um dos principais acusados desse crime é o ex-senador e ex-governador Joaquim Roriz, com o qual se envolve também o empresário Constantino de Oliveira, dono da Gol, conforme vem sendo registrado nos jornais.

Os jornais costumam separar as notícias de corrupção, isolando-as na páginas de política.

Da mesma forma, segregam os problemas da população carente nos cadernos dedicados às questões urbanas.

Ligar uma coisa à outra seria uma boa maneira de mostrar aos brasileiros como suas escolhas na política e nos negócios afetam diretamente o tipo de sociedade que construímos.

Queixas de empresários

A Folha de S.Paulo dá voz a empresários brasileiros, que se queixam de prática desleal de multinacionais espanholas na disputa por grandes obras e concessões de serviços públicos na América Latina.

Segundo executivos e controladores de grupos empresariais nacionais, o capitalismo espanhol não é assim tão capitalista.

A reportagem da Folha indica que o governo espanhol é uma espécie de sócio das empresas que vêm atuando principalmente nas áreas de telefonia e de infratraestrutura de transportes rodoviários.



Trata-se de um material interessante para incutir alguma sutileza no sempre extremado debate sobre a globalização.

Sem críticas

Na semana passada, os jornais já haviam publicado notícias de que a empresa espanhola OHL, que recentemente venceu o leilão para a maioria das concessões de rodovias brasileiras, tem problemas na operação de seus negócios na Espanha.

Interessante notar que apenas a Folha entra mais constantemente na questão, expondo aos leitores algumas contradições do sistema internacional de negócios, que parece aceito hegemonicamente por toda a imprensa sem muitas críticas.

Da mesma forma que evita fazer a crítica do capitalismo, mesmo quando se trata da defesa da livre concorrência, a imprensa tem se demonstrado pouco apetite para denunciar os crimes corporativos, como o caso que envolve a multinacional de informática Cisco Systems.

Fora uma ou outra nota no final de semana, os jornais têm passado ao largo das investigações, que agora miram também em outras empresas do setor.

Meio liberais

Os cadernos de economia do Estado de S.Paulo e do Globo, como fazem invariavelmente, dedicam hoje suas páginas à macroeconomia e ao desempenho do mercado de ações, evitando os temas polêmicos sobre o funcionamento do mundo dos negócios.

Sinais como o que a Folha revela, de que a mão do Estado pode estar interferindo no jogo econômico, deveriam interessar mais aos outros jornais.

Se a imprensa se diz adepta do liberalismo, e está sempre disposta a denunciar os excessos do Estado, a defesa da livre concorrência deveria ser uma bandeira de todos os dias.

Afinal, não pega bem ser ‘meio liberal’.