Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>A guerra da mídia na Argentina
>>Cristina e Dilma

A guerra da mídia na Argentina

Longa reportagem na Folha de S.Paulo, neste domingo, relata o recrudescimento do conflito entre o governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, e parte da imprensa do país, em especial o grupo Clarín.

De acordo com o jornal paulista, a vitória de Kirchner, que foi apoiada por mais de 50% do eleitorado em votações primárias realizadas duas semanas atrás, consolida a aprovação da sociedade à sua reeleição e representa apoio direto em sua cruzada contra o monopólio da mídia.

Essa é, pelo menos, a interpretação do governo, segundo a Folha.

Embora não tenha havido uma conexão explícita entre o conflito que coloca em lados opostos o governo kirchnerista e a imprensa tradicional na Argentina, ao se submeter à votação primária a presidente colocou seu prestígio sob o crivo dos jornais, correndo o risco de ter sua popularidade afetada por artigos e editoriais com críticas ao seu governo.

Agora, estimulados pelo resultado eleitoral, assessores da presidente anunciam que irão levar até o fim o projeto de diversificação da propriedade dos meios de comunicação definido na Lei de Serviços Audiovisuais aprovada em 2009.

O Clarín conseguiu suspender temporariamente na Justiça a aplicação das novas normas, mas a vitória de Cristina Kirchner está sendo interpretada como apoio da sociedade à sua proposta.

O conflito entre o governo e o principal grupo de comunicação da Argentina tem ainda como elemento importante as acusações de que o grupo Clarín apoiou a ditadura militar que dominou o país entre 1976 e 1983, apropriando-de de uma fábrica de papel e aproveitando a relação com o regime militar para ampliar privilégios.

O governo deu curso a novas medidas para reduzir o poder do grupo de comunicação, como um projeto que considera o papel-jornal um insumo de interesse nacional, além de estar ampliando e fortalecendo as emissoras de televisão aberta, para contrabalançar o poder da Cablevisión, principal operadora de TV a cabo da Argentina, pertencente ao grupo Clarín.

Nesse conflito, o governo também resolveu estatizar o campeonato argentino de futebol, que antes era exibido apenas em um canal pago, de propriedade do Clarín, e agora passa na TV pública.

Cristina e Dilma

Qualquer comparação com a situação da mídia no Brasil seria pura maldade.

No entanto, também não há como resistir a certas semelhanças entre a estratégia do grupo Clarín e a das organizações Globo, por exemplo.

Embora o Clarín exerça um verdadeiro monopólio, pela ausência de efetivos competidores na oferta de TV a cabo, sabe-se que a enorme vantagem da Rede Globo em relação às outras emissoras tem características que poderiam ser consideradas lesivas aos valores da livre concorrência.

A começar pela forma como são negociadas as cotas para transmissão dos jogos de futebol, que submetem a população à necessidade de pagar altas taxas para assistir determinadas partidas.

As organizações Globo também têm largas vantagens no que se refere às redes de TV a cabo, mas o tamanho do território brasileiro dificulta a prática do monopólio, como acontece na Argentina.

O custo da infraestrutura de cabos já causou grandes transtornos ao grupo Globo, exigindo o socorro do BNDES, que ajudou a reorganizar as dívidas da empresa em 2002.

Os representantes da Globo costumam creditar seu sucesso ao chamado “padrão Globo de qualidade”, mas há controvérsias.

No ramo da dramaturgia, por exemplo, a emissora ainda vive das caras e bocas e das tiradas de humor rasteiro inspiradas no teatro de revista – é o “padrão Carlos Manga” de interpretação.

Pode-se afirmar que as organizações Globo não são o Clarin também porque mantiveram sua sede no Rio de Janeiro.

Se fosse uma empresa dominante em São Paulo, onde o mercado é expressivamente maior, certamente seu poder seria mais efetivo.

Já nos anos 1990 sabia-se que a única saída da empresa era a Via Dutra e a associação com a Folha de S.Paulo para criar o jornal Valor Econômico foi vista por analistas como uma forma de explorar o mercado paulista.

Mas há também diferenças entre Cristina Kirchner e Dilma Rousseff.

A família Kirchner está no poder desde 2003 e Cristina tenta a reeleição, enquanto a presidente do Brasil procura consolidar seu primeiro mandato.

De qualquer maneira, não deixa de ser insigante observar de perto o que acontece na Argentina.

Pelo menos pela possibilidade de, no domingo, poder assistir a partida de seu time predileto sem ter que pagar por isso um preço abusivo.