Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

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Afogados em números

Faz alguns anos que o nordeste brasileiro não aparece no noticiário da imprensa nacional em histórias trágicas sobre seca, migrações, flagelados.

Ao contrário, aqueles estados têm apresentado os mais elevados índices de crescimento econômico entre as regiões do país e começam a atrair de volta nordestinos que se mudaram para outros estados e até mesmo trabalhadores especializados do sul e sudeste.

Parte desse milagre é atribuida aos projetos sociais de transferência direta de renda, como foi demonstrado em alguns seminários técnicos sobre o assunto realizados em São Paulo nos últimos anos.

Mas no caso das secas, na verdade o que ocorre periodicamente é o atraso no ciclo das chuvas, causando a perda de lavouras.

A construção de açudes e abertura de poços, aceleradas nos últimos anos, ajudou a reduzir o problema climático, enquanto os programas sociais consolidam o combate à pobreza.

Mas os açudes também ajudam a conter outro problema ambiental, o das inundações, que com frequência é erradamente chamado de desastre natural.

Tanto no nordeste quanto no sul do país, secas e inundações são fenômenos crimáticos produzidos ou agravados pela destruição das matas e a intervenção humana nos cursos dos rios.

Para prevenir esses desastres foi criado o Programa de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres, que susbsitui neste ano o antigo Programa de Prevenção e Preparação para Desastres, agregando as ações desse tipo que são atribuições de seis ministérios: Defesa, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Minas e Energia, Cidades e Integração Nacional.

As verbas para ações mais típicas de prevenção contra enchentes, como as obras de contenção de encostas e macrodrenagem, estão concentradas no Ministério das Cidades, que tem assegurados R$ 11 bilhões para o período de 2011 a 2015.

No último dia 3, terça-feira, o jornal O Estado de S.Paulo incluiu na lista de desastres a própria gestão das verbas do programa preventivo: segundo o jornal paulista, o ministro da Integração Nacional, o pernambucano Fernando Bezerra Coelho (PSB), destinou ao seu próprio estado nada menos do que 90% dos recursos para a contenção de enchentes em 2011.

Os demais jornais de circulação nacional entram na história nesta quinta, dia 5, acrescentando que em 2012, de novo, a verba contra enchente privilegia Pernambuco.

Verbas desviadas

O noticiário, principalmente o do Globo, tem um tom claramente bairrista – ou regionalista – ao comparar as verbas destinadas a Pernambuco com o dinheiro do Ministério da Integração Nacional enviado para Nova Iguaçu, no Estado do Rio.

São diferenças astronômicas, de muitos milhões para prevenir enchentes em Pernambuco e alguns milhares de reais para Nova Iguaçu.

Mas o noticiário omite certos detalhes que, se não isentam o ministro Bezerra de ter agido de maneira a privilegiar a região onde tem sua base eleitoral, oferecem outra visão para a aplicação dos recursos.

Por exemplo, ao informar que Pernambuco vai receber em 2012 11,6% do total da verba geral para obras de prevenção, o tom da reportagem é de denúncia, quando na verdade aquele estado fica em terceiro lugar entre as unidades da federação que serão beneficiadas.

Considerando que a distribuição é feita segundo o grau de risco de cada região, não se deve estranhar que Pernambuco fique em terceiro entre as prioridades, atrás de São Paulo e Rio, uma vez que em Santa Catarina, outro dos estados onde têm ocorrido enchentes trágicas, vem recebendo verbas e realizando obras há mais tempo.

Além disso, é preciso considerar que a liberação de recursos está condicionada à apresentação de projetos e, não é apenas ironia o fato de Pernambuco ter apresentado mais projetos.

Os números indicam que Fernando Bezerra privilegiou realmente seu estado, e os dados da execução orçamentária confirmam que, da verba sob responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, 21,9% foram destinados a Pernambuco em 2011.

Mas o noticiário tenta transferir para todo o programa de prevenção o caso isolado de Bezerra, que provavelmente agiu diretamente para acelerar os projetos em sua região.

Para se ter uma idéia do total aplicado nas ações de combate às enchentes, a imprensa deveria contabilizar todos os recursos destinados ao programa, em cada ministério, e cotizar sua aplicação com os projetos apresentados pelos estados.

Além disso, é preciso dar conta de outros desvios, como os casos de verbas retiradas do programa de combate a desastres naturais e aplicadas em outras finalidades.

As enchentes estão aí mais uma vez, em muitos municípios as obras preventivas nem começaram e os jornais, empenhados em derrubar o ministro, deixam de informar o leitor sobre o que realmente vem acontecendo, como alguns sinais de corrupção e uso indevido das verbas.