Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>Banalizando a barbárie
>>Detonando os muros

Banalizando a barbárie

O noticiário sobre mais um assassinato no campo tem dois tratamentos diferentes por parte da imprensa tradicional.

O Estado de S.Paulo e o Globo dão maior destaque à morte do agricultor Marcos Gomes da Silva, em Eldorado do Carajás, associando o acontecimento à recente sequência de crimes contra assentados e líderes de comunidades rurais na Amazônia.

Já a Folha de S.Paulo apenas registra o fato em uma nota curta. Seus editores estão convencidos de que se trata de um caso isolado.

Na opinião do jornal paulista, sempre houve conflitos desse tipo na região e, portanto, não há motivo para alarde.

Curiosamente, a interpretação da Folha é igual à da senadora Kátia Abreu, que acusa os ambientalistas de oportunismo, porque, na sua opinião, estão tentando vincular os assassinatos de camponeses ao clima de impunidade promovido pela proposta de flexibilização do Código Florestal.

A insensibilidade da líder ruralista com relação a crimes cometidos por seus correligionários não surpreende. Kátia Abreu representa os rincões mais obscurantistas da política e da sociedade brasileira.

Mas não se deveria esperar da Folha de S.Paulo, jornal que se apresenta como porta-voz do Brasil contemporâneo, um pouco mais de solidariedade humana em relação às vítimas da violência no campo, que tem sinais claríssimos de ser uma sucessão de atos coordenados?

Não. Como se diz por aí, de onde nada se espera é que nada vai sair mesmo.

Há alguns anos a Folha de S.Paulo assume uma atitude blasé em relação a temas que já foram muito caros a alguns de seus melhores jornalistas.

Substitutiu, por exemplo, o tema geral dos direitos humanos por manifestações pontuais a respeito de direitos de minorias, que rendem simpatias localizadas e não exigem compromissos com mudanças profundas na sociedade.

Posicionado como “politicamente incorreto”, o jornal paulista eventualmente tem uns ataques de birra adolescente. Decide que tal fato é irrelevante e ponto final.

No caso das mortes de agricultores e coletores, não importa tanto se acontecem em zonas pemanentemente sujeitas a conflitos.

O dado real, que os outros jornais perceberam e a Folha ignorou, é que aumentaram as pressões e ameaças sobre os defensores da floresta desde que se consolidou a proposta de anistiar desmatadores e reduzir as normas de proteção do patrimônio ambiental.

Detonando os muros

Alberto Dines:

– A bomba que Clovis Rossi introduziu ontem na Página Dois da Folha tem carga dupla: em primeiro lugar pelas suspeitas que lança sobre a escolha do Brasil para sediar a próxima Copa do Mundo. Em segundo lugar porque foi uma rara e talvez única manifestação de um dos expoentes da crônica política sobre a corrupção no futebol internacional.

Futebol sempre foi caso de polícia, deixou a esfera clubista para ganhar maiores dimensões  durante a gestão de Ricardo Teixeira à frente da CBF. Mas os escândalos que envolvem o esporte-rei no Brasil quando são destacados na primeira página acabam sepultados nos cadernos esportivos.

Sim, sepultados: porque o leitor dos cadernos de esporte prefere ler as análises do jogo de ontem ou as previsões para a partida de amanhã. Enquanto políticos ou empresários raramente mergulham nos cadernos esportivos, a não ser como torcedores. Os multiplicadores de opinião vivem ancorados nos primeiros cadernos muito mais interessados nas esferas do poder nas quais se alimentam.

Esta injusta segmentação condena as denúncias desportivas a uma permanente quarentena. Não avançam, não repercutem, não vão para os plenários legislativos. Mas é imperioso lembrar que a recente onda de denúncias de corrupção na FIFA sobre a escolha das sedes das Copas começaram a pipocar na Inglaterra — nos “quality papers”,  no Economist, na BBC, até mesmo no americano, Wall Street Journal e deste para a capa do imperturbável jornal de negócios, Valor Econômico.

Clovis Rossi detonou o muro que impedia a livre circulação de notícias pelo jornal. Os escândalos da FIFA e na CBF são tão graves ou ainda mais graves do que as suspeitas que envolvem o Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Acabaram-se os cadernos “nobres”.