Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

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O escândalo do século

O livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr, intitulado “A privataria tucana”, publicado pela Geração Editorial na coleção História Agora, está produzindo um estranho fenômeno na imprensa brasileira: provoca um dos mais intensos debates nas redes sociais, mobilizando um número espantoso de jornalistas, e não parece sensibilizar a chamada grande imprensa. O autor promete, na capa, entregar os documentos sobre o que chama de “o maior assalto ao patrimônio público brasileiro”.

Anuncia ainda relatar “a fantástica viagem das fortunas tucanas até o paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas”. E promete revelar a história “de como o PT sabotou o PT na campanha de Dilma Rousseff”.

Ex-repórter do Globo, originalmente dedicado ao tema dos direitos humanos, Ribeiro Jr. ganhou notoriedade no ano passado ao ser acusado de violar o sigilo da comunicação de personagens da política ao investigar as fonte de um suposto esquema de espionagem que teria como alvo o então governador mineiro Aécio Neves. Trabalhava, então, no jornal O Estado de Minas, que apoiava claramente as pretensões de Neves de vir a disputar a candidatura do PSDB à Presidência da República em 2010.

Os bastidores dessa história apontam para o ex-governador paulista José Serra como suposto mandante da espionagem contra Aécio Neves, seu adversário até o último momento na disputa interna para decidir quem enfrentaria Dilma Rousseff nas urnas.

Informações que transitaram pelas redes sociais neste domingo, dia 11, dão conta de que Serra tentou comprar todo o estoque de ‘A privataria tucana” colocado à venda na Livraria Cultura, em São Paulo e que teria disparado telefonemas para as redações das principais empresas de comunicação do país.

Intervindo em um grupo de conversações formado basicamente por jornalistas, o editor Luis Fernando Emediato, sócio da Geração Editorial, afirmou que foram vendidos 15 mil exemplares em apenas um dia, no lançamento ocorrido na sexta-feira, dia 9.

Outros 15 mil exemplares estavam a caminho, impressos em plantão especial para serem entregues às livrarias nesta segunda, dia 12, juntamente com o lançamento da versão digital.

Aos seus amigos do PSDB, Emediato recomendou cautela e a leitura cuidadosa da obra, afirmando que o trabalho de Amaury Ribeiro Jr. não é “dossiê de aloprado, não é vingança, não é denúncia vazia, não é sensacionalismo. É jornalismo”.

O editor indicou ainda aos leitores que procurassem informações no blog do deputado Brizola Neto (PDT/RJ), no qual, segundo ele, estariam as pistas de “outro ninho offshore na rua Bernardino de Campos, no bairro do Paraiso, em São Paulo. A investigação agora chega na família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vamos ver onde isso vai parar”, concluiu.

O Titanic da política

A julgar pelo volume e a densidade das denúncias, pode-se afirmar que, sendo verdadeira a história contada por Amaury Ribeiro Jr, trata-se do mais espetacular trabalho de investigação jornalística produzido no Brasil nas últimas décadas.

Foram doze anos de apuração e depurações. A se confirmar a autenticidade dos documentos apresentados, pode-se apostar nessa como a obra de uma vida.

A hipótese de completa insanidade do autor e do editor seria a única possibilidade de se tratar de uma falsificação.

Confirmado seu conteúdo, o livro representa o epitáfio na carreira política do ex-governador José Serra e um desafio para o futuro de seus aliados até agora incondicionais na chamada grande imprensa.

O editor garante que são 334 páginas de teor altamente explosivo, escancarando o que teria sido a articulação de uma quadrilha altamente especializada em torno do processo das privatizações levadas a efeito durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

Os documentos envolvem o banqueiro Daniel Dantas, a família de José Serra e alguns personagens de sua confiança.

Não apenas pelo que contém, mas também pelos movimentos iniciais que lhe deram origem, o livro representa uma fratura sem remédio na cúpula do PSDB e deve causar mudanças profundas no jogo político-partidário.

“Privataria”, a expressão tomada emprestada do termo que o colunita Elio Gaspari costuma aplicar para os chamados malfeitos nas operações de venda do patrimônio público, ganha agora um sentido muito mais claro – e chocante.

Os sites dos principais jornais do país praticamente ignoraram o assunto. Mas portais importantes como o Terra Magazine entrevistaram o autor.

O tema é capa da revista Carta Capital, e não há como os jornais considerados de circulação nacional deixarem a história na gaveta.

Mesmo que seus editores demonstrem eventuais falhas na apuração de Amaury Ribeiro Jr., o fenômeno da mobilização nas redes sociais exige um posicionamento das principais redações.

Se a carreira de Serra parece ter se chocado contra o iceberg do jornalismo investigativo, a imprensa precisa correr imediatamente para um bote salvavidas.

Ou vai afundar junto com ele.