Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

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O exemplo do comércio

O anúncio de uma iniciativa da rede de varejo Magazine Luiza, em associação com a operadora de telefonia Claro, deveria chamar a atenção dos gestores de empresas de comunicação.

Mais do que uma jogada de marketing, a ação das duas empresas aponta um dos caminhos abertos pela expansão das tecnologias digitais de informação e comunicação – o do relacionamento permanente e direto entre empresa e cliente.

Como se sabe, essa ruptura tecnológica está colocando em xeque o conceito de mediação e produz um desafio crucial para o modelo tradicional de negócio da imprensa.

Segundo o Estado de S. Paulo desta quarta-feira, dia 24, a rede de lojas de eletrodomésticos e móveis colocou à venda um chip para celular pré-pago que permitirá ao usuário acessar gratuitamente as redes sociais, os sites do Magazine Luiza e da Claro, e ainda movimentar uma conta de email.

Os responsáveis pela operação calculam que serão vendidos, por baixo, 1 milhão de chips, a grande maioria para pessoas das classes de renda emergentes.

Essas famílias, com renda média entre R$ 500 e R$ 4 mil, são os maiores consumidores de telefonia celular e entusiasmados frequentadores das redes sociais digitais.

Muitas dessas pessoas possuem dois aparelhos, um dos quais substitui o antigo telefone fixo em casa.

São também a maior fatia do mercado de consumo brasileiro, representando 52% da população, e objeto de desejo das grandes marcas.

A estratégia da empresa de varejos é estabelecer um canal com potenciais clientes que seja exclusivo mas não excludente.

Entre os cálculos de seus estrategistas certamente estão os riscos de imersão nas redes sociais, onde uma marca tanto pode ser vitoriosa como se tornar vítima de campanhas negativas.

Nesse sentido, mereceu especial atenção do Magazine Luiza o fato de a Claro ter sido punida diversas vezes pela Anatel por mau atendimento. O setor de telefonia celular continua sendo recordista de queixas por parte dos consumidores, por conta de dificuldades para ampliar e aperfeiçoar suas redes.

Ainda assim, pode-se apostar que a empreitada vai trazer grandes resultados para as duas empresas, a se julgar pelo que se conhece dos hábitos de consumo da nova classe de renda média no Brasil.

Mais concorrência

E o que isso tem a ver com a imprensa? – Perguntaria o leitor atento.

Quando um setor da economia está fragilizado por rupturas tecnológicas ou mudanças sociais, qualquer coisa pode ser uma ameaça, dependendo do modo como os negócios são geridos.

Assim, podemos considerar, por exemplo, que a associação entre a Claro e o Magazine Luiza tem potencial para se transformar em mais um negócio de mídia, vindo a concorrer no já congestionado mercado das empresas tradicionais de comunicação – com a vantagem de que a rede de varejo e a operadora já entrariam na competição com uma audiência de 1 milhão de usuários.

Basta que os administradores dessa parceria queiram, e podem acrescentar ao seus sites serviços de informações utilitárias, dicas de economia doméstica e educação financeira, conteúdos didáticos e até mesmo notícias de esportes, e terão conquistado uma fatia considerável da audiência.

Luiza Helena Trajano, que ergueu o conglomerado de varejo a partir de uma loja na cidade de Franca, é conhecida por sua ousadia e tem conseguido antecipar tendências no setor em que atua.

Há mais de uma década, ela já dizia, em eventos organizados pela empresa de educação de executivos Amana-Key, em São Paulo, que comércio não é venda, é relacionamento.

É justamente essa visão que falta aos gestores das empresas tradicionais de comunicação: eles acreditam que a imprensa é um filtro entre os fatos e a sociedade.

Acontece que a expansão dos meios digitais de informação e comunicação está desmanchando o conceito tradicional de mídia.

Diante do envelhecimento do público que lê jornais de papel, e com o evidente desinteresse dos mais jovens pelas mídias tradicionais, um dos grandes desafios dessas empresas é manter o valor de suas marcas, que sempre representaram uma espécie de certificação para a agenda pública.

Agora, cada vez mais frequentemente, é a imprensa que precisa correr atrás de fatos, manias e novidades criados pelos usuários das redes sociais.

Enquanto não abandonar a ilusão do controle sobre essa agenda, o setor vai continuar atrasado.

Se a disputa é pelo tempo do usuário, um novo concorrente acaba de entrar no mercado: a parceria entre uma rede de lojas e uma empresa de telefonia celular.