Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>Um tema de cada vez
>>Festival de incoerências

Um tema de cada vez

A imprensa parece ter colocado na geladeira a questão das mudanças no Código Florestal e outros temas importantes. Enquanto o projeto segue sua tramitação no Senado Federal, o debate fica em suspenso na agenda pública.

A alta rotatividade das manchetes passa a impressão de que as redações já não dão conta de tratar com a mesma atenção de vários assuntos no mesmo dia.

Ultimamente, todos os holofotes são dirigidos para o Supremo Tribunal Federal, que vai assumindo um protagonismo inédito entre as instituições da República.

A recente decisão que manda liberar as manifestações em favor da descriminalização do uso de drogas, por exemplo, pode ser estendida ao próprio mérito da campanha: segundo a Folha de S.Paulo desta sexta-feira, dia 17, o ministro Celso de Mello, do STF, relator do julgamento das manifestações, já pensa em propor a liberação do uso de maconha em cultos religiosos.

O ministro cita as seitas chamadas genericamente de Santo Daime, dizendo que nelas se usa tradicionalmente a maconha como parte dos rituais.

Isso não é verdade.

Apenas uma parte dessas congregações, derivadas de uma dissidência criada nos anos 70, e quase todas localizadas nas grandes cidades do Sudeste, utilizam a maconha junto com o chá denominado ayahuasca.

Em uma delas ocorreu um duplo assassinato em março do ano passado.

O uso da maconha não é uma prática tradicional nas comunidades amazônicas onde nasceu o Santo Daime, nem no Brasil nem no Peru.

Algumas personalidades envolvidas no debate acham que o Supremo Tribunal Federal está próximo de ocupar definitivamente o espaço institucional do Congresso e que seus ministros estão vivendo uma espécie de epifania libertária.

Citado pelo Globo, o titular da Secretaria Municipal Anti Drogas de Curitiba, que lidera campanha contra a liberação do uso de maconha, afirma que o STF vive como Alice, numa espécie de País das Maravilhas.

Enquanto isso, segundo o Estadão de quinta-feira, dia 16, o Senado se prepara para revisar o Código de Defesa do Consumidor.

Representantes de entidades que defendem os direitos obtidos na Constituinte de 1988 nas relações de consumo estão preocupados porque não foram consultados para a elaboração da nova lei e se queixam de falta de transparência no processo de mudança.

É possível que, enquanto a sociedade sai em passeatas contra e a favor do uso de maconha, o Congresso consolide a flexibilização do Código Florestal e promova um retrocesso nos direitos do consumidor.

Festival de incoerências

Alberto Dines:

– Terra das contradições, incoerências e paradoxos, o Brasil não poderia ter uma imprensa preocupada com este tipo de desarranjo. Razão porque nenhuma das grandes vozes da nossa mídia prestou atenção à tremenda confusão conceitual provocada por três decisões recentes. Enquanto nossa suprema corte aprovou por unanimidade a realização de manifestações em favor da liberação da maconha, o Governo e o Congresso vão na direção contrária favorecendo o sigilo, o segredo e, em última análise, a censura.

Nosso judiciário acredita na intangibilidade da liberdade de expressão, o Executivo e o Legislativo favorecem o silêncio e a mordaça. A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira uma Medida Provisória que permitirá ao governo manter secretos os orçamentos das obras para a Copa e as Olimpíadas. A ocultação tornará impossível o controle dos gastos e favorecerá a FIFA, a CBF, as fraudes, superfaturamentos e corrupção. Até mesmo o Procurador Geral da República repudiou a trapaça, mas o governo alega que sem este sigilo as obras fatalmente atrasarão.

O caso da Lei de Acesso às Informações contém discrepâncias mais graves. O projeto foi apresentado com pompa e circunstância no fim do governo Lula, a sucessora recomendou a tramitação em regime de urgência, mas não contava com o ataque de dois caciques da base aliada, os  ex-presidentes Sarney e Collor de Melo que obviamente defenderam o sigilo eterno dos documentos na esfera da Defesa e Relações Exteriores.

A presidente então mandou retirar o chancela de urgência, o PT estrilou e em seguida Dilma Roussef foi obrigada a ouvir o ex-presidente Lula pronunciar-se abertamente pelo fim do sigilo dos arquivos. “O povo tem mais é que saber” afirmou Lula. Se Lula tem razão, Sarney e Collor não têm razão. Mas se a presidente Dilma está com Lula está desautorando seu vice, Michel Temer, que ontem  se declarou favorável à manutenção dos segredos do passado. Com tantos sinais conflitantes a sociedade perde o rumo e a noção do que é certo ou errado.