Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>A ‘tempestade perfeita’ da imprensa
>>Mudança dos ventos

A "tempestade perfeita" da imprensa

O jornal Valor Econômico publicou em manchete, nesta segunda-feira, (7/4) reportagem relatando como especuladores perderam dinheiro ao apostar em um desastre na economia brasileira.

"Os ventos do mercado mudaram de direção, a tempestade perfeita não veio, e isso reduziu bastante os ganhos de quem apostou na alta do dólar e na queda das ações", dizem os autores do texto.

Nesta manhã de terça-feira (8/4), analistas já registram que a  frustração provocou um desvio da manada de investidores, das carteiras de maior risco para opções mais conservadoras.

O episódio revela como uma parte do movimento financeiro se processa no campo da irracionalidade, onde o chamado "wishful thinking", expressão que pode ser traduzida por "autoengano" ou "auto-sugestão", substitui frequentemente os indicadores formais da economia.

Mas o mais grave é constatar que esse autoengano é frequentemente provocado pela imprensa hegemônica, com a publicação seguida de manchetes negativas que induzem um grande número de pessoas a um clima de pessimismo.

Alguns entendem que podem ganhar dinheiro com uma crise, mas a realidade acaba desmentindo os profetas do apocalipse, e está pronta a receita para o prejuízo.

No caso presente, a expressão "tempestade perfeita" vem sendo repetida por jornais e revistas desde o final do ano passado.

Ela apareceu pela primeira vez, associada a críticas à política econômica do governo, numa análise do economista e ex-ministro Delfim Netto, publicada no Estado de S. Paulo no dia 13 de novembro de 2013.

Seu alerta era condicionado a medidas que, segundo ele, deveriam ser tomadas pelo governo para controlar as contas externas, o câmbio e os gastos públicos.

No entanto, a previsão foi tomada pela imprensa como muito provável e, curiosamente, um dos primeiros veículos a enxergar a tormenta que não havia foi o Valor, em artigo de um de seus editores executivos, publicado em no mesmo dia (ver aqui).

Em seguida, a revista Exame, da Editora Abril (ver aqui), elevou a profecia ao grau de catástrofe inevitável.

Muitos investidores passaram, então, a valorizar as nuvens escuras.

Mudança dos ventos

O Valor Econômico voltou atrás ao produzir o caderno especial "Cenários 2014", no mês seguinte, desmentindo seu editor executivo (ver síntese aqui).

No entanto, os três jornais genéricos de circulação nacional – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo – seguiram anunciando o apocalipse.

Até que se produziu a conjunção sonhada pelos especuladores: o anúncio do rebaixamento do Brasil por parte da agência de avaliação de risco Standard & Poors, o escândalo da Petrobras e, finalmente, a pesquisa Datafolha sobre intenção de voto, que supostamente iria marcar a queda das chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Mas aconteceu que os ventos econômicos mudaram de direção, afastando as nuvens negras e o cenário eleitoral na verdade mostra que a atual presidente pode ser reeleita no primeiro turno.

A situação econômica ainda é de instabilidade, contexto que deve perdurar ao longo do ano, em parte sob influência da disputa eleitoral.

O que a imprensa não diz é que uma parcela significativa dessa instabilidade é provocada pela própria imprensa.

Façamos, por exemplo, uma varredura no noticiário desta terça-feira: pelos mesmos jornais que seguem apostando em manchetes negativas, o leitor fica sabendo, em reportagens com menor destaque, que houve uma "enxurrada" de capital estrangeiro no Brasil no mês de março.

O BNDES já captou no primeiro trimestre um total de recursos superior ao previsto para todo o ano de 2014, em condições consideradas excelentes, o que demonstra a credibilidade dos títulos brasileiros.

Nas notas curtas, pode-se ler uma lista de investimentos de empresas multinacionais, entre eles a criação de uma fábrica de grandes motores da Rolls-Royce no Rio de Janeiro.

Agora, vejamos como a imprensa produz no público opiniões equivocadas.

Meio escondida nas edições digitais dos jornais, pode-se garimpar um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, anunciando que a Copa do Mundo pode render R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto em 2014, criando 48 mil empregos só no setor de turismo.

E qual é a percepção que o noticiário sobre o mesmo assunto induz no público? – Pesquisa Datafolha publicada com destaque nesta terça-feira afirma que 55% dos brasileiros acreditam que a Copa vai trazer prejuízos.

É assim que funciona.